Não trabalhe para pagar juros, faça os juros trabalharem para você. Esta é uma máxima bastante popular no mercado financeiro, especialmente para convencer pessoas físicas a poupar dinheiro. Responsável pela análise de commodities agrícolas na XP Investimentos, Samuel Isaak, acredita que a lógica tem ainda mais valor, neste momento, para os produtores rurais.

Na visão de Isaak, a conjuntura de cotações pressionadas para as principais commodities agrícolas e rentabilidades em alta no mundo financeiro exige uma reflexão, com “maior profissionalização” da gestão financeira, aos produtores rurais.

“Percebi que nesta última safra, a maioria optou por estocar o produto à espera de uma melhora nos preços dos produtos. Mas em em cenário de juros altos, esta não é melhor estratégia”.

O estrategista da XP afirma que, na prática, esta alternativa faz o produtor perder uma oportunidade. “É como esperar que o preço da soja ou do milho suba 14% até o final da safra. Já se sabia que seria difícil acontecer”, diz Isaak.

Com a taxa básica de juros a 13,75% ao ano, e sem perspectiva de corte por parte do Banco Central, Isaak afirma que os produtores devem considerar a transformação de sua produção em capital e, então, buscar abrigo no mercado financeiro. “É uma forma de rentabilizar a produção, e minimizar o custo do crédito, que realmente está alto”, diz.

A recomendação de Issak vem acompanhada da observação das tendências de preços dos principais produtos agrícolas brasileiros. Ao AgFeed, além de tratar da parte financeira do agronegócio brasileiro, o analista da XP traçou um cenário amplo para as commodities. Acompanhe:

Soja e milho – Isaak lembra que os grãos passaram por uma sequência de altas nos preços desde 2018, com diversos eventos como desvalorização do real, quebras de safra e guerra na Ucrânia.

“Este ano é o da virada deste ciclo, e o mercado precisa se ajustar. Um dos primeiros ajustes está no preço dos fertilizantes. Com a queda nas cotações, a demanda também começa a aumentar”.

No entanto, ele acredita que a oferta vai continuar crescendo, com expectativa de safras boas no Brasil e nos Estados Unidos. “Acredito que tanto a Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] quanto o USDA [Departamento de Agricultura dos Estados Unidos] ainda vão revisar para cima as estimativas para a próxima safra. Há uma projeção também de aumento da demanda. Mas não será no mesmo ritmo. Por isso, os preços devem continuar baixos”.

Na soja, o USDA espera uma produção mundial de 410,6 milhões de toneladas na safra 23/24. Na safra 22/23, a safra global estimada é de pouco mais de 370 milhões de toneladas.

Para o Brasil, a agência norte-americana espera 163 milhões de toneladas na próxima safra, ante 155 milhões de toneladas na safra atual.

Para o milho no Brasil, a Conab estima que a safra 22/23 termine com a colheita de 125,8 milhões de toneladas, aumento superior a 11% em relação ao período anterior.

Em 2023, as cotações da soja e do milho na Bolsa de Chicago têm quedas de 12,7% e 13,3%, respectivamente. Em 12 meses, os valores recuam 21,5% e 23,8%.

Logística e exportação - Com o aumento da produção, Isaak projeta uma maior pressão logística, com a capacidade portuária chegando ao pico de utilização nos próximos meses.

“Há uma competição muito grande com os Estados Unidos em grãos, pelo menos até agosto. O Brasil precisa impulsionar as vendas a partir de setembro para conseguir vender mais”, explica.

Ele afirma que a China, principal parceiro comercial do Brasil, está utilizando o cenário de preços mais baixos para beneficiar a indústria.

“A China compra soja para esmagar. Com os preços mais altos, as margens estavam pressionadas. Agora, eles querem aproveitar para comprar soja barata e recuperar margem no processamento”.

Gripe aviária - O especialista da XP lembra que o ciclo migratório das aves silvestres que foram identificadas com a gripe aviária termina no final de maio. Mas nem por isso o Brasil se livra do problema na próxima semana.

“É bem possível que a doença fique por aqui depois que as aves migratórias forem embora. E aí aumenta o risco de infecção por aves comerciais”, diz Isaak.

Samuel Isaak, da XP

No entanto, ele vê poucas chances de haver um impacto grande na demanda global pela carne de frango brasileira. “É uma carne mais barata e, com o cenário de inflação mundial, difícil algum país fechar as portas para o frango brasileiro”.

O maior risco, na visão de Isaak, é de aumento no preço por conta de uma ruptura na produção. “Foi mais ou menos o que aconteceu com o preço do ovo na Europa no ano passado. Se houver a necessidade de interromper a atividade de uma granja e de outras que ficam próximas, cai a oferta e o preço sobe”.

Meio ambiente – “O Brasil tem uma mina de ouro nas mãos quando se trata da questão ambiental”, diz Isaak. Ele se refere à falta de um programa de incentivo que vá além dos biocombustíveis, com o CBios.

“Hoje, o produtor que tem uma pegada de redução de carbono na atmosfera não recebe nada por isso. A pressão ambiental global deve ser vista como uma oportunidade para incentivar a disseminação deste modelo, e não como um problema”.

Cana-de-açúcar - Isaak afirma que a área plantada de cana no Brasil vem até caindo nos últimos anos, com os produtores preferindo aderir aos grãos, por conta do ciclo mais longo da cana.

“Para haver uma recuperação, é preciso ter preços altos por mais tempo. O açúcar tem conseguido manter uma cotação favorável”.

O analista acredita que, no caso do etanol, o crescimento virá muito mais do milho que da cana. “Até empresas que ainda não atuam no setor estão mostrando interesse em abrir plantas de etanol de milho”, diz.

El Niño - Isaak afirma que os efeitos do fenômeno El Niño, que devem ser mais fortes este ano entre setembro e dezembro, devem prejudicar mais o Nordeste brasileiro, com secas mais intensas.

“No sul do continente, inclusive no Rio Grande do Sul, o El Niño deve até ajudar, aumentando as chuvas. Isso vai aumentar a produtividade também da Argentina, o que deve contribuir para que os preços continuem pressionados”.

Por conta do aumento das temperaturas dos oceanos neste início de 2023, a expectativa dos especialistas é de um fenômeno mais intenso nos últimos meses do ano.