Quem me acompanha sabe que a reflexão sobre a importância de valorizar a agropecuária como solução para grandes desafios globais como a fome, a segurança alimentar e as mudanças climáticas são temas recorrentes por onde passo.
É algo que busco reforçar em palestras, encontros com produtores rurais, conselhos públicos e privados dos quais tenho a honra de participar e nas visitas que faço nos lugares mais distantes do interior do Brasil.
Sempre que lia alguma coisa sobre o trabalho da FAO, Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, me perguntava se nós produtores rurais realmente tínhamos noção da importância desse organismo global. E estar perto da FAO, participar de um de seus encontros, era algo que soava quase como um sonho para uma pecuarista.
Entre os dias 14 e 18 de outubro estive em Roma, na Itália, participando da quarta edição do WFF, World Food Forum, considerado o maior evento mundial entre interessados nos sistemas agroalimentares.
Fui a convite do economista-chefe da FAO, Maximo Torero, figura admirável que tive o privilégio de conhecer durante o encontro do G20 realizado esse ano no Brasil, em Mato Grosso. Chegando lá, mais uma feliz surpresa: participei de uma recepção especial a convite do diretor geral da FAO, Qu Dongyu.
Quero compartilhar com vocês um pouco do que ouvi e aprendi nessa experiência incrível. Lá estavam reunidos especialistas globais, jovens agentes de mudança, investidores e líderes para criar novos caminhos para um futuro sustentável, inclusivo e com segurança alimentar. O tema deste ano era “Boa comida para todos, hoje e amanhã”.
São três os pilares principais do WFF: o Fórum Global da Juventude – achei impressionante a forte participação dos jovens ao longo de todas as discussões –, o Fórum de Ciência e Inovação e o chamado “FAO Hand in Hand Investment Forum”, que poderia ser traduzido como Fórum de Investimento de Mãos Dadas da FAO.
Esse último é muito interessante. Concentra-se na promoção de estratégias de investimento e colaborações financeiras destinadas a promover sistemas agroalimentares sustentáveis e resilientes. A ideia é facilitar o diálogo entre governos, investidores e organizações de desenvolvimento para mobilizar recursos para iniciativas que aumentem a segurança alimentar, reduzam a pobreza e apoiem a agricultura sustentável.
Também são realizados eventos paralelos como o Rome Water Dialogue e o Global Family Farming Forum, que trataram dos desafios em relação à disponibilidade e uso da água na agropecuária e da agricultura familiar.
Como tudo isso se conecta com a nossa realidade na fazenda? A conexão é total. Em 2024 enfrentamos ondas de calor extremo, longos períodos de seca em diversas regiões do Brasil e enchentes que arrasaram o Rio Grande do Sul. Eventos que não apenas causaram mortes mas também trouxeram perdas enormes para a produção de alimentos.
Será mesmo que conseguiremos sozinhos enfrentar as mudanças do clima? Acredito que há sim um trabalho individual, que é o compromisso com a produção sustentável em nossas fazendas. Porém, os resultados realmente efeitos para o planeta como um todo só serão alcançados por esse sistema “hand in hand”, pela mobilização dos nossos jovens e pela disposição dos diferentes governos, sejam países ricos ou de extrema pobreza, em se ajudar, em colaborar, em prol de um objetivo comum.
O evento contou ainda com discussões regionais. Duas delas com foco em países africanos, uma tratando do “dry corridor” que envolve países da América Central e outra com foco na região amazônica, o que compreende países como Brasil, Colômbia e Bolívia – participei presencialmente desse encontro.
O debate foi sobre a erradicação da pobreza e da fome, principalmente com foco na população que vive na floresta.
Os dados da FAO indicam que 733 milhões de pessoas ainda passam fome no mundo. Além disso, um total de 2,8 bilhões não tem uma dieta saudável.
Enquanto isso, produtores que plantam grãos pelo mundo têm enfrentado o desafio de preços mais baixos e margens quase nulas, devido aos altos custos de produção. Segundo os analistas, no caso da soja, por exemplo, os estoques e produção globais estão superando a demanda.
Por que essa proteína não está chegando a quem passa fome? São perguntas que devem ser respondidas por todos nós e por todos os governantes envolvidos nessa discussão.
O que posso dizer é que foi um grande presente da vida ter tido essa oportunidade de participar do debate, presencialmente, lá na sede da FAO. Estive ouvindo, aprendendo ideias novas e ratificando algumas que já tinha. Me ajuda a sair do lugar comum e seguir pensando cada vez mais nesse mundo que está todo interligado, globalizado mesmo, até nas dificuldades.
Os desafios estão colocados. Entre os principais estão as migrações, as instabilidades políticas e as guerras, que infelizmente seguem avançando no mundo.
O recado da FAO aos países é que sigam redobrando esforços para disseminar boas práticas agrícolas, investindo em ciência e inovação, na conservação do solo de água, com plataformas que ajudem a aumentar a produtividade e erradicar a fome e pobreza, com foco na “comida do futuro” e na sustentabilidade.
O que eu desejo? O mesmo que a FAO. Um futuro sem fome para todos.