Mais uma vez o governo destacou no anúncio do Plano Safra a “vitória” de conseguir disponibilizar um volume recorde de recursos. Nos discursos oficiais, são R$ 516,2 bilhões para agricultura empresarial e R$ 89 bilhões para a agricultura familiar.
A questão é que nem tudo o que parece maior (e melhor), realmente é. Como de costume, após o detalhamento das medidas, analistas de mercado foram a fundo, para destrinchar, afinal, o que é ganho e o que é perda no Plano Safra 2025/2026.
Um dos principais pontos questionados pelos analistas é o “aumento” no volume recursos. Na empresarial, o conjunto das linhas de crédito agora oferece R$ 8 bilhões a mais que o anúncio do ano passado, o que representa 1,5% de aumento.
“Em termos nominais é maior, mas não cobre a inflação”, destacou o economista chefe da Farsul, Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, Antônio da Luz. O IPCA (índice de inflação oficial) acumulado desde o anúncio do último plano é de 5,2%, portanto, bem mais do que o aumento aplicado ao montante das linhas de crédito.
Antônio da Luz lembra ainda que, do volume total, apenas R$ 113,8 bilhões (ou 22% do plano) são os chamados recursos controlados, onde efetivamente há algum desembolso por parte do governo para subsidiar taxas de juros.
“Todo o restante são recursos livres de mercado que não deveriam sequer ser anunciados”, afirmou o economista.
Outro aspecto destacado por ele é que o governo indicou ter aumentado os recursos controlados de R$ 92,8 bilhões para R$ 113,8 bilhões no atual Plano Safra. Porém, essa comparação, considera o que efetivamente foi liberado no último ciclo e não o que foi anunciado pelo governo na cerimônia do ano passado.
Na época, chegou a ser anunciado R$ 138 bilhões nas linhas de recursos controlados, segundo Antônio da Luz, por isso, o atual, momento, representa uma queda em relação ao que se esperava na safra passada.
Para o ex-secretário de política agrícola do Mapa, Ivan Wedekin, a distorção dos números é ainda mais grave.
No powerpoint do Plano Safra do ano passado, o governo anunciou R$ 400,5 bilhões para a agricultura empresarial e mencionou que haveria mais R$ 108 bilhões em emissões de CPRs.
“Estava separado porque CPR não é fonte de recursos do crédito rural oficial, não está lá no sistema do Banco Central”, afirmou Wedekin.
Como na cerimônia de hoje o governo afirmou ter elevado de R$ 508 bi para R$ 516 bi o total do plano, tudo indica que agora resolveu “somar” a CPR no anúncio, engordando os números.
Há outros pontos de atenção. No começo de cada mês, o Banco Central divulga o balanço das operações de crédito rural. Por isso, hoje, 1º de julho, Ivan Wedekin acessou o sistema e conseguiu consolidar o que efetivamente foi financiado aos produtores rurais na safra 2024/2025.
“O valor efetivo aplicado, considerando empresarial e familiar, foi de R$ 360,7 bilhões, o que representa uma queda de 14,3% em relação ao aplicado na safra 2023/24”, contou Wedekin, em entrevista ao AgFeed. O volume fica também abaixo do próprio anúncio do Plano Safra do ano passado.
“Tanto o MDA quanto o Mapa fazem esses planos e comparam com o plano anterior, é um ‘me engana que eu gosto’, comparando uma intenção de agora com a intenção que manifestou no ano passado”, analisou.
O consultor ressalta que, se considerado somente o que foi contratado pela agricultura empresarial no custeio, a queda em relação à safra 23/24 foi mais intensa, de 18%, o que gera preocupações no mercado.
“Isso mostra as dificuldades de contratação do crédito rural, em ambientes de problemas climáticos, preços mais baixos e dificuldades de caixa dos produtores”, disse.
Segundo Wedekin, a perspectiva é que esse quadro se agrave ainda mais na safra 25/26 pelo aumento no custo de capital.
“Uma coisa é começar a safra com 10,5% a.a (de Selic) e agora 15%, o que vai continuar. Essa taxa de 14% (no Plano Safra) vai jogar pra cima todo o custo de barter, em resumo o custo agrícola vai ficar mais caro e é um cenário de maior risco”, ressaltou.
O aumento nos juros também é um ponto de preocupação apontado em análise do sócio diretor da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio, Carlos Cogo.
“As taxas de juros tiveram elevação, tanto para a agricultura familiar como também para a agricultura empresarial, há expressiva redução dos recursos para investimentos e incertezas sobre o volume reservado à equalização, apontando riscos à viabilidade do crédito rural”, alertou Cogo.
As taxas da nova safra variam de 8,5% a 14,0% ao ano nas linhas para médios e grandes produtores, com aumento de 1,5 a 2 pontos porcentuais em relação à temporada passada.
Outro sinal de que o “aumento” não é o que parece, são os valores relacionados a quanto o Tesouro efetivamente desembolsa para subsidiar as linhas de crédito rural.
Segundo Carlos Cogo, os planos da agricultura familiar e empresarial terão o custo de R$ 13,5 bilhões ao Tesouro Nacional. “O custo refere-se à subvenção concedida pelo Tesouro para equalização das taxas de juros dos financiamentos rurais do ano-safra 2025/2026. O montante é 17,5% inferior ao aportado pelo Tesouro na safra passada em meio ao aperto orçamentário do Executivo”, destacou.
Como pontos positivos, os analistas Carlos Cogo e Antonio da Luz destacaram o aumento de 6 mil para 12 mil toneladas nos projetos do PCA, linha destinada a financiar a compra de equipamentos de armazenagem – essa era uma antiga reivindicação do setor.
Eles também viram como benéfico ao setor o aumento de R$ 3 milhões para R$ 3,5 milhões na renda anual que permite o enquadramento como médio produtor, para acessar o Pronamp, uma medida avaliada como “mais inclusiva”, já que poderá ampliar o número de agricultores atendidos.
Carlos Cogo destacou ainda a redução de 0,5 ponto percentual na taxa de juros para produtores rurais alinhados com a sustentabilidade e a inclusão, neste programa, de “práticas como reflorestamento, cobertura do solo e prevenção de incêndios no RenovAgro Ambiental”.
O novo plano tornou obrigatório adotar o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) para todas as operações de custeio.
“Apesar de técnica e necessária, a obrigatoriedade imediata do ZARC em todas as operações acima de R$ 200 mil pode gerar entraves operacionais, especialmente em regiões e culturas com zoneamento ainda limitado ou defasado”, avaliou Cogo.
O consultor mencionou também como pontos negativos os juros elevados, especialmente “em linhas estratégicas como Moderfrota e Prodecoop”, o que impacta na capacidade de investimento em máquinas agrícolas e estruturas nas cooperativas, além da estagnação no volume de recursos do PCA, de armazenagem, que ficou “congelado” em relação ao ano passado.
Ele concorda com a perda no “poder real de financiamento” pelo fato do volume de recursos em geral crescer bem abaixo da inflação e pela alta de juros ter sido “generalizada”. Cogo conclui a análise citando que “o plano avança pouco em mecanismos como financiamento para tecnologias digitais (agtechs, conectividade, IoT) ou adaptação climática”.
Para Ivan Wedekin, outra frustração nos anúncios “é a reiterada miopia dos diversos governos com seguro rural”.
O governo não divulgou qual previsão orçamentária para a subvenção ao seguro rural, além de ter cortado recentemente valores destinados ao programa.
“É um péssimo sinal que se dá pra 17 seguradoras que operam no Brasil, na época que estão já comprando insumos, é uma espécie de quebra de contrato”, afirmou Ivan.
Antônio da Luz afirma que do total de R$ 1 bilhão previsto no orçamento de 2025 para o seguro rural, apenas R$ 67 milhões foram liberados, o que representa 6% do total.
Resumo
- Apesar do aumento de 1,5% no volume de recursos do Plano da Agricultura Empresarial, analistas afirmam que não houve ganho, pois a inflação no período foi de 5,2%
- Valor que será desembolsado pelo Tesouro Nacional para subsidiar taxas de juros deve ser 17,5% menor, segundo o consultor Carlos Cogo
- Especialistas consideram como ponto positivo o aumento na capacidade de armazenagem dos projetos financiados pelo PCA e da renda anual para enquadramento no Pronamp