A retomada das negociações do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia recoloca o agronegócio brasileiro no centro de uma das mais relevantes discussões geopolíticas e econômicas da atualidade.
Trata-se de um dos maiores tratados comerciais do mundo, com potencial de ampliar significativamente o acesso de produtos agropecuários brasileiros ao mercado europeu. No entanto, por trás da promessa de expansão comercial, surgem desafios jurídicos, regulatórios e tributários que não podem ser ignorados.
É inegável que o acordo representa uma oportunidade estratégica. A redução ou eliminação gradual de tarifas para produtos como carnes, grãos, açúcar, café e suco de laranja tende a aumentar a competitividade do agro nacional em um mercado altamente consumidor e com elevado valor agregado.
Contudo, o ganho comercial vem acompanhado de um nível de exigência regulatória muito superior ao atualmente enfrentado por parte significativa dos produtores brasileiros.
A União Europeia impõe padrões rigorosos de rastreabilidade, sustentabilidade ambiental e cumprimento de normas sanitárias e fitossanitárias internacionais. Nesse contexto, não se trata apenas de exportar mais, mas de exportar dentro de um novo paradigma jurídico.
O produtor rural brasileiro precisará demonstrar conformidade ambiental, origem controlada da produção e adequação a regras que extrapolam o direito interno, alcançando compromissos internacionais cada vez mais complexos.
Recentemente, esse cenário ganhou novos contornos com a aprovação, por parte dos países europeus, de mecanismos de salvaguardas no âmbito do acordo, além do adiamento da conclusão das negociações para janeiro.
As salvaguardas funcionam como instrumentos de proteção do mercado europeu, permitindo a reintrodução temporária de tarifas, cotas ou restrições caso as importações causem desequilíbrios internos ou prejudiquem produtores locais.
Na prática, isso significa que, mesmo após a entrada em vigor do acordo, o acesso do agro brasileiro ao mercado europeu poderá não ser linear ou irrestrito.
Produtos sensíveis, especialmente carnes e commodities agrícolas, poderão sofrer limitações quantitativas ou revisões periódicas, o que traz insegurança jurídica e exige planejamento estratégico por parte dos exportadores brasileiros.
O adiamento para janeiro, por sua vez, reforça o ambiente de incerteza e sinaliza que o acordo seguirá condicionado a pressões políticas, ambientais e econômicas dentro da União Europeia.
Outro ponto que merece atenção especial diz respeito aos reflexos tributários e aduaneiros do acordo. A redução tarifária, embora relevante, não elimina a complexidade fiscal do comércio exterior. Persistem desafios relacionados à tributação indireta, aproveitamento de créditos fiscais, regimes aduaneiros especiais e custos logísticos.
Sem um planejamento tributário adequado, o benefício econômico do acordo pode ser significativamente reduzido, ou até neutralizado, por ineficiências fiscais e operacionais.
Há ainda um aspecto sensível que precisa ser debatido com profundidade: o impacto desigual dentro do próprio agronegócio brasileiro.
Pequenos e médios produtores tendem a sentir de forma mais intensa os efeitos das exigências europeias e das salvaguardas aprovadas. Custos de adequação ambiental, certificações internacionais, sistemas de rastreabilidade e cumprimento de normas sanitárias mais rígidas representam barreiras reais para quem não dispõe de estrutura financeira e jurídica robusta.
Esse cenário pode gerar um risco concreto de concentração de mercado, favorecendo grandes grupos econômicos em detrimento do produtor rural de menor porte.
Por isso, o avanço do acordo precisa estar acompanhado de políticas públicas eficazes, linhas de crédito específicas, incentivos à regularização ambiental e suporte técnico-jurídico ao produtor. Sem esse amparo, uma oportunidade comercial pode se transformar em fator de exclusão produtiva.
Embora o texto final do acordo ainda enfrente resistências políticas dentro da própria União Europeia, o agronegócio brasileiro acompanha as negociações com expectativa e apreensão.
O sucesso do tratado não dependerá apenas de sua assinatura, mas da capacidade do Brasil de estruturar juridicamente sua produção, alinhar-se às exigências internacionais, lidar com mecanismos de salvaguarda e garantir que os benefícios sejam distribuídos de forma equilibrada em toda a cadeia produtiva.
O acordo Mercosul–União Europeia pode ser um marco positivo para o agro nacional, desde que encarado com realismo, preparo jurídico e visão estratégica de longo prazo.
Adriano de Almeida é advogado especialista em Direito Tributário e Direito Agrário, sócio do Durão & Almeida, Pontes Advogados Associados.