Todo o ciclo tem um fim. E o fim está mais do que próximo, pelo menos para a indústria sucroalcooleira, com o período que encerra o seu ano-safra.

Num ano marcado pela adversidade econômica, pela instabilidade geopolítica e por uma quebra de safra decorrente do clima seco e incêndios em importantes regiões produtoras, pode ser que a sensação no momento seja de gosto amargo para uma parcela deste segmento.

Mas o setor é resiliente e vai seguir firme, mantendo a sua relevância na balança do agronegócio nacional. A esperança rebrota na virada de cada safra e surgem as expectativas do mercado sobre o mix de produção e o quanto as usinas serão mais “açucareiras” ou “alcooleiras”.

Nesta coluna, tomo a liberdade de direcionar o enredo para o açúcar, numa reflexão sobre os atuais desafios do adoçante e o que está surgindo em seu panorama de futuro.

O açúcar é uma das fontes de energia mais acessíveis para as populações e é possível dividir a história dos adoçantes na alimentação humana em antes e depois da descoberta e difusão do açúcar de cana. Considerada uma das primeiras comodities mundiais na relação de comércio entre os povos, ao longo da história, o açúcar esteve presente em grande parte das culturas e transita entre as diferentes classes sociais.

De acordo com o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), o açúcar é o adoçante mais popular do mundo, sendo que cerca de 80% da produção mundial tem origem na cana-de-açúcar e os outros 20% vêm da beterraba açucareira, produto consolidado principalmente no mercado europeu.

Pelo que afirma a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), o Brasil é o maior produtor mundial da commodity com 25% da produção global. Aproximadamente 80% do açúcar produzido no país é exportado, correspondendo a 50% das exportações mundiais. Mesmo em novos nichos de mercado, como o do açúcar orgânico, o Brasil também é referência em produção e liderança na exportação.

Apesar de toda essa expressividade, o açúcar vem enfrentando desafios para se adaptar às novas demandas do mercado, como a pressão de compradores internacionais pela conformidade socioambiental e o comportamento de consumidores engajados em busca de alternativas mais saudáveis, sem abrir mão do sabor e da funcionalidade.

Com a demanda, surge a necessidade de inovar e fazer diferente. Além da constante busca por eficiência e rentabilidade, no modelo de produtividade e ganhos de escala adotado pelas usinas, as inovações na produção de açúcar começam a se desdobrar em dois caminhos: no da sustentabilidade e transparência nas etapas de produção e no desenvolvimento de alternativas menos calóricas ou nutricionalmente mais atrativas.

Sustentável, rastreável e bem taxado

A Bonsucro é um exemplo de organização que atua na promoção global do desenvolvimento sustentável da cana e de seus derivados. Com o propósito de apoiar coletivamente as boas práticas de produção e uso sustentável, a entidade promove ações para mitigação de efeitos climáticos, direitos humanos e geração de valor na cadeia produtiva.

Desde 2022 a Bonsucro tem investido recursos especificamente para geração de impacto e inovações por meio do seu Impact Fund. Um dos projetos financiados pelo fundo é o “GeRa Cana”, que propõe a redução da pegada de carbono da produção, com redução de custos operacionais, aumento da rastreabilidade e renda dos produtores envolvidos.

O projeto é liderado pela Fundação Solidaridad e é executado em parceria com a Organização de Associações e Produtores de Cana do Brasil (ORPLANA) e com a APMP Bioenergia, associação da sociedade civil sem fins lucrativos que reúne produtores de matérias-primas para as indústrias de bioenergia.

Outro aspecto relevante da atuação da Bonsucro é que produtores e usinas associados à organização podem obter o direito de uso de certificação específica para atestar as suas boas práticas e assim obter prêmio na venda da cana ou de produtos alimentícios certificados, o que favorece a manutenção de uma cadeia de abastecimento perene e rastreável.

E por falar em rastreabilidade, a utilização de novas tecnologias desta frente já começaram a ser implementadas no mercado brasileiro do açúcar e, certamente, vão permitir uma captura de valor para quem aproveitar a janela de oportunidade e se posicionar como adotante inicial.

Nesse sentido, o pioneirismo da Embrapa mais uma vez se fez presente com o desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Agrorrastreabilidade (Sibraar). O sistema é baseado em blockchain e foi desenvolvido a partir de projeto piloto com a Cooperativa dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo (Coplacana) para rastreamento de açúcar mascavo da Usina Granelli, de Charqueada (SP).

O Sibraar possibilita que os dados de fabricação do produto sejam armazenados usando blockchain para garantir a temporalidade e registros imutáveis, mantendo a integridade das informações geradas ao longo do processo de produção.

Com a solução, em cada lote do açúcar da usina são disponibilizadas a data de produção, variedade de cana utilizada assim como a identificação e geolocalização da propriedade rural que forneceu a matéria-prima.

Outro caso de rastreabilidade com blockchain é o da Biorefinaria Uisa, de Nova Olímpia (MT). Pelo QR code da embalagem de seu açúcar demerara, o consumidor final pode acessar informações sobre plantio e colheita da cana assim como demais etapas de produção.

Atualmente a solução é usada para rastreio do demerara da marca Itamarati e há planos para rastrear outros produtos da empresa como o açúcar cristal, refinado e achocolatado.

Com rastreabilidade, mais visibilidade. Isso traz benefícios para toda a cadeia e ainda reduz a assimetria de informações, empoderando consumidores quanto a origem daquilo que consomem.

Com o aumento do nível de informações circulando é possível aumentar o engajamento com públicos de interesse, inclusive, para desmistificar questões que tacham o açúcar como um grande vilão. E o que não falta é campanha contra.

Há um movimento global para a redução do consumo com recomendação de limite diários via órgãos reguladores e até mesmo pela cobrança de tributos específicos, como o imposto sobre bebidas açucaradas em vigência no Reino Unido, conhecido como “Sugar tax”.

Em vigor desde 2018, a taxa é aplicada a refrigerantes produzidos na região ou importados e foi criada como parte de política antiobesidade, que inclui estratégias para combate a obesidade e doenças associadas, como a diabetes.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que há mais de 800 milhões de adultos vivendo com diabetes no mundo. Em recorte para a região das Américas, o número é de 112 milhões de indivíduos e que corresponde a 13% da população adulta. A entidade ainda destaca que houve um aumento alarmante da doença nas últimas três décadas que reflete o aumento da obesidade, agravado pelo impacto do marketing de alimentos não saudáveis, falta de atividade física e dificuldades econômicas.

Para dar uma dimensão de como este tema está na agenda de diversos países é só dar uma olhada no painel criado pelo Obesity Evidence Hub - entidade australiana que atua como observatório de saúde pública -, que relaciona mais de 50 países que já aplicam impostos a bebidas açucaradas.

No Brasil, o cerco apertou para a indústria de alimentos com as novas regras para rotulagem de alimentos, em vigor desde outubro de 2022. Além de mudanças na tabela de informação e nas alegações nutricionais, a novidade foi a adoção da rotulagem nutricional frontal.

Com o ícone de lupa nas embalagens, o objetivo é de alertar os consumidores quanto a concentrações de nutrientes que têm relevância para a saúde como açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio.

O fim é o início de um novo fim

Apesar de todo o debate ao redor do tema, com perspectivas contra e a favor, o açúcar ainda é a fonte de energia mais barata do mercado. Por conta da sua expressividade global no uso na alimentação humana em diferentes indústrias - alimentícia, de bebidas e farmacêutica -, é pouco provável que o consumo do açúcar chegue ao fim.

E mesmo que em algum dia comecem a surgir sinais críticos de ameaça, ao invés de um fim, o açúcar pode ganhar uma nova finalidade. É o que investidores de risco e startups já começaram a antecipar com o desenvolvimento de novos adoçantes e substitutos saudáveis, entre eles os denominados “açúcares raros”.

Nesta corrida bilionária que já está agitando a indústria de alimentos, dá para destacar foodtechs e biotechs que saíram na frente e não estão olhando apenas para a criação do “açúcar 2.0”, pois também buscam alternativas que reduzam os níveis de açúcar em sucos de frutas e outros alimentos:

- Amai Proteins: startup israelense que desenvolveu o Sweelin, proteína doce que reduz o teor de açúcar em preparações em até 70%. Usa o açúcar como matéria-prima num processo de fermentação de precisão. É investida pela trading Sucden e já desembarcou no Brasil, onde está em fase de estruturação de parcerias.

- Better Juice: foodtech que utiliza tecnologia enzimática capaz de converter até 80% dos açúcares dos sucos de frutas em fibras alimentares e açúcares não digeríveis sem impactar as vitaminas, minerais e ácidos orgânicos no produto final. É apoiada pelo The Kitchen FoodTech Hub – incubadora israelense do Grupo Strauss.

- Bonumose: startup americana que utiliza tecnologia enzimática para produzir a Tagatose, açúcar raro de baixo índice glicêmico e “amigo dos dentes”, com 92% da doçura do açúcar normal e apenas 38% das calorias. Tem entre os seus investidores The Hershey Company e a ASR (American Sugar Refining).

- Incredo: startup israelense com tecnologia que melhora a percepção da doçura nas papilas gustativas, permitindo redução substancial do consumo de açúcar sem comprometer o sabor. Tem parceria comercial com a Ferrero, já levantou mais de US$ 60 milhões em investimentos e tem entre seus investidores a dsm-firmenich.

- MinusSugar: biotech fundada por cinco brasileiros na Flórida, USA, que possui tecnologia proprietária para remoção de frutose de sucos de laranja. Recebeu cheque de US$ 2,5 milhões da BR Angels em dezembro de 24 e já fechou contratos de licenciamento da tecnologia com a Natural One e Citrosuco.

- Oobli: baseada em Davis, California, essa foodtech desenvolve adoçantes proteicos derivados de plantas exóticas que não têm impacto glicêmico e não afetam o microbioma intestinal. Já recebeu aprovação regulatória da FDA, tem parceria estratégica com o Grupo Bimbo e tem entre seus investidores a Ingredion Ventures e Sucden Ventures

- Suplant: com fundadores egressos da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, esta biotech desenvolve ingredientes de baixa caloria e baixa resposta glicêmica a partir de resíduos agrícolas, usando processo com enzimas encontradas em fungos. Tem entre seus investidores o Y Combinator e o AgFunder.

A proposta de valor destes negócios realmente é promissora. Porém, ainda há necessidade de encontrar o sweet spot para escalar a um ponto ideal e atingir uma base massiva de consumidores com preços acessíveis.

Outros desafios incluem a grande necessidade de capital para os ativos produtivos, as questões de regulatório e aprovações de registro, assim como o tempo necessário para que fabricantes experimentem e reformulem seus produtos com estes novos ingredientes.

É fato que a indústria sucroalcooleira mantém uma tradição centenária. Mas, passou a contar com estes novos entrantes para ampliar a visão de que, sem inovação e abertura ao novo, ela corre o risco de “empedrar no fundo do pote”.

Apesar de ainda carregar alguns estigmas do passado, é uma indústria que passou a investir em alternativas para produção sustentável, rastreável e já está abrindo novas rotas tecnológicas ao cocriar com startups que estão de olho nos adoçantes da nova era.

Seria esse o fim do açúcar como o conhecemos? No presente ou no futuro, que a sua doçura continue a animar as nossas vidas e que a sua energia dê forças para a reinvenção e vitalidade do setor!

Ricardo Campo é professor da Faculdade CNA e professor e coordenador de Empreendedorismo e Inovação da graduação em Negócios Digitais da Faculdade Pecege. Possui MBA em Marketing pela FGV e mestrado em Administração e Agronegócios pela ESALQ-USP.