A chegada da primavera traz consigo mais que o colorido das flores, marca também o início de uma das atividades mais vitais para agricultura.
Em 3 de outubro, quando celebramos o Dia Nacional da Abelha, não podemos deixar de reconhecer o papel fundamental desses pequenos “engenheiros com asas” para a sustentabilidade da economia rural.
É durante a primavera que produtores rurais demandam por mais serviços de polinização que muitas vezes, em função da perda de habitat ou outros fatores, não estão disponíveis naturalmente.
Assim, o aluguel de colmeias se torna uma alternativa para o incremento da produção agrícola e da renda de apicultores e meliponicultores.
A polinização realizada pelas abelhas beneficia mais de 70% dos cultivos agrícolas, sendo essencial para culturas de alto valor econômico.
Em 2023, a polinização animal contribuiu com parcelas entre 5% a 25% do valor da produção agrícola e extrativista brasileira, de acordo com cada produto, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Entre as culturas que praticam essa parceria natural com as abelhas estão a soja, o girassol, o café, a maçã a laranja e outras frutas que miram o mercado da exportação e são reconhecidamente referência de qualidade brasileira, como o melão, a manga, o cacau e o açaí.
A atividade das abelhas contribui com o aumento da disponibilidade de frutos e sementes para a manutenção de ecossistemas nativos e áreas de produção rural.
Um exemplo deste benefício aparece em estudo publicado pela A.B.E.L.H.A - Associação Brasileira de Estudo das Abelhas -, que afirma que a introdução de abelhas nas floradas de café arábica pode aumentar a produtividade de grãos em 16,5% e a qualidade sensorial em 2,4 pontos (o que representaria um aumento potencial de 13,15% no valor da saca).
No entanto, o aquecimento global e outros desafios relacionados ao uso intensivo de agroquímicos nas lavouras podem comprometer o serviço ecossistêmico de polinização das abelhas, afetando a produtividade de cultivos, o peso de frutos, a polpa e o número de sementes.
Um zum zum zum em expansão
De acordo com a Pesquisa da Pecuária Municipal 2024, realizada pelo IBGE, a produção nacional de mel cresceu 4,9% em 2024, totalizando 67,3 milhões de quilos, maior volume já registrado na série histórica. A Região Nordeste lidera a produção com 39,4% do total nacional, destacando-se estados como Piauí (12,8% da produção nacional), Ceará, Bahia e Maranhão. Curiosamente, o maior produtor individual é o Paraná, demonstrando a diversidade geográfica do setor.
A biodiversidade nacional ainda se reflete na variedade de méis produzidos por aqui: laranja, café, eucalipto, assa-peixe, bracatinga, marmeleiro, capixingui, cipó-uva e silvestre, cada um com características únicas de cor, sabor e aroma. Esta diversidade representa uma vantagem competitiva no mercado internacional que se desdobra para outros produtos apícolas como a própolis, pólen, geleia real e cera de abelha.
Em relação ao perfil dos produtores de mel, há uma característica relevante: a maior parte da produção nacional vem da agricultura familiar, envolvendo entre 200 mil e 300 mil apicultores em atividade. Para essas famílias, a apicultura representa uma importante fonte de renda, direta ou complementar.
Outra caracterização importante do setor é a diferença entre apicultura e meliponicultura. A primeira foca na criação de abelhas com ferrão, utilizando caixas padronizadas e focando na produção de mel, pólen e cera. Enquanto a meliponicultura trabalha com abelhas nativas brasileiras sem ferrão, das quais são conhecidas mais de 250 espécies no país.
Ameaças nas pastas, no campo e no céu
Apesar da beleza e multiplicidade do setor, há desafios significativos que ameaçam a sua existência. Especialista alertam quanto ao uso intensivo de agroquímicos nas lavouras e a redução no número de enxames, impactando tanto a população de abelhas quanto a produção apícola. Esta situação se agrava com as mudanças climáticas, que intensificam eventos extremos e aumenta o risco às colônias.
Infelizmente, as enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em 2024 deram uma amostra desses impactos. O mapeamento das perdas, elaborado pela Embrapa Meio Ambiente em parceria com outras instituições, registrou a perda de cerca de 21 mil colmeias no desastre climático.
No campo das exportações, o setor enfrenta outro revés. O "tarifaço" americano, anunciado em julho, deixou mais de 2 mil toneladas de mel brasileiro destinadas aos EUA paradas, com exportações ficando 50% abaixo do esperado, segundo a Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (ABEMEL). Considerando que cerca de 80% das vendas brasileiras para o exterior historicamente tinham os Estados Unidos como destino, o impacto na renda dos produtores familiares foi considerável.
No zunido da inovação
Iniciativas de organizações de suporte ao segmento aliado à inventividade das startups, permitem a promoção da sustentabilidade das populações de abelhas, conectando apicultores e meliponicultores a produtores rurais com demanda de polinização para culturas agrícolas.
Além da conexão e geração de negócios, o suporte do ecossistema de inovação para este segmento também se traduz pelo desenvolvimento de insumos para a nutrição das abelhas e em plataformas digitais para rastreabilidade e monitoramento da saúde das colmeias.
Isso sem falar nas deeptechs que utilizam o mel para criar soluções focadas na saúde humana e animal, assim como outras tecnologias emergentes, como os robôs-abelha, que começam a bater as asas numa tentativa de mitigar o crescente declínio de populações de polinizadores naturais.
Pelo visto, levar ferroada do bicho da inovação nesse setor não parece ser um problema. E que bom que iniciativas do mercado já conseguem provar o valor dessa interação com os agentes de inovação. Que tal conhecer a algumas?
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) tem investido em qualidade do setor e um dos exemplos desse apoio foi a realização, em 2024, do Prêmio CNA Brasil Artesanal de Mel. Durante as atividades de avaliação do prêmio, realizadas por um júri técnico, o HUB CNA analisou mais de 200 amostras de méis utilizando tecnologia da startup ProfilePrint, de Singapura, com o objetivo de desenvolver um algoritmo de avaliação de qualidade por meio da análise molecular do mel.
Outra agtech que faz parte do ecossistema do Hub CNA é a Beehub, startup que desenvolveu plataforma digital para otimizar a gestão da polinização de cultivares agrícolas, monitorar colmeias e promover a conexão de apicultores a produtores rurais.
Com atuação semelhante, a startup AgroBee também detém plataforma digital para conexão com produtores e aluguel de colmeias para polinização. Em parceria com a Nestlé, por meio do programa "Colmeia", levou abelhas para mais de 100 hectares de café em diferentes regiões, demonstrando como a polinização assistida pode ser um negócio sustentável.
O projeto BeeVolt da EDP apresenta abordagem inovadora, combinando geração de energia solar e criação de abelhas nativas num modelo agrivoltaico. Com 20 enxames instalados em usina solar de Roseira (SP) e meta de expandir para 100, o projeto demonstra como diferentes setores da economia podem colaborar para a preservação dos polinizadores.
A iniciativa é realizada em parceria com a startup Bee2Be, que integra a proteção das abelhas a estratégias de sustentabilidade empresarial. Atualmente a startup participa do programa global de aceleração da Shell, o Shell Startup Engine.
No campo da nutrição animal, a Védera desenvolveu o Melero, um suplemento alimentar específico para manter a vitalidade dos enxames na entressafra, quando o néctar natural fica escasso. Já a startup Beeotec descobriu moléculas inéditas a partir de insumos naturais e da própolis, resultando em patente global para aplicação em produtos para a saúde humana, animal e de cultivos.
Natureza robótica
A Biomimética envolve a compreensão de mecanismos e estruturas de materiais biológicos para uso no desenvolvimento de materiais sintéticos de alto desempenho. Seria algo como imitar a natureza na prática da indústria e na engenharia de novos produtos. Baseados nesse conceito, dois projetos de desenvolvimento de robôs-abelha têm chamado a atenção.
O primeiro vem da Universidade de Harvard e dos cientistas do Wyss Insititute (EUA), com os microrrobôs voadores autônomos, os RoboBees. O segundo vem do Massachusetts Institute of Technology (MIT), com robô-abelha capaz de voar, pairar e realizar manobras complexas batendo as asas até 400 vezes por segundo.
Embora ainda em estágio experimental e estimados para operação real em 20 a 30 anos, quando poderiam ser utilizados também em explorações espaciais, há previsão de aplicações mais imediatas em estufas urbanas, inspeção de infraestruturas e missões de resgate em ambientes perigosos.
Este avanço tecnológico inspirado na natureza pode, ainda, revolucionar a robótica de pequeno porte, aproximando máquinas das habilidades de insetos que evoluíram por milhões de anos para tarefas mais precisas e eficientes.
Por tudo o que está pairando no ar, parece que a combinação entre conhecimento tradicional dos apicultores aliada a novas tecnologias aponta para um caminho em que a produção de mel poderá ser mais resiliente e produtiva.
Apesar dessa visão otimista, não dá para desconsiderar a necessidade atual de diversificação de mercados, o planejamento de ações para mitigar os impactos do clima e a integração com sistemas agrícolas sustentáveis para manter a atividade numa caixa bem robusta.
Mas, este dilema não é exclusivo do setor do mel e expõe duas faces da mesma colmeia. De produzir de forma sustentável e inovar para sobreviver às mudanças de um futuro cada vez mais desafiador.