Nestes tempos que tanto se discute o combate às fakenews e desinformações, talvez faltem alguns exemplos concretos que nos situem diante do tamanho do problema.

Recentemente, através da publicação de um artigo, o CEO de uma gestora de fundos de impacto relatou os motivos pelos quais sua organização não havia conseguido obter o valor mínimo para viabilizar a oferta pública de um Fiagro (Fundo de Investimento em Cadeias Agroindustriais) dedicado a investir na regeneração, recuperação ou conversão de áreas de pastagens degradadas.

Entre os motivos, o gestor destacou que “um bom número de investidores declinou a oferta e justificou a decisão argumentando que não fazia sentido comprar uma terra degradada, pois é mais barato comprar terras ainda cobertas de vegetação e, legalmente, “abri-las” (um eufemismo para desmatar) e, com isso, obter uma taxa interna de retorno (TIR) mais robusta."

Esse relato esconde um problema muito maior do que aparenta. Investidores responsáveis pelo direcionamento de recursos, que podem fazer a diferença, estão sendo convencidos de um fato que não representa a realidade.

Há anos, especialistas em pecuária de universidades, instituições de pesquisa ou de empresas privadas, vem comprovando financeiramente que o investimento em produtividade vale mais a pena do que a expansão territorial.

A consolidação do Plano Real, estabilizando a moeda depois de anos de inflação descontrolada, trouxe uma mudança de foco importantíssima para as atividades empresariais. A produtividade e a busca por escala substituíram a formação de estoques e a expansão horizontal como principais fatores de multiplicação do capital.

É evidente que aumentar o tamanho da área de produção ainda é interessante. Mas, financeiramente, essa expansão só vale a pena com produtividades mais elevadas, o que maximiza o retorno do investimento.

Em outras palavras, não vale a pena imobilizar capital em áreas sem que se busque o máximo desempenho possível do ativo.

No mercado de terras, uma das operações mais interessantes é justamente aquirir áreas de baixa produtividade, geralmente cobertas por pastagens, e estruturá-las para torná-las produtivas e rentáveis. Aí sim, a soma dos resultados anuais com a valorização da terra ao longo do projeto terá proporcionado o retorno satisfatório.

Essa realidade é tão presente no agro que não deixa de surpreender que alguém tenha dúvidas sobre a viabilidade econômica de operações como essa.

Os desafios e os diversos casos de insucessos no processo estão relacionados à viabilidade de comprar e consolidar áreas que permitam dimensionar a escala da infraestrutura, questões jurídicas relacionadas a documentações, proporção da área com baixa aptidão para altas produtividades ou áreas com alto risco de estiagens.

Há sim operadores avançando sobre áreas que não poderiam ser desmatadas, mas não se trata do perfil que busca recursos de forma legal e que, portanto, precisará agir de acordo com o compliance.

Mesmo nas áreas que poderão ainda ser desmatadas, dentro do rigoroso Código Florestal Brasileiro, as licenças para abrir essas áreas são difíceis de obter, o que torna o ambiente de negócio agropecuário brasileiro ainda mais rigoroso do que o previsto pela mais rigorosa das leis ambientais de todo o planeta.

Para um recurso obtido de forma legal, através de fundos de investimentos, essa opção por desmatamento relatada por investidores ao CEO da referida gestora não existe. Trata-se de uma opção que não está na mesa, ou, quando estiver, será muito rara e em condições específicas.

E é justamente aí que reside um problema muito maior do que aparenta. O que leva investidores, que precisam ser tão bem-informados e analíticos, a justificar a opção por não investir com base em uma informação incorreta como essa?

A resposta a essa questão vem sendo debatida há muito tempo. A sociedade está sendo levada a acreditar em fatos que não correspondem à realidade. Estão realmente convencidos que o agro, especialmente a pecuária, se expande indiscriminadamente sobre novas áreas, convertendo-as para atender a demanda crescente por produção.

Essa crença é reforçada pela ocupação das áreas recém-desmatadas por pastagens, o que realmente ocorre.

Mas essa ocupação ocorre pela facilidade de implantação de um pasto e pela viabilidade de esconder o gado diante da fiscalização, seja pela mobilidade dos animais ou pela possibilidade de vendê-los informalmente no mercado.

A pecuária não promove o desmatamento. Nessas áreas ilegalmente desmatadas, a pecuária é consequência do desmatamento e não a causa.

Os indicadores históricos de produtividade confirmam essa realidade. Entre 1990 e 2023, por exemplo, a área de pastagens no Brasil foi reduzida em 16%, saindo da faixa dos 190 milhões de hectares para os atuais 161 milhões de hectares.

E, mesmo dentro dessa área menor de pastagens, estima-se que entre 8% e 10,5% estejam ocupados com a integração com culturas anuais (maioria) ou perenes (minoria).

No período, a produtividade de carne bovina por hectare aumentou na ordem de 170%, evidenciando que há uma busca por aumento de produtividade entre os produtores.

Esse quadro que resume o balanço da pecuária, geralmente apresentado em forma de gráfico pela Athenagro, é usado para mostrar aos produtores a consolidação de uma realidade que veio para ficar.

A atividade pecuária está excluindo, lentamente, os produtores de baixa produtividade. E essa tendência pode ser confirmada por outros indicadores calculados a partir de fontes públicas de informações ou a partir da análise financeira das propriedades em diferentes níveis de tecnologia.

Qualquer análise mais criteriosa chegará na mesma conclusão: o espaço para baixas produtividades está cada vez menor, tornando-se proibitivo.

E os mesmos números que mostram o aumento da produtividade, usados para estimular os produtores a ficarem atentos a essas mudanças, causam desconforto em parte dos ambientalistas, geralmente os extremistas. Estes atacam qualquer profissional que venha a divulgar o avanço da produtividade dos últimos anos.

Negam, até de forma agressiva, qualquer menção ao efeito “poupa terra” que, basicamente, se resume a um cálculo simples: qual o tamanho necessário da área para obter determinada produção atual, caso não houvesse nenhum ganho produtivo nessa cultura?

Se a produção atual de carne bovina fosse obtida com a produtividade do início dos anos 1990, seriam necessários 440 milhões de hectares, mais da metade da área do Brasil

No caso da pecuária de corte, por exemplo, se a produção atual de carne bovina fosse obtida com a produtividade do início dos anos 1990, seriam necessários 440 milhões de hectares, mais da metade da área do Brasil. Como houve ganhos tecnológicos, foi possível evitar que 278 milhões de hectares fossem desmatados para produzir a carne que foi ofertada em 2023.

O objetivo do raciocínio é demonstrar o impacto do aumento na produtividade. Diante dessas informações, extremistas interpretam o recado de forma equivocada, como se o setor estivesse dizendo que já fez muito e não precisa ser cobrado.

É justamente o contrário, visto que essa informação é apresentada para estimular que ninguém fique fora dessa tendência. Não se trata de massagear egos, mas sim de mostrar que há uma nova forma de fazer pecuária que veio para ficar.

Existem organizações divulgando números históricos de áreas de pastagens que confrontam os dados censitários e induzem diversos pesquisadores ao erro. Ao analisar números inconsistentes, as conclusões baseadas em tais fontes não serão capazes de confirmar os avanços ocorridos nos últimos anos.

Por mais criteriosos que sejam os pesquisadores, a qualidade dos estudos estará limitada à qualidade dos dados utilizados. O rigor de um estudo começa com a revisão dos dados e de outros estudos existentes sobre o mesmo tema.

E não deixa de ser interessante a ironia por trás dessa postura que nega o avanço tecnológico da pecuária. Ao se esforçarem para demonstrar uma realidade inexistente - a de que a pecuária demanda novas áreas – os que se apresentam como defensores das causas ambientais e comprometidos em melhorar os sistemas de produção estão justamente dando argumentos para que investidores neguem projetos de transformação da pecuária.

O investimento mínimo necessário para o fundo, de acordo com o relato do CEO da gestora de recursos, era de R$ 50 milhões, dinheiro que poderia ser usado para reformar, recuperar, converter ou aumentar a produtividade de pastagens. A meta era captar R$ 500 milhões.

Quem seriam os beneficiados? Quantos outros fundos estão deixando de reunir recursos? E quantos investidores poderiam ser atraídos para o negócio, caso as informações fossem analisadas de forma mais pragmática e coerente com a realidade?

Vale ainda citar que o propósito do fundo em questão estava alinhado com o Decreto nº 11.815, de 5 de dezembro de 2023, que instituiu o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis (PNCPD).

É a desinformação ideologizada trabalhando contra os projetos do próprio Governo que, através do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, apresentou uma proposta para acelerar o processo que já vem ocorrendo nos últimos anos.

O relato é um exemplo típico dos efeitos da desinformação. Os números e os fatos precisam ser analisados como são, de acordo com o que aconteceu.

Criar subterfúgios para apresentar um problema maior do que ele é ou maquiar os dados para apontar causas que não correspondem à realidade só irá atrapalhar a solução. Esse é apenas um dos exemplos.

Por mais bem intencionados que estejam, por mais belas que sejam as palavras apresentadas em favor da agenda ambiental, ninguém será capaz de construir um futuro sustentável negando a realidade que caracterizou o passado.

As decisões precisam ser tecnicamente embasadas.

Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária.