No início de outubro, o Conselho Superior de Agronegócio da Fiesp (Cosag) realizou um encontro para discutir os principais desafios e impactos das previsões de safra para 2024/2025.

As consultorias privadas realizam um excelente trabalho para projetar o que virá nas safras seguintes, utilizando análises de mercado (oferta e demanda, acompanhamento dos preços) além de informações a partir da sua própria rede.

Além das expedições de campo, como o Rally da Safra e o Rally da Pecuária, essas consultorias passam a utilizar cada vez mais modernas tecnologias para acompanhar o desenvolvimento das lavouras.

Nesta safra 2024/2025, mesmo com mais um início de safra atrasado, as projeções apontam para uma produção entre 163 milhões e 171,5 milhões de toneladas de soja. No milho indicam uma colheita de 119,8 milhões a 131,0 milhões de toneladas.

O propósito da discussão no Cosag não foi o de apresentar mais um número para a próxima safra de grãos no Brasil, mas sim chamar atenção para um problema que acompanha o setor já há muito tempo, que são as diferenças nas estimativas oficiais entre IBGE e Conab, que divulgam seus números no mesmo dia e horário.

Embora justificado por diferenças nas metodologias de coleta, os números de área, produção e produtividade, mesmo diferindo por percentuais que facilmente seriam considerados estatisticamente insignificantes, esses números não fazem sentido quando utilizados nos fechamentos dos balanços de oferta e de demanda dos respectivos produtos agrícolas.

Um dos principais desafios mencionados é a limitação das pesquisas subjetivas, que dependem da aplicação de questionários, e informação voluntária.

Para melhorar a precisão das estimativas, é essencial integrar novas tecnologias, como o uso de imagens de satélite e sensoriamento remoto para mensurar a área, progresso e condições das lavouras. Além disso, sistemas integrados com informações meteorológicas podem aprimorar as estimativas de produtividade.

As estimativas de safras podem variar significativamente dependendo da instituição que as divulga. Cada instituição utiliza metodologias diferentes para a coleta e análise de dados, o que pode levar a divergências nas previsões.

A Conab combina pesquisas diretas com produtores, sensoriamento remoto, uso de pacotes tecnológicos, intenção de plantio, médias históricas, rede de informantes e acompanhamento agrometeorológico para coletar dados.

Esses dados são processados utilizando métodos estatísticos para garantir a confiabilidade e consistência das informações. A Conab divulga relatórios mensais ao longo do ano-safra.

O IBGE, por sua vez, realiza pesquisas subjetivas desde 1972, coletando dados por meio de reuniões mensais (REAGRO) com técnicos do IBGE e de outros órgãos, produtores e colaboradores.

As informações incluem área de plantio e colheita, rendimento e produção, com a unidade de investigação sendo o município. O IBGE divulga relatórios mensais através do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), utilizando como base o ano civil.

O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), por sua vez, utiliza pesquisas diretas com produtores, análises de mercado, dados climáticos e informações de exportação/importação e estoques para validar essas informações. Esses dados são processados utilizando modelos econômicos e análises de tendências para prever a produção de safras. O USDA divulga relatórios periódicos mensais, baseados no ano-safra internacional.

As divergências nas estimativas de safras podem ter várias consequências significativas, especialmente no que diz respeito às emissões de gases de efeito estufa e à formulação de políticas públicas.

As diferenças nas estimativas de uso e cobertura do solo, por exemplo, impactam a contabilidade das emissões, já que a diferença na área de pastagens e seu nível de degradação afeta diretamente as emissões de CO2 atribuídas ao setor.

A fixação biológica de nitrogênio (FBN) na soja brasileira economiza bilhões de dólares por safra e evita a emissão de milhões de toneladas de CO2eq, porém a ausência de uma estatística oficial, impede que este número seja utilizado na contabilização das emissões do setor.

Estimativas imprecisas podem levar a uma subestimação ou superestimação das emissões, afetando a precisão dos inventários nacionais de gases de efeito estufa.

A falta de coordenação entre as instituições responsáveis pela coleta e divulgação de dados pode dificultar a formulação de políticas públicas eficazes.

Decisões baseadas em dados inconsistentes podem resultar em perdas econômicas e ineficiências no setor agropecuário

Políticas voltadas para a produção agropecuária sustentável, comercialização e abastecimento dependem de dados precisos e consistentes. Divergências nas estimativas podem levar a decisões baseadas em informações incorretas, afetando a segurança alimentar e nutricional.

As divergências nas estimativas também podem impactar a tomada de decisão de diversos stakeholders, incluindo o governo, produtores, investidores, indústria e comércio. Decisões baseadas em dados inconsistentes podem resultar em perdas econômicas e ineficiências no setor agropecuário.

O futuro das previsões de safras está intimamente ligado ao avanço tecnológico e à inovação. A integração de tecnologias como inteligência artificial, big data e sensoriamento remoto promete transformar a forma como coletamos e analisamos dados agrícolas.

Essas tecnologias podem proporcionar estimativas mais precisas e em tempo real, permitindo uma resposta mais rápida às mudanças nas condições climáticas e de mercado.

Além disso, a colaboração internacional e a troca de informações entre países podem fortalecer a capacidade de prever safras de maneira mais eficaz. Iniciativas globais que promovam a transparência e a padronização dos dados agrícolas são fundamentais para enfrentar os desafios de um setor cada vez mais interconectado.

Uma saída seria apoiar o Ministério da Agricultura (Mapa) na criação de uma estrutura jurídica voltada para a inteligência agropecuária. A complexidade da agropecuária brasileira, aliada às exigências de uma produção socialmente responsável e sustentável, demanda um trabalho multidisciplinar que integre diversas bases de dados, temas e variáveis.

Em um momento em que os recursos orçamentários são escassos e os investimentos em tecnologia e qualificação profissional estão limitados, vislumbra-se a oportunidade de estabelecer uma estrutura jurídica vinculada ao Estado, privada e sem fins lucrativos, para prestar serviços à sociedade.

A criação e manutenção de observatórios como o Observatório da Agropecuária e iniciativas como o AgroBrasil + Sustentável são passos importantes nessa direção. Além disso, a colaboração entre agências como Embrapa, Inpe, Inmet e Conab é essencial para monitorar as safras de forma eficaz.

Por fim, é essencial que as políticas públicas acompanhem essas inovações, promovendo um ambiente regulatório que incentive a adoção de novas tecnologias e a colaboração entre diferentes atores do setor.

Com uma abordagem mais coordenada e transparente, será possível enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades para um futuro mais sustentável e eficiente na produção agropecuária.

Guilherme Bastos, engenheiro agrônomo com mestrado em Economia Agrícola, é coordenador do FGV Agro.