A cidade de Ribeirão Preto é conhecida como um dos principais polos do agronegócio no país. Reforçando essa vocação, na última semana também ganhou o status de capital global do Agri & Food ao receber a 35ª Conferência do Ifama (International Food and Agribusiness Management Association), promovida pela Harven Agribusiness School e pelo FB Group.
Pela primeira vez no Brasil, a conferência reuniu 600 pessoas de 43 países e debateu o futuro da produção mundial de alimentos, sustentabilidade e inovação. Contou com a participação de estudantes, de professores, pesquisadores, startups, profissionais e lideranças do agro no mundo todo, como a diretora-geral adjunta da FAO, Beth Bechdol, e o CEO da SLC Agrícola S.A, Aurélio Pavinato.
Inclusive, foi do executivo da mega corporate farm brasileira a afirmação de que, a sustentabilidade da atividade, passa pelo uso de tecnologias e prática da agricultura regenerativa e de que, na discussão sobre Food or Fuel, a produção integrada de biocombustíveis possibilita maior produtividade de alimentos pela perspectiva do animal feed – com a utilização de subprodutos para a nutrição animal, como o DDG derivado do etanol de milho e o farelo de soja proveniente da produção de biodiesel.
Eventos como este permitem uma conexão global da academia e mercado, mostram como a ciência cruza fronteiras, une nações e gera mobilização a partir do consenso do que é urgente e necessário para a sustentabilidade do agro global. Mas, também permite o avanço científico a partir da diversidade de ideias e novos insights que surgem do encontro de pessoas de diferentes gerações e que vivem realidades distintas.
Coloca na mesma sala professores e estudantes da África e da América Latina – que lidam com a agricultura de subsistência e promovem o empoderamento de comunidades agrícolas pelo ensino e pesquisa –, junto com cientistas europeus e bolsistas norte-americanos que já direcionam seus esforços para a criação de novos modelos teóricos científicos e de tecnologias agrícolas de fronteira.
Falando assim pode até parecer um encontro trivial de diferentes “visões de mundo”. No entanto, a realidade da situação é que de um lado estão aqueles que precisam plantar e comer para, então, conseguir gerar conhecimento e do outro lado estão aqueles que já conseguem teorizar, antes mesmo de produzir, sobre aquilo que vão cultivar e comer.
E aí que está a riqueza do Ifama que, independente de acordos comerciais e tarifaços enviesados, nos permite fazer uma volta ao mundo do Agri & Food nas diversas sessões e encontros promovidos em sua programação que contou, ainda, com uma festa junina para celebrar e integrar as delegações na cultura brasileira.
Foi uma maratona de teoria e casos práticos, com 130 apresentações em dois dias de simpósio acadêmico, competição de cases para estudantes e palestras com agentes de mercado e corporações globais em mais dois dias de fórum temático. Daquilo que eu consegui me “alimentar” durante o simpósio, destaco aqui alguns dos estudos e cases que me chamaram a atenção:
Argentina – Greenwashing em Startups
Estudo apresentado por Ana Inés Navarro, diretora do departamento de economia da Universidad Austral de Rosário na Argentina, que teve como base um levantamento junto a mais de 200 agtechs atuantes no país sobre o posicionamento de sustentabilidade e a prática do Greenwashing – “lavagem verde”, em português — que ocorre quando empresas promovem seus produtos como ambientalmente responsáveis sem cumprir os critérios reais de sustentabilidade.
Além de constatar uma discrepância entre as mensagens de sustentabilidade utilizadas no marketing e as práticas reais das agtechs, o estudo indica o risco das empresas comprometerem suas atividades a partir da identificação pelo público das falsas práticas e a geração de dano reputacional.
A pesquisa apresentou um indicador simples e interessante para medição do Greenwashing composto pelo Greentalk e o Greenwalk, onde estabelece um scoring a partir da subtração do que startups falam daquilo que efetivamente fazem em termos de práticas sustentáveis.
EUA - Adoção tecnológica e o ROI além dos números
Em case study elaborado por pesquisadores da UC Davis e das Universidades de Wisconsin-River Falls, Flórida, Georgia e Minnesota, a problemática enfatizava uma proposta de automatização e robotização de ordenha para fazenda de operação leiteira em fase de sucessão da sua gestão.
Além da adoção tecnológica, o case desafiava como tomar uma decisão de investimento analisando a escassez de mão de obra, a volatilidade dos preços do leite e a evolução das preferências dos consumidores por produtos lácteos sustentáveis.
Com boas provocações que iam além do exercício financista, trouxe para a discussão as possibilidades de retorno financeiro com o aumento da produtividade, ganhos em bem-estar e saúde animal e um ganho que não costuma ser planilhado, que é o da melhoria em qualidade de vida para os trabalhadores envolvidos na atividade pecuária em função da nova tecnologia aplicada.
Nigéria – Escalando Serviços Agrícolas Digitais
Apresentado por Edward Mabaya, professor e pesquisador da Universidade de Cornell, o estudo destacou características do dinâmico ambiente de inovação agtech nigeriano e mostrou como, num país em que a pirâmide etária é formada na sua maioria por jovens, com os recursos e incentivos certos a força criativa da juventude pode ser canalizada para a criação de soluções digitais para a agricultura de pequena escala.
No entanto, destacou também como ainda precisam lidar com o total “desinteresse” de líderes e governantes locais pela digitalização de cadeias agrícolas. Fato que impede a democratização de dados sobre ativos produtivos e níveis de estoques de alimentos e, assim, mantém o ciclo de poder e dominância em função do controle e assimetria de informações.
Brasil – Case da cachaça orgânica “Sô Zé”
Neste case apresentado pela professora Julia Tittoto, da Harven Agribusiness School, foi destacada a estratégia de desenvolvimento da cachaça Sô Zé, denominada como a primeira cachaça orgânica do mundo feita de resíduos da cana de açúcar.
Exemplo de economia circular e de valorização de produtos rurais, essa bebida é produzida pela Spinagro, que atua na produção de mudas pré brotadas de cana e enxergou uma possibilidade de agregação de valor aos toletes de cana que sobravam na produção e eram destinados para a alimentação de gado.
A apresentação do case contou ainda com a participação especial da Laura Vicentini, uma das fundadoras da Spinagro, que destacou como há um apetite internacional pelo “Brazilian taste” e por uma experiência de consumo de bebida exótica que evoca a alegria do povo brasileiro. A marca já tem consumidores nos EUA, Áustria, Alemanha, Itália, Espanha e Portugal.
Além de uma parceria com a ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), a cachaça sustentável possui certificações que reforçam o seu compromisso com a sustentabilidade como a Bonsucro, IBD (Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural), 2030Today e CAS+ (Contabilidade Ambiental Positiva do Solo).
Europa – TITAN Project EU – Tecnologia para Transparência e rastreabilidade
Apresentado por Verena Otter, professora associada da Wageningen Univeristy & Research, o projeto TITAN tem como base o desenvolvimento de soluções integradas de tecnologia para maior transparência nas áreas de segurança e autenticidade de alimentos, rastreabilidade, saúde e sustentabilidade, e melhor acesso a informações para o consumidor.
Iniciado em 2022 e com duração até 2026, o TITAN tem como objetivo desenvolver 15 soluções inovadoras dentro de sua temática, incluindo a exploração de métodos de detecção rápida baseados em DNA, Blockchain, inteligência artificial e IoT (Internet of Things).
O que mais chama a atenção nesse projeto é a capacidade de articulação para um consórcio que foi estabelecido com 27 parceiros de 14 países e que representam ao todo oito universidades, três institutos de pesquisa, treze pequenas e médias empresas e três organizações sem fins lucrativos. É um belo exemplo da mobilização em bloco para o desenvolvimento de novas tecnologias para melhor transparência em cadeias produtivas.
Bom, depois desse giro de novidades só me resta dizer que a próxima edição do Ifama acontecerá em 2026, na cidade universitária de Cork, na Irlanda. Se você tem vontade de conhecer o mundo Agri & Food pelo viés da academia e mercado, com oportunidade de aumentar a network com quem vive a realidade do agro numa pegada global, já prepara o passaporte pois esse será o lugar!
Ricardo Campo é head de consultoria da Rural Insights, professor da Faculdade CNA e professor coordenador de Empreendedorismo e Inovação da graduação em Negócios Digitais da Faculdade Pecege.
O autor participou do Ifama representando o Pecege e a Esalq-USP, com apresentação de estudo sobre novas tecnologias para rastreabilidade de alimentos.