Brasília (DF) - O governo federal informou hoje a representantes do agronegócio ainda penalizados com o tarifaço de 50% que o diálogo com a Casa Branca, enfim, foi aberto. Até então, as conversas ou eram com representantes do primeiro escalão e com lobbies setoriais norte-americanos, mas sem acesso direto ao presidente Donald Trump
A informação foi repassada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, durante reunião com os setores no Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) nesta segunda-feira, 4 de agosto, em Brasília (DF).
“O ministro afirmou que, pela primeira vez, esta semana tem conversa de lá para cá também. Antes, a conversa era só daqui para lá. Então, tem diálogo e não é mais um monólogo”, relatou ao AgFeed um dos líderes setoriais que participaram do encontro. “O ministro Rui Costa afirmou que, na prática, só a partir dessa semana tem negociações com alguma autorização da Casa Branca”, completou outro participante.
Com a conversa aberta com a Casa Branca, o governo brasileiro tenta ao menos incluir outros setores altamente dependentes dos Estados Unidos na lista de exceções, com tarifas em 10%, como ocorreu com suco de laranja e celulose. Entre os setores estão café, carne bovina, pescados, mangas e mel.
Na reunião de duas horas participaram, além de Rui Costa, outros quatro ministros, entre eles o vice-presidente e titular do MDIC, Geraldo Alckmin, que encabeça as negociações com os Estados Unidos, e o da Agricultura, Carlos Fávaro.
Aos jornalistas, Alckmin afirmou que o Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) aprovou a entrada do Brasil com uma consulta junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre o tarifaço, decisão que cabe ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No entanto, a OMC segue travada pelo próprio governo de Donald Trump, que não indica representantes nos tribunais de apelação e impede que qualquer demanda seja resolvida. Indagado sobre essa questão, Alckmin desconversou. “Nós defendemos o livre comércio e o multilateralismo”.
Paralelamente às ações externas, mantendo as negociações com os Estados Unidos, o governo prepara cinco outras medidas internas para os setores mais sensíveis: abrir novos mercados, com o suporte da Apex que concentrará empenho aos setores mais atingidos; fortalecimento do mercado interno; crédito subsidiado; compras governamentais e a ampliação do Reintegra, de compensação com créditos tributários a exportadores.
“A partir de hoje começa a vigorar o Acredita Exportação, que é um Reintegra de transição às pequenas empresas que exportarem e vão ter de volta 3% do valor exportado. E o pleito do setor empresarial hoje foi estender esse Reintegra de transição para as demais empresas que estão prejudicadas na sua exportação para os Estados Unidos”, explicou Alckmin.
O ministro e vice-presidente não quis cravar uma data, mas ressaltou que as medidas do plano de contingência, quando forem fechadas, serão anunciadas em conjunto, “em questão de dias”. Sem dar um prazo, Alckmin ironizou indiretamente os norte-americanos, que utilizaram o Pix como um dos argumentos para a série de sanções contra o Brasil. “Conosco não tem pré-datado, é Pix, e, na hora que resolver, paga”.
Já o ministro Carlos Fávaro reforçou a elaboração de um plano de contingência pelo governo federal e que, no que cabe à Agricultura, o foco é em regulamentações internas que podem aumentar o consumo de produtos que eram exportados. “Isso gera oportunidades, nós estamos avaliando com a área técnica para anunciarmos juntos”, afirmou.
Nessa linha, o próprio ministro defendeu na reunião, obrigar fabricantes nacionais a ampliarem o uso mínimo de matérias-primas nacionais nos produtos comercializados aqui. Ele citou, por exemplo, o uso de suco em refrigerantes de laranja. Atualmente, o teor mínimo é de 10%, mas, na reunião, Fávaro defendeu mais. Outros participantes citaram como exemplo o uso de leite em iogurtes e até de cacau em chocolates.
Ao lado de Alckmin, Fávaro retomou o discurso da Pasta da abertura de novos mercados - 398 até o momento no atual governo -, bem como a retomada de outros fechados, como forma de minimizar os impactos do tarifaço.
O ministro avaliou que alguns setores importantes estão “na fila para finalizar o protocolo sanitário”, como o caso do pescado para o Reino Unido e para a Comunidade Europeia, e carne bovina para o Japão.
“O Japão já fez auditoria aqui para a carne bovina, então é um processo que a gente vai intensificar para minimizar os impactos”, disse o ministro.
Fávaro citou também o mercado do Vietnã, recém-aberto para carnes bovinas. “É um mercado que a gente buscava abrir há mais de 20 anos e abriu em março e duas plantas frigoríficas se habilitaram. Imagina se a gente se esforçar agora e habilitar 15, 20, 30 plantas frigoríficas?”
Indagado se o setor tem algum plano específico para o café, o ministro da Agricultura disse apenas “vários”, sem especificar. Na reunião, segundo apurou o AgFeed, o presidente do Conselho de Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Márcio Cândido Ferreira, afirmou que, dentro do setor, o café solúvel seria o mais prejudicado com o tarifaço de Trump, porque teria menos mercados para ser escoado.
Ferreira explicou que países como Indonésia e China seriam potenciais mercados ao solúvel, produzido a partir do conilon, mas que esses países impõem altas tarifas para o produto brasileiro e zero para o Vietnã, maior concorrente nosso.
A demanda do Cecafé foi considerada como um exemplo pelos ministros de trabalhos pontuais de negociações com outros países que possam ampliar mercados diante do impasse com os Estados Unidos. Foi sugerido a todos os outros setores que apresentem demandas semelhantes.
Resumo
- O governo brasileiro abriu, pela primeira vez, um canal direto de negociação com a Casa Branca sobre o tarifaço de 50% imposto pelos EUA
- Brasil busca incluir mais setores nas exceções tarifárias e anuncia intenção de acionar a OMC — paralisada pelos próprios norte-americanos.
- Estão sendo preparadas cinco ações emergenciais, incluindo crédito subsidiado, fortalecimento do mercado interno e compras governamentais