Dias após o vendaval provocado pelo governo dos Estados Unidos nas lavouras de todo o Brasil, com a manutenção de tarifas de 50% para importantes produtos nacionais como café, açúcar e carne bovina, os efeitos do tarifaço – e a postura do governo brasileiro – permearam as discussões do 24º Congresso Brasileiro do Agronegócio.

O evento foi promovido pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), entidade que representa o setor, nesta segunda-feira, dia 11 de agosto, em São Paulo.

Para o presidente da Abag, Caio Carvalho, por exemplo, o governo federal perdeu “janelas de negociação”, que as conversas deveriam ter começado mais cedo e que, devido a esse atraso, o país agora está exposto a um “processo negocial muito mais complexo”.

“O agro tem janelas: tem a janela do momento do preparo do solo, do plantio… quando eu perco determinadas janelas, literalmente eu vou ter problema”, disse Carvalho em entrevista coletiva a jornalistas.

Mais cedo, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, participou da abertura do evento e já havia dito que considerava que o ritmo das negociações estava mais lento do que deveria ser.

“Se eu fosse presidente, a primeira coisa que eu teria feito assim que os Estados Unidos tivessem anunciado que iriam aumentar as tarifas era pegar o avião e ir diretamente para lá para que isso nem tivesse entrado em vigor”, disse o chefe do Executivo mineiro a jornalistas logo após sua participação no evento.

Carvalho, da Abag, mais tarde, disse que o discurso de Zema é semelhante ao da entidade – sem, no entanto, utilizar as mesmas palavras do governador mineiro.

“A diplomacia brasileira precisa buscar novos elementos e novas formas de negociar, pois o mundo ficou completamente diferente”, complementou o vice-presidente da Abag, Ingo Plöger.

Plöger também disse que se o País não negociar, poderá ficar sujeito à agenda de um eventual “oponente”.

O embaixador Roberto Azevêdo, que fez uma breve palestra durante o evento, também direcionou sua linha de pensamento para a estratégia geopolítica, com ideias semelhantes às de Plöger.

Com a experiência de quem já foi o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), que comandou entre 2013 a 2020, Azevêdo alertou para o avanço do protecionismo nas relações comerciais entre os países sob diferentes formas e faces.

“Ele frequentemente aparece disfarçado de regulações ambientais, trabalhistas, talvez legítimas, mas que disfarçam esse protecionismo”, disse.

Em referência a um termo muito utilizado na pandemia do coronavírus, Azevêdo afirmou também que o mundo vive um “novo normal” e que o Brasil precisa adaptar sua política externa a esse novo momento.

“A imprevisibilidade é garantida. Tudo pode mudar a qualquer momento. E essa volatilidade exige que o Brasil tenha uma postura proativa buscando alianças estratégicas para diminuir o risco e garantir estabilidade, em particular do agro”, disse o embaixador.

Nesse sentido, Azevêdo considerou que o setor privado brasileiro – e também no mundo inteiro como um todo – precisa assumir um papel mais proativo.

“No passado, o setor privado levava as suas preocupações, os seus anseios para o governo, então usava essas informações para negociar, para estabelecer relações, para firmar acordos. Esse canal não vai funcionar sempre”, disse.

“[A partir de agora], o setor privado precisa ter formas diferentes de engajamento externo. Ele precisa buscar a expansão de regras de contato, de realizar iniciativas como seminários, rodadas de negócios.”

Caio Carvalho, da Abag, foi na mesma linha de pensamento: “Quando você tem diplomatas de países diferentes, que têm dificuldades de entender a realidade um do outro, é uma diplomacia muito difícil. Quando você tem o setor privado desses países se conhecendo e cada qual assessorando o seu diplomata, certamente nós vamos ter negociações mais efetivas”, disse.

Chamados por Azevêdo a botar seu time em campo, representantes de grandes empresas aproveitaram para também trazer o seu ponto de vista em um painel durante o evento.

Para Alfredo Miguel Neto, diretor de assuntos corporativos, comunicações e cidadania da John Deere para a América Latina, que participou do debate com outros líderes de empresas, o Brasil tem de sentar à mesa com a “verdade dos fatos” e discutir uma solução.

“Devemos sentar à mesa, com as cartas abertas, e discutir, por exemplo, a nossa situação no BRICS, a relação com o Irã. Temos que discutir a comunidade europeia e a relação com o Mercosul, a nossa aproximação com o Canadá, a nossa importação da Rússia.”

“A gente se tornou um pouquinho refém do nosso sucesso”, avaliou Márcio Santos, presidente da Bayer Brasil, que participou do mesmo painel que Alfredo Miguel.

“Quem compra da gente tem um pouco de medo, quem está do nosso lado também tem um pouco de medo. Acredito que a gente tem a oportunidade agora de abrir o caminho do meio e de dizer: ‘Olha, a gente está fazendo isso aqui de maneira sustentável, somos um parceiro confiável’”, afirmou Santos.

Gilberto Tomazoni, CEO global da JBS, que estava no mesmo painel de Santos e Miguel, evitou comentar diretamente sobre o tarifaço, mas disse que é necessário defender formas que o setor produtivo brasileiro identificou para comprovar que sua produção é sustentável.

“Vejo que o futuro da energia, o futuro da alimentação, seja lá como a gente queira chamar, segurança energética ou segurança alimentar, tem sotaque brasileiro”, disse Tomazoni.

Para exemplificar a questão, ele cita o cálculo das emissões de carbono pela pecuária. “O cálculo está errado, simplesmente só contempla as emissões, ele não contempla as capturas”, disse Tomazoni.

O CEO global da JBS argumentou que o gado, ao consumir fibras e grãos que passaram pelo processo de fotossíntese, contribui para o sequestro de carbono no solo e nas raízes das plantas, antes de transformá-los em proteínas – mesmo que emita metano, um dos gases mais poluentes que existem.

“Vamos fazer a conta, trazer a valor presente de toda a poluição, vamos fazer a conta de quanto ele capturou, e vamos ver que os dejetos dele não é contaminação do solo, e, ao contrário, ajudam a melhorar a macrobiótica do solo, tornar o solo mais saudável, reduz a importação de fertilizantes”

Tomazoni defendeu o fortalecimento das entidades representativas do agronegócio, capazes de reunir produtores grandes, médios e pequenos, e de atuar junto aos governos para ajustar normas e taxonomias, hoje baseadas na agricultura de clima temperado, à realidade tropical. “A COP, para mim, é o momento de nós levarmos isso”, disse.

E como o tarifaço afetou as empresas?

Duas empresas que participaram do painel têm operações diretamente ligadas ao mercado americano: a JBS envia carne bovina para os Estados Unidos – e também tem uma forte produção local no país – e a John Deere envia e traz máquinas agrícolas para o País.

Tomazoni, da JBS, disse que a companhia da família Batista, que tem uma grande operação nos Estados Unidos, se beneficiou da diversificação de seu portfólio diante de dificuldades enfrentadas pela carne bovina no mercado americano e da situação trazida pelo tarifaço.

“Nós estamos vivendo nos Estados Unidos um desafio no negócio de bovinos. O rebanho do governo americano está muito baixo, os negócios estão muito difíceis. No entanto, na Austrália e aqui no Brasil, os negócios de bovinos estão em outro momento do ciclo”, avaliou Tomazoni.

“Mas mesmo nos Estados Unidos, onde nós temos um negócio de bovino difícil, frango vai bem e suínos também vai bem.”

A estratégia de diversificação da companhia, segundo Tomazoni, foi construída pensando exatamente no ciclo das commodities e também eventuais alterações sanitárias e de geopolítica. “E quando eu vejo isso que está acontecendo, eu vejo que nós temos que reforçar ainda mais essa plataforma. Nós temos que crescer mais, diversificar mais.”

Já Alfredo Miguel, da John Deere, foi mais incisivo e direto em sua fala: disse que a companhia terá de “repensar” como vai se “reorganizar” diante da situação atual.

Miguel lembrou que será preciso reorganizar a cadeia como um todo, uma vez que alguns fornecedores brasileiros abastecem a operação da empresa no Brasil, mas também vendem para empresas dos Estados Unidos. E, como a cadeia de suprimentos é compartilhada, a dinâmica de diferentes mercados pode ser afetada.

“E como a empresa é global e está em 70 países, nós vamos ter que repensar de onde vamos tirar esse fornecimento e para onde nós vamos vender, dentro dessa política”, emendou.

Resumo

  • Lideranças do agro criticaram no 24º Congresso Brasileiro do Agronegócio demora do governo brasileiro em reagir ao tarifaço dos EUA
  • Eles defenderam a necessidade de o País ter uma diplomacia mais ágil e proativa, com maior engajamento do setor privado nas negociações internacionais
  • Executivos de grandes empresas destacaram a necessidade de reposicionar o Brasil como parceiro confiável e sustentável