Quando se trata do setor de distribuição de insumos, Carlos Barbosa é um observador privilegiado. Nos últimos 25 anos, ele tem acompanhado como poucos os avanços e os percalços do setor no papel de um fornecedor estratégico.
Pioneiro no desenvolvimento e comercialização de softwares de gestão específicos para o segmento, o antigo contabilista de revendas transformou-se em empreendedor e hoje comanda, como CEO, a Aliare, companhia com cerca de 40% de share no mercado dos sistemas de ERP e CRM do setor.
Barbosa assiste agora a outro momento decisivo para o setor em que iniciou sua jornada, com a marca Siagri – hoje a Aliare atua também com produtos voltados para a gestão de propriedades rurais (com a marca MyFarm), cooperativas (com a Simer) e revendas de máquinas agrícolas (Solution).
Depois de dois anos complexos, marcados pela crise financeira de grandes grupos de distribuição, as empresas buscam soluções para retomar o caminho do crescimento, com um olhar cada vez mais rigoroso na gestão.
É nesses momentos que negócios como o da Aliare ganham ainda mais relevância. “Crescer só, não resolve. Sem gestão, sem controle, sem cultura, não resolve”, afirma Barbosa em entrevista ao AgFeed.
Mais que uma frase de efeito, a declaração carrega ensinamentos da trajetória do empresário e também está presente no plano de negócios da Aliare para os próximos anos.
O ano de 2025 marca três décadas da jornada empreendedora de Barbosa. A empresa tem hoje receita bruta de R$ 150 milhões anuais e cresce em um ritmo de 15% ao 20% ano.
No ano passado, segundo o CEO, ficou mais próximo do valor mínimo desse intervalo, um feito diante das dificuldades do ano para a distribuição de insumos e os diversos segmentos em que atua.
Mas, como só crescer não basta, a companhia aproveitou para se preparar para que os próximos passos a serem dados mantenham esse ritmo com base em um objetivo claro.
Segundo Barbosa, a companhia trabalhou até recentemente em um planejamento estratégico, feito com auxílio da consultoria Markestrat, de Marcos Fava Neves.
“Estamos bastante animados com um projeto muito ambicioso de seguir no caminho de criar a maior plataforma de software para o agronegócio brasileiro, inclusive com aquisições em segmentos relevantes do agro onde a gente ainda não está presente”, revela.
“A gente acredita muito, dentro da estratégia da Aliare, na importância de disponibilizar para os nossos clientes um ecossistema de solução, que não vai ser composto só por soluções próprias, mas também de terceiros que vão estar integradas às nossas”.
A ideia de ser um integrador de soluções norteou a área de desenvolvimento da Aliare nos últimos três anos. Ela vem da compreensão dos sócios da empresa de que, nos mais diversos segmentos do agronegócio, haverá uma profusão de dados sendo capturados e que precisam ser organizados por um sistema central de gestão capaz de oferecer insights objetivos ao tomador de decisões.
Barbosa costuma dizer que os ERPs (sigla para entreprise resource planning hoje usada como sinônimo de software de gestão) são como “o chassi em cima do que vai se construir o restante”.
“Ele é mandatório na maioria dos dados, todos os processos rodam por ali: o cadastro dos clientes, todo o registro contábil, toda a gestão financeira, toda a gestão de estoques, toda a gestão de custos, está tudo ali”.
Os ERPs têm sido a fortaleza da Aliare desde que a empresa surgiu, ainda com o nome de Siagri, em 1998. E continuará sendo o princípio de cada nova frente a ser explorada pela companhia. Hoje, a Siagri é líder de mercado no segmento de distribuição de insumos, assim como a Solution no de revendas de máquinas agrícolas.
Segundo dados da Aliare, as soluções da empresa rodam atualmente em mais de 5 mil empresas, sendo usados diariamente por cerca de 65 mil profissionais do agro, e são ferramenta para a emissão de mais de 3,1 milhões de receitas agronômicas por ano.
“A gente tem uma ideia de pra onde a gente tá caminhando, mas como a velocidade é muito alta e o potencial de disrupção da inteligência artificial é muito grande, é muito difícil prever”, diz.
“A gente quer se colocar nessa posição de ser um facilitador, um orquestrador, um integrador disso, já que a gente cuida do chassi. E esse chassi tem que ser bem cuidado”.
Barbosa afirma ter havido, nos últimos anos, uma maior maturidade no uso de sistemas como ERPs e CRMs. O que começou focado em apenas controle de dados internos das companhias avançou para a consultoria agronômica, a assistência técnica e, nos últimos anos, tem estado mais presente na definição de ações de relacionamento e na estratégia de acesso a mercado pelas empresas do agro.
O crescimento da Aliare deve passar, como não poderia deixar de ser, pela incorporação cada vez maior de ferramentas de IA nos seus softwares.
Segundo ele, as tecnologias hoje disponíveis “resolvem bem os velhos problemas”, mas a companhia deve estar preparada para oferecer soluções para questões que vão se apresentar ao agro nos próximos anos.
Barbosa ressalta, no entanto, que, paralelamente a isso, a empresa manterá seu foco em oferecer sistemas que tragam simplicidade na incorporação e no tratamento de dados pelas empresas.
“Se você não tiver dados confiáveis, se você não tiver o contexto organizado, o risco de você tomar decisões piores é maior”, alerta.
O empreendedor compara a IA a um moedor de carnes. “Se você coloca carne boa, vai sair carne moída boa. Se coloca carne ruim, vai sair carne moída ruim”.
Para Barbosa, a maioria das empresas tem dificuldade de priorizar e de ser disciplinada em estruturar bem seus processos e as suas fontes de dados. E para fazer isso é preciso, em primeiro lugar, boas ferramentas especializadas nas especificidades do setor.
“A digitalização que vai, lá na frente, possibilitar a utilização de inteligência artificial de maneira muito eficiente depende de um bom ERP implantado. As pessoas que hoje estão falando de inteligência artificial muitas vezes precisariam olhar para o essencial um pouco antes”.
Da solução caseira aos M&As
Barbosa viveu na prática essa questão ao iniciar a vida empreendedora na década de 1990. Como contador em uma revenda no município goiano de Acreúna, ele teve dificuldades em encontrar um sistema adequado às necessidades do setor de distribuição de insumos.
Acabou optando por criar o próprio modelo a partir de planilhas, que posteriormente foi transformado em software por um desenvolvedor de uma empresa conhecida.
O problema se repetiu pouco depois quando foi contratado por outra empresa do setor, em Rio Verde (GO), esta já, segundo conta, de porte “dez vezes maior”. Uma vez mais, partiu para a solução caseira e a parceria com o desenvolvedor.
O programa desenvolvido foi testado com sucesso e acabou se transformando em um negócio paralelo, a Siagri, com os donos da revenda e a empresa de software como sócios.
Ao longo dos primeiros anos, entretanto, a falta de foco e diferenças de visões entre os sócios fizeram com que as vendas patinassem, até que Barbosa acabou comprando parte da participação dos demais - outra parte foi adquirida por Aumir Zanelatto - e lançando-se no desafio de manter o negócio.
O impulso só viria no início dos anos 2000, com o desenvolvimento de uma nova geração de ERP baseada no sistema Windows. Lançado em 2004, o sistema da Siagri tornou-se líder de mercado na distribuição de insumos em 2007 e passou a atrair empresas de maior porte, como 3tentos e Agro100.
Os desafios continuaram na década seguinte, com o aumento da concorrência no segmento e a necessidade de diversificar para outras indústrias. Ao longo desse período, Barbosa teve parcerias e sócios, que foram se sucedendo.
A consolidação como Aliare e a atual formatação do quadro acionário ocorreu a partir de 2021, com a fusão da Siagri com a DataCoper, empresa paranaense especializada em CRM para cooperativas. A operação contou também com um investimento do BTG Pactual, que se tornou sócio da nova companhia.
Com isso, a empresa passou a se posicionar como uma plataforma de soluções tecnológicas para o agro como um todo, indo além do setor de distribuição, onde surgiu.
“Nosso modelo de crescimento combina desenvolvimento orgânico com aquisições estratégicas”, diz.
“No campo de M&As, buscamos empresas que ampliem nossa capacidade de entregar valor em etapas complementares da jornada do cliente. Seja aprofundando nossa presença nos distribuidores, seja acessando novos segmentos ainda pouco digitalizados no agro.”
A diversificação deve, assim, ser intensificada nos próximos meses, com novos segmentos sendo incorporados.
O plano de Barbosa é ver, este ano, o crescimento orgânico voltando ao patamar mais próximo dos 20%, que pode eventualmente ser turbinado com aquisições.
“Obviamente que o Brasil é muito difícil”, destaca. Você constrói um planejamento de um ano, começa a executar e de repente muda tudo”.
“A gente tem conseguido, até o final do primeiro semestre, atingir as nossas metas”, conta. “Mas o segundo semestre traz mais incerteza do que a gente trabalhou até aqui”.
Barbosa olha para a atual conjuntura e vê novos desafios se impondo. O tarifaço americano, por exemplo, já faz com que alguns potenciais clientes, já em negociação, posterguem decisões à espera de um cenário mais claro.
Já nos segmentos de distribuição e de revendas de máquinas – em que o grupo tem 30% de share –, a expectativa é de início de recuperação, depois de anos difíceis. “Eles precisarão ser mais proativos”, afirma.
“A distribuição de insumos é uma operação complexa e de margens apertadas. Ser bom de venda não basta, é preciso controle de ponta a ponta”.
Resumo
- Planejamento estratégico da Aliare inclui incorporação de inteligência artificial e expansão para novos segmentos por meio de aquisiçõe
- Depois de um ano abaixo da média, companhia prevê retomar ritmo de crescimento próximo dos 20% em 2025
- Empresa faturou cerca de R$ 150 milhões em 2024, com seus softwares sendi usados por mais de 5 mil empresas do agro