Participei de uma conversa outro dia com Claudio Angelo, autor, com a colaboração de Tasso Azevedo, do recém lançado “O Silêncio da Motosserra”.
O livro conta a história de como nasceu, pelas mãos de pesquisadores e pesquisadoras, estudiosos e técnicos, jornalistas e ativistas, uma espécie de consciência nacional contra o desmatamento, depois de décadas de um projeto de colonização que causou uma devastação sem freios na floresta, e conta das ações que resultaram em uma queda no desmatamento vertiginosa entre os anos de 2005 e 2012.
O livro aparece em um momento auspicioso, quando o mundo e o País sentem a emergência do clima e a urgência por ações que possam reverter o quadro. A retomada do PPCDAM, o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazonia começa a entregar seus resultados novamente.
Mas tem um caroço nesse angu. Enquanto a inteligência brasileira que se preocupa com o clima horrorizava-se com os rios secos e a fumaça de incêndios que encobria boa parte do país, quem mora na Amazônia, em meios aos piores índices socioeconômicos do país, ajudava a eleger candidatos no pleito municipal para os quais a pauta ambiental não representa nada além de um entrave ao “desenvolvimento”.
Nas prefeituras, nas Assembleias Legislativas estaduais e mesmo no Congresso Nacional, políticos da Amazônia esforçam-se por enfraquecer o quanto podem a proteção ambiental.
Há um descompasso entre o mundo político na Amazônia (com algumas raras exceções) e o que o mundo espera da Amazônia.
Minha hipótese sobre como chegamos a esse paradoxo se assenta sobre duas premissas.
A primeira tem a ver com a demografia e o processo de colonização da Amazônia. Os que vivem da floresta, indígenas, ribeirinhos, povos e comunidades tradicionais são uma minoria política.
A maioria é quem veio de fora. E quem veio para a fronteira veio em busca de oportunidades de prosperar. Na lógica da colonização, essa prosperidade se traduz basicamente em ouro, madeira, terra, boi e, agora, soja.
Guarde esse pensamento.
A segunda premissa tem a ver com essa “pablomarçalização” da política, esse gremlin gestado e parido à base de algoritmos, neopentecostalismo (e teologia da prosperidade) e da precarização das relações de trabalho.
O messianismo promovido por esse tipo de política perde-se na polarização rasa e impede qualquer debate aprofundado sobre qualquer assunto.
Junte esse caldo em uma região com estrutura pública precária, quando não ausente, sem educação, sem segurança, sem saúde, sem infraestrutura. Quando você está nesse buraco, meus amigos, é cada um por si e Deus contra todos.
Na busca por prosperidade rápida, a primeira vítima é o bem coletivo.
Vota-se em quem promete facilitar ao máximo o acesso ao que se considera oportunidade de prosperar, não interessa se estamos todos respirando fumaça.
É a mesma lógica por trás da explosão das bets no Brasil. No desespero dessa sociedade precária, aposta-se como tentativa de enriquecer rapidamente.
Transformamos a Amazônia em uma grande bet. Quem está lá votando nessa política faz uma grande aposta, acreditando que vai se beneficiar de alguma forma. A verdade é que as bets beneficiam poucos, enquanto a sociedade é quem arca com o prejuízo da devastação.
Perguntei a Claudio Angelo sobre esse contexto político. E ele me disse: “a Amazonia não tem projeto”. O único governo que teve um projeto para a Amazonia foram os militares, e deu no que deu. Mas havia um projeto. Hoje nem isso tem.
Talvez essa seja a primeira pista de como reverter o quadro. A Amazonia precisa de um projeto. Mas ao longo dos últimos anos vi alguns sendo construídos e engavetados ou esquecidos nas mudanças de mandato.
É preciso um projeto de Estado, e não de governo, que inclua as três esferas administrativas e explore os desafios e oportunidades da região.
Pesquisadores do projeto Amazônia 2030 desenvolveram o estudo “As cinco Amazônias : bases para o desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal”, que classifica diferentes realidades dentro da região e que pode servir de base para qualquer plano de desenvolvimento sustentável e conservação a ser implementado ali.
Da mesma forma, é preciso fortalecer a capacidade de municípios de planejarem e pensarem seus territórios.
Os antigos romanos separavam políticas públicas para a urbis, as cidades, e a ruris, o mundo rural. Muitos municípios desenvolvem planos diretores para suas áreas urbanas, mas raramente pensam e planejam o desenvolvimento de sua área rural.
Experiências como o extinto Programa Municípios Verdes no Pará, Municípios Sustentáveis e os Pactos da PCI em Mato Grosso deveriam ser examinadas, melhor exploradas e ativadas em regiões prioritárias.
Finalmente, é urgente mostrar que prosperidade é possível através do uso racional da terra, promovendo uma agropecuária sustentável em regiões consolidades e uma economia floresta em áreas a serem conservadas.
Urge dar escala a projetos que possam de fato gerar renda e prosperidade a partir da floresta, seja com manejo florestal, silvicultura de espécies nativas, carbono, produtos não madeireiros e agroflorestas.
É preciso desfazer a ideia de que uma economia de baixo carbono é uma condenação à miséria.
Fernando Sampaio é engenheiro agrônomo, diretor de Sustentabilidade na Abiec e cofacilitador da Coalizão Clima, Florestas e Agricultura.