A corrida para aumentar o transporte de cargas agrícolas pelos trilhos está cada vez mais acirrada, em meio a expectativa para a licitação de novas ferrovias no Brasil.
Uma das maiores operadoras do setor, a VLI Logística, está de olho neste momento e vê como prioridade a expansão do transporte da Ferrovia Norte-Sul, uma das rotas do chamado “Arco Norte” que a viabiliza exportação de grãos (e já importa fertilizantes também) pelo porto do Itaqui, no Maranhão.
Em entrevista exclusiva ao AgFeed, o CEO da VLI, Fábio Marchiori, disse que vê o chamado corredor Norte da empresa crescendo “de forma desproporcional”, se comparado aos outros trechos operados pela companhia no Brasil.
“Há muitos anos o crescimento de volume (no corredor Norte) é de duplo dígito, então é acima de 10%”, disse ele.
A VLI é responsável pelo trecho de Porto Nacional (TO) até Açailândia (MA) e, depois, usa os trilhos da ferrovia Carajás da mineradora Vale que chegam até o porto maranhense.
Segundo o executivo, hoje são transportadas por essa “espinha dorsal” da Ferrovia Norte-Sul cerca de 15 milhões de toneladas de grãos.
Há 10 dias, foi inaugurada uma unidade da Mosaic que prevê produzir cerca de 1 milhão de toneladas de fertilizantes até 2027. A matéria-prima chega diretamente pelos trilhos operados pela VLI no hub que fica em Palmeirante (TO).
A empresa de transporte ferroviário está chamando o local de “condomínio industrial e logístico”, já que pretende atrair outras empresas de fertilizantes para a mesma região, que seria estratégica na distribuição de insumos aos produtores do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Oeste da Bahia).
Além dos grãos e dos fertilizantes, a VLI já opera cargas de combustíveis no complexo de Palmeirante. Para a empresa, o investimento recente de R$ 400 milhões feito pela Mosaic é “uma semente” de outros investimentos que estão por vir, no mesmo complexo.
No corredor Sudeste, a VLI também transporta grãos e açúcar, tendo a Ferrovia Centro-Atlântica como espinha dorsal. No corredor Leste, tem a siderurgia e a celulose como principais cargas transportadas.
Investimento de R$ 3 bi no Maranhão
Atualmente, os grãos transportados pela VLI seguem para o Terminal Portuário de São Luís, que está na área pública do porto maranhense, e também para os berços do Tegram, que pertence a um consórcio de empresas privadas – TCN (NovAgri e CHS), Viterra, CLI (IG4 Capital e Macquire Asset Management) e ALZ (joint venture entre Amaggi, Louis Dreyfus e Zeh-Noh).
Fábio Marchiori disse ao AgFeed que já é decisão tomada na VLI investir em um novo berço no porto de São Luís, além de toda a infraestrutura necessária para isso, como um anel ferroviário.
Ele explica que há muita oportunidade para seguir aumentando os volumes transportados pela ferrovia operada pela VLI, para sustentar esse crescimento nos próximos anos, é necessário ter essa estrutura adicional no porto.
“A gente espera crescer esse corredor sempre a dígito duplo, tanto carga que vai para São Luís, quanto carga que volta de São Luís”, estimou.
Marchiori admite que não há como ter uma relação de “1 para 1” entre o grão que sobe e o fertilizante que desce, mas as oportunidades estão relacionadas a outros tipos de cargas ligadas ao agronegócio.
A gigante de etanol de milho Inpasa, por exemplo, está construindo uma nova planta em Balsas, no Maranhão, com a expectativa de demanda para transportar o DDG. A expectativa é também aumentar o fluxo de combustível, não apenas derivados de petróleo, mas também subir o biodiesel que é adicionado ao óleo diesel comum para cumprir a mistura obrigatória.
A VLI já fez algumas operações de transporte de DDG para a Inpasa em outro corredor, entre Araguari, no Triângulo Mineiro, até o porto de Vitória, no Espírito Santo. “Mas a gente já começou a conversar sobre a oportunidade de farelo de milho subir pra São Luís”, revelou Marchiori.
O CEO da VLI diz que a empresa tem investido valores próximos a R$ 3,5 bilhões por ano e que a distribuição dos aportes costuma ser proporcional à receita gerada. Como o corredor Norte já representa 30% do faturamento da companhia, estaria recebendo investimentos na mesma ordem.
“Mas isso não é uma regra, a gente fala muito no Brasil em oportunidades logísticas. O que é a próxima oportunidade logística? Hoje eu tenho capacidade pra transportar mais através da Ferrovia Norte-Sul e através da Estrada de Ferro Carajás. A oportunidade logística está no porto (de São Luís) agora”, afirmou.
Marchiori menciona também oportunidades para crescer no transporte de celulose, em direção a São Luís, mas reforça que o grande potencial de crescimento está nos grãos, em função do avanço significativo na produtividade agrícola do Matopiba.
“A gente fala sempre muito do Mato Grosso e ninguém vai negar a vocação do Mato Grosso para o agro. Mas a vocação dessa região do Matopiba para crescimento, tanto de área quanto de produtividade, é muito grande. Faltava um insumo que a gente chama de efetivo em custo, que é o fertilizante. Estamos começando a trazer a base pra cá”, explicou.
Nos cálculos da VLI, é possível ter um crescimento de 10 milhões de toneladas no volume de grãos que vem sendo transportado, à medida que houver mais berços portuários.
“É quase dobrar, né? Hoje a gente já está falando lá em São Luís de 15 milhões de toneladas por ano exportadas”.
Um dos incentivos para pensar em não apenas seguir atendendo Tegram e EMAP (Empresa Maranhense de Administração Portuária), mas também ter mais um berço próprio, está relacionado a oportunidades que serão geradas pela FICO, Ferrovia de Integração Centro-Oeste, que ainda será licitada pelo governo federal.
A FICO sairá de Mara Rosa, em Goiás, passará por Água Boa, Mato Grosso, até chegar em Rondônia. Na visão do executivo, “o escoamento natural” da FICO será pelo Norte, portanto, haverá ainda mais carga de grãos produzidos em Mato Grosso para subir por Tocantins até o Maranhão.
Para ter mais um berço no porto do Itaqui, a VLI considera dois caminhos possíveis. Um deles seria participar de uma licitação para ter mais um berço público. Outra alternativa é investir em um Terminal de Uso Privado (TUP).
Perguntado sobre o que falta para que o investimento vire realidade, Marchiori respondeu: “Nesse momento, não está faltando nada. A gente está fazendo as análises de mercado para saber o momento exato de começar a obra, qual é o grande desafio. É um investimento em infraestrutura, que tem o payback de 6, 7, 10, 14 anos”.
“Então, você começa o investimento no momento mais próximo possível de ter a convicção de que você vai receber a carga. Por exemplo, a FICO é uma variável importante na decisão de investimento portuário. A forma como vai haver qualquer tipo de incentivo ou desincentivo fiscal é algo que a gente sempre leva em consideração”, acrescentou.
O momento de juros elevados também estaria entre as dificuldades.
“O custo do capital sobe e depois ele retorna, o que é importante é que essa medida de aumento do custo capital realmente coloque a inflação no eixo para que a gente possa investir, porque o custo capital a gente controla, agora a inflação é algo que tem que ser o tempo todo controlado”.
Para ter mais um berço em São Luís, Marchiori diz que será necessário um investimento de cerca de R$ 3 bilhões, um valor que considera também a “retro área”, a alça ferroviária ou uma eventual expansão da entrada ferroviária.
“Se você for aumentar essa capacidade, você tem que mexer em pátio lá na EMAP, então tem que ser feito em acordo com a autoridade portuária. Se você faz um porto privado, você vai ter que vincular ele, por exemplo, a Carajás, então você tem que calcular tudo”, ponderou.
A previsão é de que a construção do novo berço demore no mínimo 18 meses, a partir do início da obra, o que reforça a expectativa de que a estrutura ampliada só estará disponível “no final da década”, segundo o CEO.
Renovação da FCA
A VLI pretende participar da licitação de novas ferrovias que devem ocorrer em breve, mas o CEO da empresa, garante que “a prioridade do momento” é a renovação da concessão da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica), um de seus principais corredores, atualmente.
A empresa já apresentou proposta ao governo para fazer a renovação antecipada da concessão e se diz otimista. Marchiori disse ao AgFeed que declarações recentes de integrantes do governo sinalizam uma solução para a pendência no mês de agosto.
“Avançou bem a negociação, a gente está bem confortável com os termos oferecidos pelo governo, a gente acredita que o governo também esteja agora confortável com os termos oferecidos, mas nós estamos aguardando uma resposta oficial”, ressaltou.
Depois de solucionada a questão da FCA, Marchiori diz que a VLI “vai poder olhar com mais calma” para as novas ferrovias e uma delas é a FICO.
“Com certeza nos interessa, porque a gente tem uma presença indireta no Mato Grosso, a gente traz a carga para a FCA, traz a carga em alguns casos para o Norte e Sul, mas é pouca e a FICO nos daria presença no Mato Grosso. Seria bom para nós para expandir a área de influência, seria bom para o Mato Grosso, porque passaria a ter dois operadores ferroviários apoiando no escoamento do estado”, destacou.
O AgFeed já mostrou, em reportagem publicada em março, que uma outra forma da VLI começar a operar as ferrovias em Mato Grosso seria por meio do chamado sistema de autorizações.
A empresa já registrou interesse de alguns trechos junto aos órgãos reguladores, mas, segundo Marchiori, essa ainda não é uma prioridade.
“A gente pediu as autorizações justamente vislumbrando esses movimentos ferroviários que estavam para acontecer. Mas as oportunidades que estão aparecendo através das novas infras (FICO, por exemplo) que o governo está anunciando, nesse momento elas requerem mais atenção antes da gente falar de autorização ferroviária”.
Crescimento em 2025
A expectativa da VLI é fechar 2025 mais uma vez com crescimento, segundo o CEO, que não revela percentuais estimados. No ano passado a empresa alcançou uma receita de R$ 9,8 bilhões, alta de 8% em relação a 2023.
No primeiro trimestre de 2025, a companhia teve uma receita líquida de R$ 2,28 bilhões, o que representou uma queda de 5% em relação ao mesmo período do ano anterior.
“A gente teve o primeiro semestre absolutamente alinhado com aquilo que a gente tinha orçado. A gente enfrentou algumas dificuldades, houve um atraso no início da safra da soja, então a gente enfrentou isso”, justificou Marchiori ao AgFeed.
Os números do segundo trimestre devem ser anunciados em agosto e, segundo o CEO, “está sendo detectado um crescimento”.
“A gente está vendo a receita vindo, está conseguindo manter as margens de lucratividade, apesar de toda a pressão de custo e, mais importante, a gente continua sendo forte gerador de caixa. Por que isso é importante? Porque investimentos são de caixa, a gente tem um nível de endividamento bastante confortável, mas eu quero lastrear o crescimento da companhia muito na geração de caixa dos ativos existentes”, explicou.
Resumo
- VLI aguarda condições ideais para iniciar investimento de R$ 3 bilhões em novo berço para embarque de grãos no Porto de Itaqui, no Maranhão
- Aporte praticamente dobraria a capacidade de escoamento da operadora ferroviária pelo Arco Norte
- Empresa também aposta no “condomínio logístico” de Palmeirante (TO) para atrair ampliar a movimentação de cargas ligadas ao setor agroindustrial na região