Pode até parecer clichê, mas o ovo é uma das proteínas mais versáteis e acessíveis do mercado. Dada à sua popularidade e à forte presença diária nas mesas e receitas das famílias brasileiras, há um reconhecimento entre consumidores de diferentes classes e perfis de que esse é um dos alimentos mais completos que existem.

Pelo que indica a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o Brasil atualmente é o quinto maior produtor global, com uma média de 1.800 unidades produzidas por segundo e uma projeção de encerrar 2024 com um marco de 56,9 bilhões de ovos produzidos em granjas de todo o país. Isto é ovo para dar e vender.

Apesar da sua aparente simplicidade, o ovo evoluiu ao longo do tempo, rompendo a casca do óbvio num mercado que vem se consolidando por grandes players, que capturam oportunidades de nicho com a demanda por produtos sustentáveis, funcionais e de maior valor agregado. Mas, para um produto que sempre esteve entre nós, parece que ainda faltava acontecer algo diferente no setor para, de fato, ele cacarejar.

Há uma estória do folclore europeu que conta como Cristóvão Colombo, logo após a sua empreitada de descoberta da América, também conseguiu a proeza de fazer um ovo fresco ficar parado em pé (quebrando a casca para estabilizar, é claro).

Reduzido aqui a uma síntese muito objetiva do que é o causo, tudo teria começado quando o navegador foi questionado se outra pessoa teria sido capaz de descobrir o novo mundo caso ele não o tivesse feito. Se o explorador genovês conseguiu, depois dele qualquer um conseguiria. E ele ilustrou isso mantendo um ovo em pé.

A moral do “Ovo de Colombo” é a de que a grandiosidade de um feito não é possível apenas pela capacidade de se elaborar algo desafiador. Muitas vezes, a simplicidade e o desejo de sucesso podem ser os elementos básicos que justificam a realização de algo complexo.

E o que isso tem a ver com o ovo que você come? Basta olhar para a gôndola dos supermercados para entender.

Neste segmento, parece que os ovos de ouro estão nas coisas simples da cartilha do marketing, mas que requerem coragem e ousadia de seus operadores para a implementação de planos estratégicos de diferenciação que coloquem seus produtos em diferentes cestas.

Neste contexto, não dá para desconsiderar o esforço de marketing de todos aqueles que contribuem para as cifras do setor. Mas é notório o que empresas como Grupo Mantiqueira, Granja Faria e Raiar Orgânicos estão fazendo ao sobrevoar novos mares em estratégias que não parecem ser um voo de galinha.

A Mantiqueira convocou a agência especializada em branding Ana Couto e recrutou um ex-CEO da Alpargatas (leia-se Havaianas) para o rebrand da sua marca institucional e transformação da empresa. Isso levou à criação da marca “Happy Eggs”, para ovos produzidos por galinhas livres, e ao lançamento da linha “Mantiqueira em Casa”, com e-commerce, clube de assinatura e lojas próprias.

O grupo ainda mantém a proximidade com os seus consumidores no varejo usando o modelo de loja dentro da loja (store in store) para ativação em outros pontos de venda.

É no ambiente físico que a Granja Faria também está reforçando a sua liderança e os atributos de um portfólio de mais de sete marcas conquistadas em sua esteira de M&As. Entre elas a “Ares do Campo”, de ovos caipiras com galinhas criadas no sistema “free range”, em que ficam soltas durante o dia e recolhidas para os alojamentos ao final da tarde.

Com a sua loja conceito “Eggy”, a Granja Faria promove a alimentação com base em ovo num cardápio de variadas opções para enaltecer a cultura e diversidade da proteína. Operando em três unidades, sendo duas na cidade de São Paulo e uma em Minas Gerais, há planos de expansão do grupo para seguir além.

Ovo para todos os gostos e bolsos

Foi-se o tempo em que a gente ia ao mercado para escolher entre o ovo branco e o vermelho. No balaio ou no app, agora é possível escolher entre diferentes tamanhos e porções, ovos funcionais com ômega 3 ou selênio, ovo pasteurizado em caixinha para preparo de receitas em uso doméstico ou na agroindústria. É o universo numa casca de ovo.

Porém, diferente das grandes do segmento que oferecem um mix de produtos bem abrangente, a Raiar Orgânicos está focando apenas naquilo que o seu nome ressalta, os orgânicos: ovos produzidos por galinhas livres de gaiolas, que se alimentam apenas de grãos orgânicos e que não recebem nenhum tipo de insumo químico ou transgênico.

A Raiar foi fundada em 2020 por executivos com grande bagagem no agronegócio, que viram uma oportunidade na transformação da agropecuária com a demanda para redução de uso de insumos químicos e práticas regenerativas, na maior preocupação dos consumidores com a origem dos alimentos e com a bandeira do bem-estar animal. A empresa conta com um plantel de cerca de 220 mil galinhas que produzem 150 mil ovos por dia.

Outra pioneira nesse nicho e que ocupa o posto de maior produtora de ovos orgânicos no país é a Fazenda da Toca. Fundada pelo empresário Pedro Paulo Diniz, hoje pertence ao Grupo Mantiqueira e conduz uma operação verticalizada com produção dos grãos que alimentam as poedeiras e um custo logístico otimizado em escala com a rede de distribuição do grupo a que faz parte.

Estas empresas entenderam que o prêmio atribuído aos seus produtos não vem apenas das boas práticas de produção atestadas por certificações como a Certified Humane. O preço que cobram pelo conceito que oferecem é pago por um público que se alimenta de ideologia e que procura formas de consumir com geração de impacto.

Certamente têm como referência a Vital Farms, que, desde 2007, está na missão de trazer alimentos produzidos de forma ética à mesa. Esta texana de fama internacional se posiciona de forma enfática com o slogan “Keeping it bullsh*t free” e com os seus “restorative eggs” produzidos em fazendas que utilizam os princípios da agricultura regenerativa.

Quem vê clara não vê inovação?

Além das novidades nas linhas de produtos e no posicionamento estratégico para atuação em nichos oportunos, o mercado dos ovos não fica imune às tendências que estão movimentando o mercado da alimentação em nível global e que estão desafiando a forma como os alimentos são produzidos hoje e poderão “deixar de ser” no futuro.

No âmbito das fazendas, o Instituto Ovos Brasil reforça a tendência do crescimento do bem-estar animal e cuidado com as galinhas. Também indica o melhoramento genético para maior produtividade e a automação na produção, considerando os processos de coleta dos ovos, dos dejetos e a distribuição de ração e água.

Olhando para produto, as tendências como proteínas alternativas à base de plantas ou a produção em laboratório de potenciais substitutos são elementos que colocam a inovação na pauta do que seria um provável “Ovo 2.0”.

Na pesquisa “Alimentação hoje: a visão do consumidor” - realizada pela consultoria Galunion com 1.045 consumidores a partir de 18 anos, das classes ABC de todo o Brasil - no recorte direcionado aos produtos à base de plantas há uma divisão entre 66% que preferem produtos com foco em frutas e vegetais e 34% com preferência a produtos que imitam similares de proteína animal (como hamburgueres, queijos, ovos, peixes e outros).

Atenta a essa parcela de consumidores que apreciam as opções plant based, a Mantiqueira já deu a largada para atualizar o seu arsenal com a criação da N.OVO, spin-off para desenvolvimento de produtos alternativos de origem vegetal. Iniciaram com um produto vegetal substituto ao ovo e já ampliaram para outros produtos como maionese, salgados e pratos prontos.

Pelo lado de quem está na bancada pesquisando as novas fronteiras para as proteínas do futuro, um tema que parece ganhar espaço entre investidores e startups é o da tecnologia de fermentação de precisão para produção de ovos “animal-free”.

É o caso da The EVERY Company, biotech americana que já levantou mais de US$ 230 milhões em investimentos para usar levedura e açúcar na produção de proteínas semelhantes às encontradas em animais e produtos de origem animal.

A produção massiva ainda é um desafio para esse tipo de inovação, porém esta startup já conseguiu fechar contrato de fornecimento de sua clara de laboratório para a Unilever e fechou parceria com a AB InBev para escalar a fabricação.

O argumento que sustenta sua tese é que este tipo de produto reduz o impacto ambiental decorrente da produção convencional de ovos usando significativamente menos água, terra e energia.

É a mesma defesa utilizada pela startup finlandesa Onego Bio, que criou o seu Bioalbumen também a partir da fermentação de precisão, mas com uma abordagem técnica baseada em cepas de fungos. Esta food-biotech acabou de obter US$ 15,2 milhões do Programa Acelerador do Conselho Europeu de Inovação (EIC) e já totaliza mais de US$ 70 milhões em investimentos.

Se essa aposta vai parar em pé? O mercado tem apetite e uma coisa já é certa. Na granja ou no tubo de ensaio, o ovo seguirá o seu reinado.