Cerca de US$ 700 milhões (mais de R$ 4,2 bilhões no câmbio atual) recebidos de investidores, entre eles pesos pesados como o Breaktrough Energy Ventures, de Bill Gates, o fundo Temasek, de Singapura, Bunge Ventures, Monsanto Ventures, e DCVC. Valor de mercado estimado em US$ 1,7 bilhão (cerca de R$ 10,2 bi), com status de unicórnio do agro.

Para quem não conhece, números e nomes envolvidos ajudam a apresentar a Pivot Bio, agtech que tem conseguido se destacar em várias frentes no mercado americano de insumos biológicos.

Certamente serão úteis para fazê-la conhecida também no Brasil, onde a empresa desembarcou silenciosamente no ano passado e agora se prepara para, finalmente, fazer barulho.

A companhia ganhou notoriedade lá fora por prometer, com o uso de microrganismos geneticamente modificados, ajudar a reduzir em cerca de 20% o uso de fertilizantes nitrogenados sintéticos em culturas como a de milho, algodão, trigo e sorgo, entre outras.

Em apenas cinco safras, viu seus produtos serem utilizados em 5% das lavouras de milho dos Estados Unidos e passou a ser vista como uma potencial vencedora na corrida da agricultura sustentável – ao substituir parte dos fertilizantes, ajuda a brecar a principal fonte de emissões de carbono do setor.

O discurso, assim, soou bem nos ouvidos de muitos investidores que buscam empresas capazes de gerar dinheiro e impacto positivo ao planeta ao mesmo tempo. E também ecoou na mídia americana, que ofereceu generosos espaços à startup.

Apenas nas últimas semanas, a Pivot Bio foi protagonista em uma reportagem no The New York Times, foi incluída em uma lista de climate techs promissoras pela MIT Technology Review, publicação do conceituado Massachussets Institute of technology, e teve sua plataforma de comercialização de créditos de carbono incluída em uma lista de melhores invenções do ano pela revista Time.

A chegada ao Brasil coloca a agtech, agora, diante de um novo desafio: vai conseguir, fora de casa, a mesma repercussão que obteve em território americano?

A estreia por aqui será a primeira parada de um processo de internacionalização da companhia, um teste importante para entender a sua capacidade de escalar os negócios.

“Dentro do plano de expansão internacional da empresa, o Brasil foi eleito o primeiro local”, afirma Márcio Farah, diretor geral da Pivot Bio no País, em entrevista ao AgFeed. “Isso acontece pelo nosso potencial agrícola como um país de diferentes culturas, de múltiplos cultivos por ano”.

Farah tem trabalhado de forma discreta no Brasil há mais de um ano. Durante boa parte desse período, toda a estrutura da empresa no País estava concentrada nele, que atuava como um “fundador de startup”, como se define.

Ele cuidava de cada detalhe, desde as coisas mais básicas, como abrir CNPJ ou conta em banco, até os contatos com potenciais clientes e parceiros na montagem das primeiras áreas para os ensaios oficiais voltados para o registro dos produtos da empresa no País.

Foram cerca de 30 campos de teste cultivados em propriedades pertencentes a alguns dos maiores produtores de milho do País, a maior parte deles no Centro Oeste.

Em alguns desses campos, foi necessária até autorização especial do Ministério da Agricultura para a utilização de um produto ainda sem registro em áreas grandes, entre 20 e 50 hectares, bem maiores do que as utilizadas regularmente para testes desse tipo.

Os primeiros ensaios tiveram como foco as culturas de milho, algodão, sorgo e trigo. “Ao final, colhemos esses ensaios, preparamos todo o dossiê técnico e entramos com o processo de registro”, conta Farah.

“A gente está finalizando nesse momento a jornada do registro do produto, está caminhando aí para o final”, diz. A expectativa da empresa é passar a comercializar seus produtos no Brasil nos primeiros meses de 2025, ainda em tempo do plantio da safrinha de milho.

O primeiro produto a obter registro é o Proven, aplicado no sistema de tratamento de sementes para a cultura de de milho. O plano da empresa é, na sequência, buscar uma extensão de rótulo para o algodão.

Somente depois, a empresa deve lançar um segundo produto, chamado Return, voltado para grãos pequenos – no caso do Brasil, sorgo e trigo, no primeiro momento.

Início com pé no chão

Farah aguarda com ansiedade, agora, a liberação dos registros para poder tratar da operação comercial da Pivot Bio. Nas últimas semanas, a empresa anunciou as primeiras três contratações para a equipe que o executivo comandará no País.

São todos profissionais experientes e com vivência no mercado de insumos agrícolas brasileiros, assim como o próprio Farah, que antes de ser recrutado pela agtech teve passagens por grupos como FMC, Syngenta, Monsanto, Bunge e Du Pont.

“Nós estamos completando o quadro com dez pessoas agora. Lá nos Estados Unidos, temos mais de 400 funcionários. Aqui, estamos montando uma estrutura para iniciar as operações”, diz.

“É a equipe que vai dar suporte para trazer esse produto para o Brasil, continuar o desenvolvimento de mercado. Estamos priorizando o trabalho de campo”.

Os preparativos para o dia 1 estão avançados. “A produção destinada ao mercado brasileiro já está preparada lá nos Estados Unidos, está devidamente armazenada, aguardando a autorização para ser embarcada”, conta.

A princípio, todos os produtos a serem comercializados aqui serão importados da matriz. No Brasil, a Pivot Bio já tem também uma infraestrutura pronta à espera dos bioinsumos da empresa, com armazéns contratados, filiais abertas e toda parte de infraestrutura legal necessária para operar.

Para conservação ideal, os microrganismos exigem logística fria até o manejo final para o uso, que é feito na própria fazenda, com a diluição do produto, que vem na forma de pó, em óleos desenvolvidos especificamente para esse fim.

A importação será feita por via aérea e parte dos percursos internos também. Isso não deve, segundo Farah, gerar problemas no custo final do produto, uma vez que os volumes são relativamente pequenos, principalmente quando comparados aos de fertilizantes usados nas lavouras.

“O kit para a aplicação em 50 hectares cabe numa caixa de sapatos”, afirma.

Bactérias modificadas

Segundo Farah, os dois produtos fazem parte do que, nos EUA, a companha chama de segunda geração de soluções da Pivot Bio, empresa criada em 2011 por dois pesquisadores, de áreas diferentes, que faziam seus estudos para PhD na Universidade da Califórnia em Berkeley, no coração do Vale do Silício.

Karten Temme e Alvin Tamsir, juntos, passaram a analisar a capacidade de bactérias presentes no solo de absorver o
nitrogênio do ar e transformá-lo em amônia, que é o composto através do qual as plantas conservem processá-lo.

A questão é que esse processo acontecia em uma escala muito pequena e eles decidiram desenvolver forma de estimular as bactérias a absorver nitrogênio em taxas maiores.

Com investimento da própria universidade, eles criaram a empresa e passaram a trabalhar com técnicas de edição gênica para atingir seus objetivos.

Assim, através desse trabalho de melhoramento genético, conseguiram fazer com que a capacidade metabólica dessas bactérias aumentasse exponencialmente.

Foi uma longa jornada até que os estudos resultassem em um produto comercial. Isso aconteceu apenas em 2018, com sua primeira geração de “bactérias” sendo aplicadas no sulco onde foram lançadas as sementes cultivadas na safra americana de milho de 2018/2019.

A segunda geração foi lançada em 2021 nos EUA, já com uma evolução tecnológica, como um produto para tratamento de sementes, “já com uma taxa de substituição maior de fertilizantes”, de acordo com Farah.

“É esse mesmo produto que vem aqui para o Brasil”, diz ele. Nos Estados Unidos, segundo a empresa, a redução média no uso de fertilizantes sintéticos, após cinco safras cultivadas, está na casa dos 45 quilos por hectare.

“Aqui no Brasil, nas nossas condições tropicais, a gente observou que o produto tem um potencial de substituição em torno de 30 quilos por hectare”, afirma Farah.

O desempenho diferente do verificado nos Estados Unidos já era esperado. Como as bactérias geneticamente editadas são organismos vivos, seu comportamento tende a variar dependendo das condições de solo, temperatura e até de manejo nas propriedades.

Nos EUA, conta Farah, as sementes são lançadas em um solo que acaba de sair da temporada de inverno, que em muitas áreas ficou congelado. No Brasil, será plantado no verão, na safrinha, com temperatura de soli de mais de 25 graus.

“A gente teve performance de produto esperada e, ao mesmo tempo, tivemos uma curva de aprendizado, não só no campo, como ao longo de toda a cadeia do produto. Como receber, como condicionar, como levar o produto para o last mile, a entrega na fazenda...”

No trabalho junto aos produtores do Centro-Oeste do Brasil foi feita uma simulação da operação real de produção. ‘’É bem diferente de fazer uma parcela experimental, em uma estação de pesquisa, em meio controlado”, afirma.

Por ter termos de confidencialidade assinados, Farah não pode revelar quem foram os produtores a testar os produtos da Pivot Bio. Ele garante, entretanto, que priorizou os 30 maiores plantadores de milho do Brasil.

Esses mesmos produtores devem estar entre os primeiros clientes da empresa, acredita. O modelo comercial na primeira fase da Pivot Bio no Brasil será o da venda direta aos agricultores, sem passar por distribuidores.

Apesar dos benefícios ambientais, o discurso de venda deve privilegiar aspectos econômicos, deixando em segundo plano a questão da economia do que a questão da redução de pegada de carbono.

“O agricultor brasileiro é profissional, faz conta. Então, temos consciência que a solução obrigatoriamente tem que trazer uma redução de custo, custo na aquisição do produto e custo na redução operacional do trabalho”, diz Farah.

Segundo ele, os testes realizados permitem demonstrar vantagens nesse sentido, embora ele tenha preferido não disponibilizar dados a esse respeito.

Ao invés disso, ressaltou outro benefício observado em estudos feitos sobre a utilização dos produtos da empresa nos EUA. Segundo ele, por usar o sistema de tratamento de sementes, os microrganismos se fixam nas plantas, evitando desperdícios que ocorrem com a aplicação de fertilizantes.

Com isso, a eficiência da absorção de nitrogênio é maior e, por consequência, haveria um ganho de produtividade. Nos EUA, segundo ele, teria havido um incremento de 6 sacas de milho por hectare.

Olho no carbono

“É esse trabalho contínuo de pesquisa e desenvolvimento a razão principal de termos recebido talvez um dos maiores tickets de investimento do agronegócio em quatro rodadas”, afirma Farah, referindo-se ao apetite de fundos de venture capital e de impacto pela empresa.

A mais recente das captações, feita em 2023, resultou em impressionantes US$ 430 milhões (mais de R$ 2,5 bilhões) em aportes para o caixa da companhia – e aqui, sim, o apelo da redução das emissões é fortíssimo.

“Nós acreditamos muito que nós podemos reduzir significativamente a dependência do fertilizante, do nitrogênio sintético”, afirma.

A startup utiliza atualmente em suas pesquisas, no laboratório em Berkeley, ferramentas de inteligência adicional para identificar novos microrganismos com ainda maior potencial de fornecimento de nitrogênio às plantas, o que permitiria ir além da atual taxa de redução no uso da amônia sintética.

Em outra frente, a Pivot Bio tem propagado bons resultados também no programa N-Ovator (lê-se inovator, ou inovador), baseado em uma plataforma que se propõe a unir duas pontas do mercado de carbono: as empresas que precisam compensar suas emissões em excesso e produtores rurais que, por terem reduzido sua pegada de carbono, tem créditos a negociar.

Uma espécie de “Tinder do carbono”, como compara Farah, a plataforma permite que o produtor registre suas operações, calcule os créditos e ofereça ao mercado, tudo no mesmo local.

Empresas como Nestlé e Heineken, por exemplo, já aderiram ao programa, que em 2023 movimentou cerca de US$ 6 milhões em pagamentos a produtores que substituíram 16,5 mil toneadas de fertilizantes por produtos biológicos.

O valor ainda é modesto diante do potencial de créditos a serem gerados na agropecuária, mas a funcionalidade da plataforma tem chamado a atenção de especialistas – ela foi listada entre as melhores invenções do ano pela revista Time, por exemplo.

A Pivot Bio pretende trazer essa ferramenta ao Brasil ainda em 2025. Segundo Farah, a empresa já está trabalhando para adaptar a calculadora de créditos para o manejo tropical das lavouras brasileiras, juntamente com especialistas locais.

“Aqui tem cultivo em cima de cultivo, a fertilização é diferente, o tipo de solo é diferente. A fertilidade, no final, é diferente. Tudo isso precisa ser considerado dentro dessa calculadora para que ela possa, obviamente, medir qual é o tamanho do impacto dessa substituição”, explica.

E, é claro, o impacto do projeto de internacionalização da empresa, que começa agora, pelo Brasil.