Quase toda produção de grãos do Brasil é transportada por caminhões. O problema é que o número de caminhoneiros vem caindo drasticamente, enquanto a idade média da categoria está cada vez mais alta - um grande risco para o agronegócio.
De 2014 a 2024, a quantidade de motoristas caiu 20%: despencou de 5,5 milhões de condutores de caminhão em 2024 para 4,4 milhões em 2024 – 1,1 milhão a menos, conforme levantamento feito pelo Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos).
“De 2018 a 2021, nota-se uma queda constante em relação à quantidade de motoristas disponíveis no País”, explica Mauricio Lima, sócio-diretor do Ilos.
O maior motivo dessa diminuição no total de caminhoneiros é que os mais jovens não querem essa profissão. “Há um envelhecimento dos profissionais enquanto a entrada de novos não acontece”, explica Lima.
Em 2024, a porcentagem de condutores com até 30 anos de idade foi de 4,11%, conforme o levantamento. Enquanto isso, a de condutores com mais de 70 anos foi de 1o%. Quase 60% tem 51 anos ou mais.
O perigo da profissão, a falta de infraestrutura nas estradas, o alto investimento para se comprar um caminhão e o baixo retorno financeiro são alguns dos pontos que afastam a entrada de gente mais nova na categoria.
Isso acontece em outros países também, como na Europa e nos EUA, segundo Lima. Mas no Brasil a situação é pior. Isso porque em outras nações, as distâncias mais longas são feitas por trem ou hidrovias.
O transporte rodoviário só entra na cadeia para ligar à propriedade agrícola ao centro logístico ferroviário ou hidroviário mais próximo.
Aqui, a maioria das rotas é coberta por caminhões. Isso faz com que as viagens que o motorista precisa enfrentar sejam mais longas.
Uma das mais populares é a de Sorriso no Mato Grosso ao Porto de Santos. A rota tem 2 mil quilômetros e leva 27 horas, pelo menos.
“Os novos não querem mais ficar 15 dias longe de casa. Preferem, por exemplo, trabalhar como motoristas de aplicativo, nas cidades”, diz Lima.
Sem retorno
Financeiramente, ser caminhoneiro também não é atraente. Segundo a Ilos, numa rota como a de Sorriso a Santos, paga-se hoje R$ 460 por tonelada transportada. Um caminhão leva de 30 a 50 toneladas.
Esse valor é praticamente o mesmo de 2022: R$ 450 por tonelada. No mesmo período, a inflação acumulada foi de aproximadamente 15% (segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Considerando que um caminhão custa cerca de R$ 1 milhão, deixar o dinheiro investido dá mais retorno do que trabalhar como caminhoneiro.
Investidos numa aplicação de renda fixa que pague 100% do CDI, o total de R$ 1 milhão renderia R$ 10,4 mil ao mês (bruto, antes de impostos e taxas).
“Nominalmente, o caminhoneiro pode até ganhar mais. Mas se considerarmos a depreciação do veículo dele, ele fica no zero a zero. Em dez anos, o veículo tem que sair da estrada, já estará totalmente desgastado”, diz Lima.
Com viagens menores isso não aconteceria. “Viagens muito longas saem caro para empresa que precisa transportar o produto e baratas demais para quem dirige”, explica Lima.
Preocupação para o agro
Hoje, 96% do transporte doméstico de commodities agrícolas, como soja, café e milho, é feito por caminhões, segundo dados da Comissão Nacional de Logística e Infraestrutura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
As empresas já sentem a falta de caminhoneiros, conforme apontaram debatedores em painel "360° da cadeia de grãos no Brasil, do campo ao porto", no evento TheNewAgro, produzido pela Grão Direto, na terça-feira, 21 de outubro, em São Paulo.
“Ainda não enfrentamos falta de caminhoneiros, mas já já isso pode acontecer”, diz Julio Cesar Candido Lopes, gerente de mercado de dados da goFlux, plataforma digital de cotação, contratação e gestão de fretes rodoviários.
Gustavo Schueroff, gerente de originação e planejamento de grãos e oleaginosas da trading Louis Dreyfus concorda. “Para mim, esse é um dos gargalos que mais preocupa o setor agora”, afirma ele.
Investir em ferrovias para encurtar as viagens que precisam ser feitas de caminhão é urgente, segundo Schueroff.
O governo federal desenvolve atualmente o Plano Nacional de Ferrovias do Ministério dos Transportes prevê investimentos de R$ 138,6 bilhões que envolvem ao todo 18,8 mil quilômetros de extensão. No entanto, não há data ainda para o lançamento.
Focar na formação de novos profissionais também seria uma saída. Mas isso só aconteceria com uma grande mudança no setor: hoje, 70% das empresas, segundo Lopes, da goFlux, têm menos de 5 funcionários. Ou seja, são pequenas companhias, muitas vezes formadas apenas pelo motorista e seu caminhão, que trabalha como autônomo.
“É um setor muito pulverizado. Dessa maneira, as empresas, por serem pequenas, não teriam como investir em formação de mão de obra. Teria que haver uma concentração maior, a formação de companhias maiores que captassem mais investimentos e aplicassem mais em educação profissional”, explica o executivo.
Resumo
- Levantamento do instituto Ilos mostra que o número de caminhoneiros caiu 20% entre 2014 e 2024 no Brasil
- Estudo mostra envelhecimento da categoria: apenas 4% têm menos de 30 anos, enquanto 10% têm mais de 70
- Com 96% das cargas agrícolas transportadas por caminhões, o déficit ameaça o escoamento; especialistas pedem mais ferrovias e formação profissional