Consumidores e shoppers são figuras bem conhecidas no mundo do varejo. Em definição apresentada pelo Sebrae, consumidor é quem consome um determinado produto, enquanto o shopper corresponde ao papel de quem compra o mesmo produto, sem necessariamente consumi-lo. O shopper é quem avalia durante o ato da compra onde, como e o que quer comprar.

Num exemplo prático do nosso setor, um comprador de cooperativa agrícola pode atuar como shopper num processo de compra de insumos, que terá como consumidores os produtores rurais cooperados ou com vínculo a mesma organização.

Exemplificar o conceito com a compra de insumos é ainda mais interessante dada a relevância de transações comerciais desse segmento.

De acordo com a 9ª Pesquisa Nacional da Distribuição, realizada pela Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav), o mercado de distribuição de insumos agropecuários alcançou um faturamento de R$ 151 bilhões em 2023, com a área de insumos respondendo por R$ 94,8 bilhões e a comercialização de grãos, por R$ 33,3 bilhões.

De fato, esse é um terreno de cifras expressivas, onde a tecnologia e as inovações podem ampliar ainda mais o nível de interação entre os seus agentes, seja com a inclusão de novos recursos ou de diferentes formatos, entre eles os marketplaces.

Olho na oferta, dedo no app!

Mas, o que exatamente é um marketplace? De maneira simples, poderia ser definido como uma plataforma comercial online onde diferentes marcas e vendedores podem anunciar seus produtos e serviços, oferecendo aos clientes uma ampla variedade de opções em um único local.

É como um shopping virtual, onde a administradora do marketplace fornece toda a infraestrutura tecnológica e intermedia as conexões entre quem compra e vende, oferecendo facilidades e condições comerciais diferenciadas para os compradores e cobrando uma taxa ou percentual das vendas realizadas pelos fornecedores.

Entre os principais benefícios desse tipo de “balcão único de serviços” aos produtores rurais estão o acesso a uma maior variedade de produtos, a transparência de preços, a facilidade de compra e as condições de pagamento flexíveis.

Os produtores podem comparar e adquirir uma ampla gama de insumos agrícolas de diferentes fornecedores num único lugar, o que facilita a escolha de produtos para as suas diferentes demandas.

Além disso, a conveniência de realizar compras online sem a necessidade de deslocamento até uma agro revenda economiza tempo e recursos dos produtores.

No entanto, aqui vale uma ponderação de que, apesar de consumir em canais digitais, o público do agro ainda valoriza bastante a proximidade e interação presencial. Algo que favorece a estratégia que combina os ambientes físicos e digitais, naquilo que especialistas têm chamado de experiência de consumo Phygital.

É o que mostra um recorte da pesquisa “A mente do agricultor brasileiro 2024”, conduzida pela McKinsey com 757 produtores, onde 40% dos agricultores afirmam recorrer a meios digitais para a sua jornada de compra, enquanto 60% ainda preferem ir presencialmente às lojas ou realizar as compras por meio de voz.

Nas metrópoles, os marketplaces como Amazon, Mercado Livre e Magalu seguem ditando o ritmo das transações online. Já no mercado de insumos agropecuários, a porteira dos marketplaces está ganhando força no movimento puxado por plataformas como Agrofy, Orbia, Broto (Banco do Brasil) e E-Agro, esse último como marketplace do Bradesco que já tingiu a marca de mais de R$ 1 bilhão em crédito concedidos pela plataforma.

Nos Estado Unidos, o marketplace da Farmers Business Network (FBN) é um exemplo de como esse tipo de canal se tornou estratégico para fornecedores da cadeia agropecuária, atuando na comercialização de insumos, produtos financeiros e dados.

Além dos US$ 870 milhões já recebidos em investimento, a musculatura da FBN ficou evidente com a recente parceria estabelecida com a trading ADM para a formação de joint venture para conectar produtores que atuam com agricultura regenerativa a potenciais compradores de grãos de origem sustentável.

Meu robô, minhas regras

No “Relatório de Investimento em AgriFoodTech na América Latina 2023”, publicado pelo Agfunder e que aponta as principais tendências em tecnologias do setor, as fintechs e os marketplaces do agronegócio aparecem como a maior categoria no segmento upstream, tendo recebido US$ 191 milhões em investimento.

Se depender dos investidores, os marketplaces ainda seguirão na vitrine de tendências e poderão ser fortalecidos com outras tecnologias emergentes, como a Inteligência Artificial (AI) e a tão comentada Inteligência Artificial Generativa (GenAI).

Com o uso da AI e da GenAI, a negociação em marketplaces muda de nível, numa situação que segue as mesmas regras comerciais estabelecidas para o negócio, mas que usa personalização baseada em dados e algoritmos treinados para identificar a melhor oferta para determinado comprador num tempo de resposta quase que imediato.

À primeira vista isso pode até parecer complicado para um público “não tech”, mas o trabalho dos agentes virtuais baseados em GenAI já começou a ganhar espaço no agro nas interações de vendas via Chatbots e WhatsApp, como já vem sendo praticado pela Grão Direto, marketplace que conecta compradores e vendedores de grãos.

Fundada em Uberaba (MG), essa agtech atende a agricultores e compradores de grãos, incluindo fábricas de ração, cooperativas, tradings, armazéns, corretores, confinadores de gado e granjas.

É dela também a inteligência artificial AIrton, que utiliza dados do mercado e do comportamento de usuários da plataforma da Grão Direto para calcular a probabilidade de negócios, analisar contratos e identificar as melhores oportunidades de vendas do dia.

Como toda tendência de mercado, ainda há quem veja o movimento dos marketplaces com desconfiança. Porém, pelo que se nota, a tecnologia que está nas entrelinhas dessas plataformas certamente avançará para as linhas de código e programação das máquinas, em novas e mais avançadas formas de interação e conversão de transações digitais.

É a mão invisível do mercado operando pelo clique dos shoppers, com a inteligência adicional de robôs. Parece que aquele aperto de mão que selava um novo negócio na frente do balcão está evoluindo agora para um caminho, sem volta, onde o aceite das novas ofertas acontecerá num ambiente multicanal e “multitela” digital.

Ricardo Campo é coordenador de inovação digital da Raízen e do Pulse Hub. É professor da faculdade CNA, com MBA em Marketing pela FGV e mestrado em Administração e Agronegócios pela ESALQ-USP.