Quando o paulista Luiz Calvo Ramires chegou em Mato Grosso do Sul em 1973 nem o estado existia – sim, porque somente em 1977 houve a separação de Mato Grosso, em dois estados diferentes.
Nesta época, havia incentivos do governo federal para que famílias deixassem as regiões Sul e Sudeste e partissem para o Centro-Oeste, iniciando algum tipo de cultivo, sendo um deles, o plantio de florestas.
"Era um incentivo fiscal para plantar florestas e fazer com que fossem construídas indústrias de celulose, para substituir as importações na época. Isso estava no plano de desenvolvimento do ministro Reis Velloso”, conta Ramires.
Foi assim, há 50 anos, que ele montou a empresa que guarda, até hoje, seu sobrenome. O plano de Velloso nunca foi concretizado. Todos os demais pioneiros deixaram o negócio. Só a Ramires resistiu para assistir, cinco décadas depois, à chegada de megaprojetos de papel e celulose à região.
Os incentivos, nos primórdios dos grupos florestais, eram atrativos. Os empresários podiam usar 50% dos impostos que tinham a pagar para investir em projetos florestais e cultivo de frutíferas.
O plano oficial era garantir o plantio de 500 mil hectares de florestas, mas somente 300 mil foram efetivamente cultivados.
"Do total que era previsto, 10% da área, 50 mil hectares, foi meu pai que plantou”, afirma Luiz Ramires Júnior, hoje no comando da empresa e também presidente da Reflore MS, entidade que representa as indústrias do setor de florestas plantadas no estado.
Esperava-se que três grandes indústrias de papel e celulose fossem instaladas nas regiões dos atuais municípios de Três Lagoas, Água Clara e Ribas do Rio Pardo.
O problema é que, então, apenas uma realmente começou a operar. Na década de 1980, com o Brasil pedindo moratória para sua dívida externa, os grupos internacionais cancelaram os investimentos.
"Das 37empresas florestais que haviam sido criadas aqui, apenas a Ramires permaneceu, todas as outras fecharam”, conta o fundador.
Como isso foi possível? Curiosamente, foi a crise energética da época, a dificuldade das indústrias em obter o óleo combustível que alimentava as caldeiras, que acabou trazendo uma oportunidade.
Luiz Ramires (pai) procurou a Nestlé e sugeriu que utilizasse madeira em suas caldeiras. A multinacional gostou da ideia e passou a usar esta biomassa nas unidades de Araçatuba e São Carlos, ambas no interior de São Paulo.
O período de dificuldades se estendeu ao longo da década de 1980. A Ramires tinha muita madeira e pouca demanda.
Conseguiu, então, "se reinventar" mais uma vez. Viabilizou a produção de carvão vegetal e, durante um tempo, exportou o produto para a Europa, via porto de Paranaguá, abastecendo indústrias de ferro e silício, principalmente da Noruega.
Outro “baque”, segundo os Ramires, foi o Plano Real, quando a moeda brasileira se valorizou em relação ao dólar. "Perdemos 15% em função da taxa de câmbio, mas tínhamos que cumprir os negócios de exportação", destaca Ramires Júnior, que assumiu o comando da empresa nesta época, em 1996.
Ele conta que outro fator que segurou as finanças da empresa durante um tempo foi o fato de ter mantido uma área com pinus – na época, havia demanda das serrarias pelo produto. Isso ajudou até o início da década de 2000.
Anos depois, seriam retomados os projetos industriais e também as parcerias com siderúrgicas. Dessa forma, a Ramires foi voltando a plantar, chegou a cerca de 8 mil hectares por volta de 2010.
O maior salto do setor, porém, ainda estava por vir. Em 2014 a empresa passou a se chamar Ramires Reflortec, quando ganhou um sócio internacional, o Forest Investment Associates (FIA), um fundo americano, que hoje detêm 49% das ações da empresa.
E os dias de crescimento voltaram com força, compensando o esforço de sobrevivência ao longo de décadas.
Expansão com a Suzano
No dia 18 de setembro, em Campo Grande, seu Ramires foi homenageado na abertura do encontro da IUFRO, organização internacional de pesquisas voltadas ao setor de florestas, pelos 50 anos de contribuição ao setor florestal – e por ser o único a ter participado do início da atividade no estado até chegar nos tempos de expansão que o segmento mais uma vez demonstra em Mato Grosso do Sul.
"Ao longo destes 50 anos, a Ramires já plantou 150 mil hectares de florestas, em diversos ciclos, passamos por muitas dificuldades, mas foi uma empresa desenvolvida com muita garra", destacou o homenageado.
Atualmente a Ramires trabalha em todas as etapas da floresta, desde a produção de mudas, passando pelo desenvolvimento genético, até a produção da madeira.
A maior parte da receita vem da venda da “madeira em pé”, ou seja, gigantes como Suzano e outras indústrias de papel e celulose, compram o produto, mas elas mesmas fazem o trabalho de corte e transporte do eucalipto até as fábricas.
A empresa conta com 17 mil hectares de florestas cultivadas, todas em áreas arrendadas, e chegará a 20 mil hectares até o fim de 2024.
A atividade hoje é bem mais segura porque os contratos são fechados antecipadamente, com demanda garantida. Os investimentos feitos nos últimos anos se transformam em receita a partir da colheita, que começa em 2026 e vai até 2032, neste ciclo.
Para uma "safra" como essa, foram investidos cerca de R$ 300 milhões e a expectativa é alcançar uma receita de até R$ 650 milhões, segundo Ramires Júnior.
"Antigamente até se plantava com algumas parcerias, mas boa parte era com risco, e num certo período, os preços se mantiveram, sem nenhum reajuste, por 10 anos, entre 2010 a 2020", conta.
Ele diz que a Ramires Reflortec dobrou a área cultivada em função da nova fábrica da Suzano, em Ribas do Rio Pardo, que é justamente a região em que sempre atuou.
"A Ramires era um fornecedor de 2 milhões de metros cúbicos e vai passar a ser de 5 milhões de metros cúbicos, para atender 15% da necessidade da Suzano por um período”, revela.
Tudo indica que o crescimento está só começando. Ramires Júnior diz que ainda há espaço para plantar mais 10 mil hectares nos próximos dois anos e a intenção é ter outros clientes, para “diluir o risco”.
"O mercado de mudas de eucalipto também é um grande gargalo”, diz. “Não é possível trazer da China e demanda tempo. Investimos em viveiros no ano passado e, com isso, temos disponibilizado mudas para o mercado, inclusive para a Suzano", afirma.
A empresa também espera se beneficiar dos investimentos recentes em Mato Grosso do Sul na produção de etanol, que demanda madeira para gerar energia.
“A Cerradinho está investindo em florestas em área vizinha, mas é caro para eles plantarem lá. Por isso, estão vindo para as nossas áreas. Acredito que, depois da celulose, a energia seguirá como segundo consumidor da madeira e vai continuar crescendo", disse o empresário.