Ailton Krenak, expressivo líder indígena e defensor ambiental que se tornou Imortal ao ocupar uma das cadeiras da Academia Brasileira de Letras, expõe em seu livro Futuro Ancestral o fato de sempre olhamos o futuro como algo distante e que está para acontecer, mas que na realidade acaba por se manifestar com o retorno de coisas e comportamentos que já eram do passado e, que de forma cíclica, nos fazem voltar às nossas raízes.
O seu argumento se baseia nas metamorfoses vitais do planeta e na reverência aos rios e nos ciclos de renovação de comunidades ribeirinhas que vivem próximas de caminhos e leitos ancestrais que sempre estiveram ao seu redor.
Krenak também reforça a importância do diálogo entre os povos originários e os habitantes das cidades para a resolução de questões iminentes que podem impactar diretamente a existência de todas as nações. Pois é justamente nas metrópoles que estamos começando a enxergar sinais de que o futuro está repetindo o passado.
Na contramão do aumento crescente do uso de inteligência artificial nos smartphones e em outros dispositivos, os Millennials e indivíduos da geração Z estão optando por produtos analógicos como relógios desconectados e Dumbphones - do inglês, “telefones burros” -, para se afastarem das redes sociais e conseguirem um detox digital.
No caso da alimentação, há uma grande mobilização de consumidores em busca de alimentos e dietas alternativas que favoreçam o retorno da boa e velha comida raiz, natural, com produção usando elementos básicos que nunca deixaram de existir.
Produtos livres de conservantes, menos processados e de origem orgânica. Criação de animais em ambientes livres, com práticas que favoreçam o bem-estar e que permitam reproduzir seus comportamentos espontâneos. Tendências do futuro ou retorno às boas práticas do passado? Devore como quiser.
Futurismo e a nova bola de cristal
O Design de Futuros é uma das práticas que está ganhado cada vez mais adeptos no mundo corporativo e nos círculos de inovação. Com metodologia que se propõe a antecipar cenários e estabelecer estratégias de negócio, propõe o exercício da construção de futuros unindo tecnologias emergentes, aspectos econômicos e comportamentais da sociedade.
Certamente não é uma tarefa simples, no entanto o futurismo também se aplica ao ambiente da agropecuária e à cadeia produtiva de alimentos. Consultorias especializadas e organizações setoriais são canais interessantes para garimpar tendências de consumo e informações sobre o que está para surgir no mainstream do segmento.
Porém, não dá para esquecer da boa e velha receita de circular no ecossistema de inovação para capturar o que ainda não aparece nas listas de mercado. Ou seja, beber da fonte e ficar atento aos movimentos de consumidores, corporações, investidores de risco, pesquisadores e startups.
Esta mistura costuma render um bom caldo para quem quer antever as tecnologias e inovações em agrifoodtech.
E como uma prova do que está por vir, já dá para sentir o cheiro de novidades como a biotecnologia para modificação de plantas e microrganismos, a fermentação de precisão para criação de ingredientes e produtos substitutos, o cultivo celular de gordura e proteína em laboratório, a impressão 3D de alimentos e a utilização de insetos para geração de substratos nutritivos.
A tese sustentada é de que estas novas formas de geração de alimento reduzem o impacto ambiental decorrente da produção convencional usando menos terra, água e insumos. E vale lembrar que, em grande parte do modelo de agronegócio brasileiro, exportamos recursos naturais na forma de commodities (e os compradores agradecem).
Com tantas opções e novas rotas tecnológicas promissoras, a máxima “você é o que você come” está avançando para uma versão onde “você será o que você escolher comer”. Ou como diria Marion Nestle, a célebre nutricionista-ativista e autora do livro Food Politics: “as escolhas alimentares dizem respeito ao seu futuro e ao dos seus filhos. Tratam nada menos do que a democracia em ação”.
No entanto, há uma ironia que acompanha a atual relação de produção e acesso aos alimentos no âmbito global que não se mostra nenhum um pouco democrática. Isso porque a falta de acesso econômico a dietas saudáveis ainda é uma questão crítica e que afeta mais de um terço da população mundial, como aponta o relatório “O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo (SOFI)” publicado por cinco agências especializadas das Nações Unidas.
Com dados sobre insegurança alimentar e estatísticas sobre a fome e os preços de alimentos, a publicação revela que cerca de 733 milhões de pessoas passaram fome em 2023. Ao mesmo tempo, destaca as projeções de que, até 2030, o mundo terá mais de 1,2 bilhão de adultos obesos.
Com essa verdade indigesta parece que a pergunta que vai equilibrar a balança do futuro não será sobre o que vamos comer, mas sim sobre quem poderá comer.
É para servir ou para levar?
O debate até aqui serviu para abrir o apetite e já temos ingredientes suficientes para o prato principal: a comida do amanhã que já está sendo servida no presente. E para facilitar a resenha do cardápio, nada melhor do que sintetizar num “menu degustação” aquilo que já está saindo do forno de investidores e empreendedores do setor.
A ideia é apresentar a seguir algumas porções de futuro, em doses não exaustivas, reunindo informações de organizações e estudos que, literalmente, me pegaram pelo estômago: Agfunder, BID Invest, Good Food Institute (GFI), Fast Company, F&A Next, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Thrive SVG Ventures e o livro “Our Future Proteins” publicado pela Wageningen University & Research (WUR).
Faça a sua escolha e bom apetite!
Alimentos plant-based
Alimentos e proteínas plant-based são produzidos a partir de alta tecnologia e processamento industrial de plantas e vegetais para simular características de cor, sabor, textura e aparência dos produtos de origem animal.
Quem já está nesse menu: A Tal da Castanha, Beyond Meat, Imposible Foods, Just Egg, Fazenda Futuro, NotCo, Seamore e The Live Green Co.
Dica do chef: vale ficar atento ao movimento da Citrosuco com sua spin-off Evera, que foca em ingredientes base laranja para o mercado plant-based. Entre eles o FiberFeel, um purê de fibras de laranja que é utilizado para conferir textura em hambúrgueres, ketchup, maionese, entre outros.
Opinião dos críticos: apesar de ser uma alternativa para dietas que evitam produtos de origem animal, ainda há uma forte percepção dos consumidores de que estes produtos são altamente processados.
Alimentos Insect-based
Uso de insetos e ingredientes derivados para alimentação humana e em sistemas produtivos para nutrição animal. São larvas, grilos, gafanhotos, formigas e outros insetos de alto valor proteico criados em biofábricas para consumo in natura ou em produtos processados como farinhas, barrinhas, doces e biscoitos.
Quem já está nesse menu: Chirps, Hakkuna, Innovafeed, Jimini’s, Protix e Ÿnsect.
Dica do chef: documentário “The Gateway Bug”, que aborda os tabus culturais e apresenta a opinião de chefs e líderes da indústria alimentícia sobre cenários da criação de insetos para o combate à insegurança alimentar.
Opinião dos críticos: apesar da entomofagia estar presente em diversas culturas ao redor do mundo, o preconceito e a aversão ao consumo de insetos ainda é uma barreira para a consolidação e regulamentação deste setor.
Carne cultivada
Envolve o processo de extração de células específicas de um animal original que, depois de alimentadas com substratos específicos, crescem e se reproduzem em biorreatores de ambiente fabril controlado.
Quem já está nesse menu: Aleph Farms, Believer Meats, Cellva, Eat Just, Good Meat, Meatable, Upside Foods.
Dica do chef: o Brasil está no mapa da carne celular com a biotech Cellva, fundada por ex-diretor global de inovação da BRF, que já conseguiu ser selecionada para o programa Scale-Up Endeavor e nomeada como uma das Top 100 Global Innovators pela Thrive SVG Ventures.
Opinião dos críticos: um dos grandes desafios e que gera muito ceticismo no sistema com cultura de células é a produção em escala industrial e a grande necessidade de capital para os ativos produtivos.
Fermentação de precisão
Processo que utiliza hospedeiros microbianos na fabricação de células para produzir proteína ou ingredientes funcionais específicos como enzimas, aromatizantes, vitaminas, pigmentos naturais e gorduras. Os agentes de fermentação são microrganismos amplamente presentes na natureza como bactérias, fungos e algas.
Quem já está nesse menu: Amai Proteins, Better Juice, Bonumose, ImaginDairy, ReMilk, MeatoLogic, Onego Bio e The Every Company.
Dica do chef: a fermentação de precisão é uma tese expressiva do portfólio do “The Kitchen Hub”, iniciativa do conglomerado israelense de alimentos e bebidas Strauss-Group, que encuba e acelera biotechs e foodtechs.
Opinião dos críticos: apesar das etapas de produção serem geralmente bem conhecidas e controladas, este processo demanda alto monitoramento e atenção a protocolos de segurança para evitar perigos potenciais como o crescimento de microrganismos patogênicos, contaminantes químicos e alergênicos.
Ricardo Campo é coordenador de inovação digital da Raízen e do Pulse Hub. É professor da faculdade CNA, com MBA em Marketing pela FGV e mestrado em Administração e Agronegócios pela ESALQ-USP.