Aprovada na Câmara dos Deputados e, agora, em tramitação no Senado, a reforma tributária é defendida como um instrumento de simplificação do enorme emaranhado de impostos, taxas e contribuições que incidem sobre os cidadãos e as empresas brasileiras.

Mas um olhar atento para alguns artigos da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que traz as novas regras do sistema tributário nacional fez com que soassem alertas de entidades ligadas ao agronegócio e advogados.

Pelo menos um deles, o artigo 20, abre brechas que podem, ao invés de controlar o apetite do Leão da Receita Federal, permitir a criação de pequenos leões estaduais com apetite para morder setores específicos, entre eles o agro.

Inserido no texto da PEC já nas deliberações finais da sessão de votação na Câmara, o dispositivo possibilita a criação, pelos Estados, de contribuições que podem incidir sobre atividades primárias, como a agropecuária, é a maior fonte de preocupação.

Este ponto é destacado por Maria Angélica Feijó, assessora técnica do Núcleo Econômico na Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, a CNA. Para ela, a eventual criação destas contribuições pode desestimular a atividade agrícola nos estados, e atingir diretamente as exportações.

“Isso pode criar inclusive um fluxo de transferência de atividades econômicas entre os estados, podendo beneficiar alguns e prejudicar outros. Não é isso que queremos. Nós queremos que o agronegócio estimule a economia de regiões que hoje produzem menos, de maneira geral”, disse Feijó durante debate promovido pelo Instituto de Estudos Jurídicos Aplicados, o IEJA.

A Associação de Comércio Exterior do Brasil, a AEB é ainda mais enfática, ao lembrar que o Brasil é um dos maiores exportadores mundiais de produtos primários e semielaborados, como soja, minério e petróleo, representando cerca de 40% das exportações brasileiras.

“A imposição de novos tributos sobre esses produtos poderia gerar custos adicionais, impactando as cotações no comércio mundial e prejudicando a competitividade e as exportações”, diz a entidade em nota.

O presidente da AEB, José Augusto de Castro, chega a dizer que a eventual criação destas contribuições pode levar o Brasil a uma situação parecida com a vizinha Argentina.

“A Argentina deixou de ser um país reconhecidamente competente na exportação de suas commodities do agronegócio e se tornou um grande importador de soja do Brasil, resultando em perdas significativas para aquele país”, explica Castro.

Ele afirma que é preciso fazer um levantamento detalhado sobre os impactos econômicos da tributação sobre produtos exportados.

“É importante considerar os potenciais impactos negativos na economia brasileira antes de decidir taxar as exportações, uma iniciativa que poucos países subdesenvolvidos se arriscam a tomar. A proposta é anti-reforma e anti-Brasil, indo contra os princípios da reforma tributária de reduzir custos e promover segurança jurídica”, conclui o presidente da AEB.

A discussão em torno de contribuições como essa não é nova e pode causar até a judicialização em torno da reforma. Atualmente, pelo menos 16 governos estaduais já mantêm contribuições semelhantes, cobradas de atividades primárias e revertidas para fundos setoriais que ajudam a custear investimentos.

Uma delas, criada pelo governo de Goiás, é questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que alega que tal cobrança é inconstitucional. O julgamento da questão no STF está suspenso, mas se for retomado e a corte aceitar a tese da CNI, o item que permite a criação de contribuições pelos estados pode nascer já com um carimbo legal contrário.

As contribuições não são o único ponto de dúvida dos representantes do agro. Outra questão levantada por Feijó, da CNA, diz respeito às alíquotas dos impostos que vão substituir os tributos federais, estaduais e municipais cobrados hoje.

“Dependendo das alíquotas que forem praticadas, a carga tributária sobre a cadeia do agronegócio pode até subir, ao invés de diminuir. Vamos ter toda a atenção nisso para a regulamentação”, afirma a técnica da CNA.

A reforma tributária prevê a criação do CBS, a Contribuição Social sobre Bens e Serviços, que substitui os impostos federais como PIS e Cofins. O IBS, Imposto sobre Bens e Serviços, será o tributo cobrado nos âmbitos estadual e municipal.

Feijó questiona ainda a possibilidade de se incluir defensivos químicos agrícolas em uma categoria de tributação sobre itens que prejudicam a saúde da população.

O próprio texto da reforma tributária prevê, no entanto, a inclusão de insumos agropecuários em um regime especial do IBS, com redução de 50% na alíquota. “É preciso saber como será a regulamentação destes itens. Por enquanto, existe esse impasse”, diz Feijó.

Pontos positivos

Para os especialistas, o principal ponto positivo da reforma tributária para o agronegócio é a isenção dos produtos que fazem parte da cesta básica.

Marcos Grigoleto, sócio da área de Impostos da KPMG no Brasil, aponta que a isenção vai contribuir para um aumento de demanda, e portanto, gerar mais valor para o agronegócio.

“Este talvez tenha sido o maior avanço desta reforma tributária, inclusive quando se olha o aspecto social”, diz Grigoleto.

O agronegócio está também na lista de setores que podem ter um regime diferenciado de tributação, com redução de até 60% na alíquota dos novos impostos ou até isenção.

Segundo o texto do relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), essas diferenciações deverão constar da mesma lei complementar que vai definir vários aspectos do IBS e do CBS.

Maior fiscalização

Se por um lado, a reforma tributária traz aspectos positivos para a tributação do agronegócio, Grigoleto chama atenção para o aumento da fiscalização por parte da Receita Federal em 2023.

Segundo a KPMG, a Receita tem uma lista de quase 8.600 Pessoas Jurídicas que terão um monitoramento especial neste ano. Um dos objetivos é “aproximar a arrecadação real da potencial”.

Grigoleto afirma que a Receita fez um planejamento detalhado sobre este monitoramento, inclusive quando se trata de empresas do agro.

“Por exemplo, ela priorizou companhias da cadeia de insumos agrícolas nos estados do Centro-Oeste, onde estão as maiores empresas deste segmento. Na região Sul, priorizou as cooperativas, já que as maiores atuam naquela parte do país”, explica o sócio da KPMG.

O especialista chama atenção também dos produtores agrícolas. Segundo ele, a Receita está mais atenta e exigente na hora de verificar as despesas registradas pelos agricultores pessoas físicas.

Quando o produtor rural pessoa física opta pela declaração completa na hora de prestar contas à Receita, ele pode deduzir algumas despesas, como investimentos em máquinas e até mesmo o custeio da produção, como salários de funcionários.

Grigoleto conta que é comum alguns produtores se utilizarem desta possibilidade para incluir nas deduções gastos que não têm a ver com a produção. “Por exemplo, já houve casos em que o produtor comprou um automóvel e jogou como investimento na atividade”.

Ele afirma que a Receita pode pedir a comprovação de que aquela despesa tem relação direta com a produção agrícola. Se não tiver, a dedução deverá ser excluída do cálculo.

“Na maioria dos casos, é isso que acontece, não há uma punição. Mas se a Receita concluir que houve uma tentativa de burlar o sistema tributário, a multa pode chegar a 100% do imposto devido. Ou seja, o produtor terá que pagar o imposto em dobro”, explica o especialista da KPMG.