O Brasil deve encerrar 2025 com uma marca inédita: torna-se o maior produtor de carne bovina do mundo, segundo levantamento do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), divulgado em dezembro.
O País deve fechar o ano com 12,3 milhões de toneladas de carne produzidas, superando pela primeira vez os Estados Unidos, que devem encerrar 2025 tendo produzindo 11,8 milhões de toneladas.
Esse cenário vem após um ano marcado por resultados positivos para a atividade pecuária, com forte incremento em produtividade, avalia Maurício Palma Nogueira, diretor da consultoria Athenagro, coordenador do Rally da Pecuária e colunista do AgFeed.
“2025 é um ano que consolida uma aceleração do aporte tecnológico na pecuária. A gente está terminando o ano com recorde de exportação, recorde de produção. O rebanho provavelmente cai esse ano, mas talvez não seja nada comprometedor”, diz Nogueira.
“A tendência para 2026 é de continuarmos nessa pecuária mais dinâmica, que a gente não estava acostumado há muito tempo. Entre todos os setores do agro, a pecuária é uma das que está indo bem, sendo que quase tudo não está indo tão bem”, emenda Nogueira.
De fato, a pecuária de corte deve viver, no próximo ano, uma mudança de ciclo, com possibilidade de queda de produção após um período de intenso abate de fêmeas, mas demanda ainda forte nos mercados externo e doméstico.
Os preços da arroba, por sua vez, devem subir novamente após pressões baixistas ao longo do ano – a dúvida é somente sobre a intensidade dessa alta.
“O cenário para 2026 é de redução de oferta de boiadas após quatro anos intensos de abate de fêmea, de uma exportação que deve seguir aquecídissima e, no mercado doméstico, cenário muito benéfico para o consumo de proteínas e de alimentos em geral, que pode dar sustentação à arroba do boi em um momento de menor oferta de gado”, resume Felipe Fabbri, analista da Scot Consultoria.
O momento atual é fruto de um volume intenso de abates que já vem de alguns anos. No terceiro trimestre deste ano, segundo os dados mais recentes divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), haviam sido abatidas 11,2 milhões de cabeças de gado no Brasil, alta de 7% na comparação com o mesmo período do ano passado. “E a tendência é que devemos superar as 40 milhões de cabeças abatidas”, diz Fabbri, da Scot.
A oferta abundante fez pressão baixista nos preços da arroba ao longo de 2025. Em janeiro deste ano, estavam cotados a R$ 324. Já em maio, chegaram a R$ 308 e, em julho, bateram uma mínima de R$ 299, em meio a um momento de tarifaço dos Estados Unidos e gripe aviária no Brasil.
Desde então, tem seguido trajetória de alta novamente, variando entre R$ 300 e R$ 320 a arroba. “Quando a gente pega o tamanho da oferta, poderia ter sido uma queda bem maior”, avalia Fabbri.
A forte demanda, especialmente do lado externo, foi o vetor que acabou segurando os preços, avalia o analista. “A exportação foi o grande carro-chefe para a sustentação de preços em meio a um mercado ofertado de carne e de boiada”, diz.
No acumulado entre janeiro e novembro, as exportações de carne bovina do Brasil cresceram 37%, atingindo US$ 16,5 bilhões, com tendência crescente ao longo de todo o ano. Os dados são da Associação Brasileira dos Frigoríficos (Abrafrigo).
O principal destino continuou sendo a China, que importou US$ 8,029 bilhões em produtos no acumulado do ano, volume correspondente a uma alta de 48%, totalizando 1,4 bilhão de toneladas consumidas.
Apesar do tarifaço contra produtos importados de outros países promovido pelo governo americano, os Estados Unidos continuaram sendo o segundo principal destino em volume de exportações.
No acumulado até novembro, houve alta de 26,65% no volume exportado frente ao mesmo período do ano anterior, totalizando US$ 1,889 bilhão.
Ainda assim, os números deixam evidente que as remessas foram impactadas negativamente pelo tarifaço. Em novembro, por exemplo, as exportações de carne bovina in natura para os Estados Unidos recuaram 58,6% em relação ao mesmo mês do ano anterior, contabilizando US$ 62 milhões.
A tendência, de acordo com a Abrafrigo, é de que a partir de dezembro de 2025, as exportações voltem a crescer com a retirada das tarifas adicionais à carne por parte dos Estados Unidos.
Fabbri, da Scot, lembra que um fator que contribuiu para que as exportações brasileiras se mantivessem em alta neste ano, mesmo com as adversidades de mercado, foi a alta dos preços da carne bovina em outros países.
“Países como Estados Unidos, Austrália e a própria China têm hoje uma referência de arroba em dólares mais elevada em função de um movimento de ciclo diferente do Brasil, aumentando a demanda por carne bovina mais acessível no mercado internacional”, explica.
“Em volume a gente vai continuar embarcando carne, porque o mundo todo está num cenário de restrição e o Brasil está aumentando a oferta e é o país que pode ofertar mais rapidamente”, avalia Maurício Palma Nogueira, da Athenagro. “O Brasil deve continuar exportando cada vez mais, porque o mercado está muito favorável para a gente.”
Nos Estados Unidos, por exemplo, o preço da carne bovina chegou a atingir US$ 11,87 a libra em agosto – cerca de R$ 150 o quilo. A carne moída, utilizada pelos americanos para hambúrguer, atingiu US$ 6,33 – US$ 75 o quilo.
Se os americanos pagaram caro pela carne, os brasileiros viram os preços se estabilizarem ao longo do ano no varejo, avalia Fabbri, da Scot. “A gente viu um comportamento bem nítido de estabilidade, com preços até de lado para os cortes de carne no varejo, considerando a Grande São Paulo como referência”, diz.
Na divulgação mais recente do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, de novembro, cortes como picanha e contrafilé apresentaram quedas acumuladas no ano de 0,63% e 1,07%, respectivamente.
“Houve alguns momentos mais ofertados ocorrendo pressão de baixa e até promoções para dar mais giro ao estoque, mas de modo geral nós tivemos um preço médio que se manteve estável ao final do ano passado”, complementa.
No ano que vem, a expectativa de várias casas do mercado é de queda na produção de carne. A Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) espera retração de 4,5% na produção de carne bovina em 2026. O banco Rabobank projeta que a queda gire entre 5% a 6% em 2026.
Maurício Palma Nogueira, da Athenagro, tem outra percepção para 2026. “A gente está acreditando mais em estabilidade na produção, talvez até um aumento leve. Se cai, deve cair pouco, não uma queda de 9% na produção para o ano que vem como vi alguns projetando”, estima.
Em termos de preço, Fabbri, da Scot, acredita que a arroba poderá chegar a superar a casa de R$ 350 a R$ 360 na metade final do ano. “No segundo semestre, quando a oferta principalmente de fêmeas é relativamente menor, pode acabar favorecendo aumentos de preço acima da máxima que vimos em 2024, de R$ 350 a R$ 360 para São Paulo”, diz.
Maurício Palma Nogueira, da Athenagro, também trabalha com a possibilidade de elevação nos preços, mas inferior do que em outros momentos. “Deve ser bem longe do que aconteceu em outros anos. Nós estamos trabalhando aqui com aumento entre 10% a 14% no preço médio do ano que vem em relação à média desse ano”, diz. “Nosso cenário é conservador em termos de preço.”
Nogueira também avalia que o ciclo de preços já virou desde agosto de 2024, quando as cotações passaram a subir.
Os analistas divergem quanto à demanda do mercado interno. Na visão de Fabbri, da Scot, medidas macroeconômicas, como a redução de tributação de Imposto de Renda para quem recebe salários de até R$ 5 mil deve contribuir para o consumo e eventuais medidas de injeção de recursos na economia em função das eleições presidenciais devem sustentar o consumo ao longo do ano.
“Eleição, associada ao 13º salário, festividades e empregos temporários no último trimestre de 2026 é um fator que no nosso ponto de vista também é muito favorável pensando em precificação da arroba do boi e no consumo de carne bovina”, diz o analista.
Já Maurício Palma Nogueira avalia que o Brasil passa por problemas no orçamento familiar, que afetam a demanda. “Não estamos vivendo um momento bom para a economia. Não tem ‘pleno emprego’ coisa nenhuma. Isso restringe o consumo”, diz.
“Para 2026, dificilmeente a gente vai conseguir manter o consumo per capita de carne bovina. Então, vai ter uma migração de parte do consumo para frango, para suíno, para outras proteínas, que vão estar muito mais acessíveis.”
Nas previsões para o mercado externo, há mais concordância. Fabbri acredita que a realização da Copa do Mundo na América do Norte – o evento organizado pela Fifa será sediado nos Estados Unidos e no México ao mesmo tempo – deve contribuir para um aumento na demanda por consumo de carne bovina.
“É um evento que acaba puxando, no nosso ponto de vista, a demanda por carne bovina e pode levar a um fluxo comercial mais intenso de exportação para os países nesse primeiro semestre”, diz o analista.
Para Maurício Palma Nogueira, da Athenagro, o cenário externo deve continuar positivo.
“A gente entra o ano abrindo de novo o mercado dos Estados Unidos, provavelmente deve voltar a exportar bastante para lá ou aumentar o que a gente está exportando nos últimos meses. E mercados que ameaçavam alguma pressão, como é o caso da China, talvez aliviem um pouco essa pressão para não competir, não elevar o preço da carne bovina brasileira” ,afirma.
No Rabobank, a leitura é de que 2026 será um ano de ajuste. “O Brasil segue como protagonista global, mas precisará reforçar sua resiliência para manter a competitividade em um ambiente cada vez mais complexa”, analisa o banco em relatório divulgado recentemente.
A menor oferta de bezerros deve sustentar preços mais elevados do boi gordo, principalmente a partir do segundo trimestre de 2026, fenômeno que poderá se estender até 2028.
“Os preços do boi gordo vêm se valorizando desde o segundo semestre de 2025. Em outubro, a arroba ultrapassou R$ 330 nos contratos futuros para fevereiro de 2026, sinalizando uma expectativa de alta de até 10% frente ao mercado físico”, diz o banco.
Com isso, a recuperação no consumo de carne do mercado doméstico, vista desde 2023, deve perder força ao longo do próximo ano, segundo o Rabobank.
“Projetamos queda de 8 a 9% no consumo per capita de carne bovina, que deve cair para próximo de 30 kg por habitante por ano”, estima o banco.
Copa da carne
Em contrapartida, o banco avalia, assim como a Scot Consultoria, que os preços poderão se sustentar temporariamente amparados na realização da Copa do Mundo e da eleição presidencial.
No lado das exportações, o banco projeta que a quantidade de remessas continue crescente no ano que vem, chegando a 4,4 milhões de toneladas equivalente carcaça (TEC) enviadas para fora do Brasil.
Apesar do desempenho positivo, o Rabobank alerta para a forte dependência das exportações de carne bovina para China e Estados Unidos.
“Juntos, esses países respondem por mais de 59% da receita gerada pelas exportações brasileiras de carne bovina. Qualquer mudança nas políticas comerciais ou sanitárias pode impactar fortemente o setor”, avalia o banco.
“A disputa comercial entre EUA e China, que pode se intensificar após as eleições americanas, também é um fator de atenção. A possibilidade de uma nova rodada de tarifas ou restrições pode afetar diretamente os embarques brasileiros, exigindo maior cautela dos exportadores”, emenda o Rabobank.
O banco atenta ainda para a EUDR, a lei antidesmatamento da União Europeia, que teve sua entrada em vigor adiada para o fim de 2026.
“Indefinições ligadas a questões operacionais técnicas e econômicas, podem criar mais oportunidades para mais pecuaristas se adequarem às exigências, principalmente os pequenos e médios. Mas também abre oportunidades para mercados como Japão – que podem habilitar a carne bovina brasileira já no curto prazo – concorrer o acesso a um volume que tem sido direcionado até então ao mercado europeu”, diz o banco.
Um ponto de alerta na virada de 2025 para 2026 é a China. Há a possibilidade de o país antecipar a decisão de aplicar salvaguardas sobre carne bovina importada de vários países, incluindo o Brasil.
A investigação está prevista para durar até o próximo dia 26 de dezembro, mas poderá ser aplicada já no próximo dia 29 de dezembro, segundo informações divulgadas pelo site Globo Rural.
A investigação, que começou no fim de 2024, reside sobre os impactos da importação de carne bovina no mercado chinês e pode levar à diminuição de remessas de produto para o país ou ainda a aplicação de tarifas sobre a carne que é enviada.
Resumo
- Depois de um 2025 de produção recorde, com o Brasil assumindo a liderança global na carne bovina, setor inicia 2026 com possível queda de oferta após anos de forte descarte de fêmeas
- Demanda externa segue como principal sustentação do mercado, com exportações em alta puxadas sobretudo pela China e pelos Estados Unidos
- Para 2026, analistas projetam arroba mais valorizada, com consumo interno e externo ainda aquecidos, apesar de riscos ligados à China e a possíveis mudanças no comércio internacional