Matão (SP) - De cada quatro copos de suco tomados no mundo, três são originados de laranjas brasileiras. Nessa mesma conta, um copo é produzido pela Citrosuco.
A empresa brasileira, controlada pelo grupo Votorantim, é uma gigante global do segmento e, como tal, está atenta aos principais desafios da sua indústria, como a incidência do greening, doença que reduz a produtividade em pomares no mundo todo, as mudanças climáticas e as novas dinâmicas de mercado.
É a partir deles que a companhia, liderada há quase dois anos por Marcelo Abud, ex-CEO da Lavoro e que fez carreira na Ambev, começa a ditar seu ritmo para os próximos anos.
O executivo e sua equipe contaram parte dos planos da Citrosuco a jornalistas durante uma visita à fazenda Entre Rios, primeira propriedade do grupo, e a fábrica de Matão, a maior do mundo em produção de suco.
E eles demonstram que o futuro dos negócios da empresa está cada vez mais em geografias mais distantes da cidade paulista onde tudo começou, seja na produção de laranjas, seja na busca por novos empreendimentos associados a elas.
A Citrosuco não divulga balanços financeiros e operacionais, mas Marcelo Abud pontuou, durante a visita, que a empresa deve encerrar a safra 2023/2024 com um faturamento acima dos US$ 1,5 bilhão, recorde para a companhia.
A empresa possui cerca de 60 mil hectares plantados de área própria – a área total de pomares voltados ao fornecimento de suas unidades chega a 130 mil hectares quando consideradas as propriedades dos mais de mil produtores parceiros da empresa.
São 26 fazendas próprias, que contam com 5,3 mil empregados fixos (o número sobe para 12 mil na época de safra). A produção atual fica em torno de 900 caixas de aproximadamente 40 quilos de laranja por hectare.
Depois que deixa as fábricas, 95% da produção é vendida para fora do País e encontra como seus principais clientes marcas como a Tropicana, a PepsiCo e a Coca-Cola. No Brasil, um dos clientes de maior destaque é a Natural One.
No ano passado, as exportações de suco de laranja geraram ao país cerca de US$ 2 bilhões com mais de um milhão de toneladas vendidas, segundo dados do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária).
A diáspora da laranja
Um movimento de uma empresa como esta, portanto, tem impactos em todo o mercado. Com o greening, doença causada por uma bactéria e transmitida pelo inseto psilídeo, se alastrando pelos pomares do interior de São Paulo, região responsável por 80% da produção nacional, grandes grupos buscam alternativas para produzir em regiões ainda não infectadas.
A Citrosuco, assim, tem olhado para outras regiões e feito cálculos. Recentemente, comprou uma fazenda na região sul de Minas Gerais, próximo de onde já possuía uma outra propriedade.
Tomás Balistiero, diretor de operação (COO) da Citrosuco, pontua que essa é uma tendência do setor para o próximo ciclo de cultivo de laranja, que deve se prorrogar nos próximos 20 anos.
“Há uma saída para outras regiões e novas fronteiras. Temos nossa área no sul de Minas e vemos o setor com movimentos públicos de ir para o Centro-Oeste”, diz.
A concorrente Cutrale, por exemplo, anunciou que investirá R$ 500 milhões para implantar um pomar de 5 mil hectares no Mato Grosso do Sul. Com sede em Araraquara (SP), a empresa produzirá laranjas no município de Sidrolândia, vizinho à capital Campo Grande, a mais de 800 quilômetros de sua fábrica.
Balistiero pontua que a Citrosuco “avalia oportunidades no Brasil inteiro”, mas essa diáspora produtiva traz alguns desafios. O primeiro ponto, no caso da empresa, é que como possui uma produção vertical - possui fazendas, indústrias, armazenamento, portos e navios -, um pomar muito distante das plantas de produção de suco pode trazer dificuldades logísticas.
Segundo ele, quando o pomar fica além de um raio de 300 ou 400 quilômetros da fábrica, a situação fica mais complicada, já que a distância, além de custos, impacta na qualidade dos frutos.
“Imagine um clima muito quente com uma fruta colhida a 500 quilômetros de distância da fábrica. O tempo de colheita e de viagem já alteram como a fruta chega na fábrica”, cita. No Mato Grosso do Sul, diz, há um desafio adicional, que é o clima mais quente que o do interior de São Paulo.
Distanciar-se do greening, porém, é uma forma de proteger-se de uma doença que ainda não tem cura, apenas prevenção. Um pomar pode ser contaminado caso algum vizinho próximo tenha incidência da bactéria e focos de psilídeos.
Com isso, quanto menos “vizinhos” uma fazenda tem, maior a chance de um ciclo sem problemas. Segundo o COO, um raio de 10 quilômetros entre fazendas já é suficiente para evitar contaminação.
Buscar áreas em outras regiões mais distantes, assim, é uma solução momentânea para o problema, que não acarreta, entretanto, desistir da produção no chamado cinturão citrícola brasileiro, concentrado em São Paulo e Triângulo Mineiro.
A empresa acredita que os próximos 20 anos devem marcar o ciclo de diversificação de cultivos do cítrico, mas depois disso a tendência, de acordo com Balistiero, é acelerar novamente o plantio nas regiões originais.
“É uma região onde o cultivo é tradicional e relevante. Não conseguimos sair totalmente daqui, pois toda estrutura logística e física de fábrica está aqui. A tecnologia está absolutamente consolidada aqui”, afirmou, referindo-se à necessidade de adaptar também as cultivares para o plantio em ambientes com climas e solos diferentes.
Por esse motivo, além de olhar para fora, a empresa tem investido no combate ao greening também dentro da porteira. Uma solução biológica encontrada nos laboratórios da Citrosuco foi através do controle com a tamarixia, um inseto ainda menor que o psilídeo e que atua como seu inimigo natural. Além disso, a empresa usa e recomenda aos produtores parceiros uma rotação de inseticidas, para evitar que os insetos se tornem resistentes.
O greening chegou no Brasil por volta de 2005. Segundo o COO, o País adotou uma estratégia diferente dos EUA, que gastou bilhões para encontrar uma cura. Por aqui, foi feita uma estratégia de atacar o vetor da doença. “Hoje ela é uma doença controlada no Brasil”, afirmou.
Ainda assim, está presente em 38% dos pomares no estado de São Paulo e com tendência de ampliação de seus impactos.
Tecnologias de monitoramento também têm sido estratégicas no controle da doença, além de melhorar a gestão dos pomares. A Citrosuco cita parcerias com duas agtechs. A primeira é a Solinftec, que instalou telemetria em toda frota de máquinas do grupo.
A segunda é a israelense SeeTree, que atua com drones, satélites e estudos de campo para coletar dados e gerar para produtores, em um software, os melhores insights para o manejo das culturas de árvores.
A Citrosuco é, inclusive, investidora da SeeTree e participou da última rodada de captação da startup, que levantou US$ 17,5 milhões.
“Já são 17 voos da SeeTree em quatro anos de parceria e isso nos traz um histórico de sanidade e de performance de cada árvore”, conta Tomás Balistiero.
O software da empresa, além de trazer um mapeamento aéreo completo dos laranjais, recebe dados dos trabalhadores do campo para dar mais informações sobre rastreabilidade e monitoramento.
"Quando temos dados do campo, contando com os dados capturados via drones e satélite, combinados com dados agrícolas, damos foco ao rendimento em si e podemos otimizar os insights", afirmou Israel Talpaz, CEO da SeeTree, em entrevista recente ao AgFeed.
As metades da laranja
De cada laranja que chega a uma fábrica da Citrosuco, 49% são transformados em suco,, seja concentrado (FCOJ) ou natural (NFC). Mas praticamente tudo se transforma em receita.
A outra metade tem destinos diversos: 46% viram o chamado CPP, composto utilizado para ração animal, 1,5% é transformado em óleo, 1,5% em polpa e o restante segue ára a produção de essências e o chamado D-limoneno, um outro óleo, mas advindo do bagaço.
Os ganhos com esses subprodutos ainda são tímidos frente ao core business da empresa, que é a produção e venda de suco. Contudo, na visão de Marcelo Abud, o futuro pode inverter esse jogo.
Ele cita que há uma tendência no mercado consumidor para migrar para produtos mais saudáveis e que essa “onda de saudabilidade” deu força para o consumo de alimentos naturais e ricos em vitaminas, principalmente após a pandemia de Covid-19. Ao mesmo tempo, a preocupação com o consumo de açúcar se mantém em alta.
A Citrosuco entende que pode surfar melhor essa onda, investindo no mercado de ingredientes naturais. A empresa criou, no final de 2022, a Evera, uma startupo que segundo Flávia Escobar, gerente de desenvolvimento de produtos e aplicações, tem como objetivo “desbravar a segunda metade da laranja e dar um destino mais nobre a ela”.
Nas palavras do próprio Marcelo Abud, a Evera é uma empresa que “trabalha no futuro, olhando tendências para substituir moléculas sintéticas por naturais”. Além de óleos e essências, atua com fibras e na produção de aromas naturais para outros sucos e bebidas.
“O tamanho do mercado da Evera é de mais de US$ 40 bilhões globalmente. Não temos a capacidade de sermos líder em todas as frentes, mas é um mercado maior que o da Citrosuco hoje”, afirma Marcelo Abud. Só nos EUA, diz, a indústria de “base natural” é maior do que US$ 10 bilhões.
O mercado global de ingredientes de alto valor agregado cresce em um ritmo de dois dígitos por ano, estima Abud. O principal motor de tudo isso ainda são óleos e essênciass destinados às indústrias de alimentos e bebidas.
A Citrosuco afirma ter investido, durante alguns anos, quase US$ 10 milhões em pesquisas, desenvolvimento e na estrutura inicial de produção. Hoje, em pouco mais de um ano, o negócio já representa 8% do faturamento total da Citrosuco – o que corresponderia a US$ 120 milhões.
A Evera já é uma multinacional. Possui uma fábrica em Tampa, na Flórida, adquirida no ano passado, para acelerar seu processo de desenvolvimento e pesquisa. Abud conta que a empresa tem feito testes com companhias de grande porte do segmento alimentício para lançar produtos funcionais à base de laranja.
“Um consumidor que busca uma bebida sem adição de açúcar e que tenha, por exemplo, magnésio, pode encontrar um produto que tenha a base natural da laranja acrescido desse elemento”, exemplifica.
De olho no crédito verde (e no de carbono)
Outro ponto cada vez mais estratégico nos negócios da Citrosuco tem sido a adoção de práticas voltadas ao universo ESG. Seja no manejo dos pomares, seja em políticas de diversidade em seus quadros, as ações da companhia trazem o benefício adicional de gerar oportunidades financeiras que até pouco tempo não eram exploradas.
Nesse sentido, Marcelo Abud revela que a Citrosuco deve, até o ano que vem, ter toda sua dívida atrelada a créditos verdes, sejam com metas de sustentabilidade ou de governança. Atualmente, são pouco mais de US$ 300 milhões em covenants com essas garantias.
A última operação do gênero, de US$ 100 milhões, foi captada junto ao Bradesco e dentre as seis metas socioambientais estipuladas está a de alcançar uma representatividade de 27% de mulheres e negros em cargos de liderança até 2027.
Sem abrir o total da dívida da empresa, Abud afirma que a Citrosuco deve se lançar em outros produtos para além do mundo bancário, como emissão de títulos verdes próprios no mercado.
De acordo com Abud, esse dinheiro captado deve ser usado para reinvestir no negócio, seja para crescer, melhorar o manejo ou investir em alguma parte da operação.
Segundo Clauber Andrade Souza, diretor jurídico e de sustentabilidade da Citrosuco, os compromissos ambientais estão ligados à redução de emissão de carbono, que deve baixar 30% até 2030. Além disso, a empresa possui uma meta de ter todas suas frutas vindas de terceiros com certificações de boas práticas.
No carbono, a empresa tem dado seus primeiros passos do outro lado. Numa entrevista dada ao AgFeed no ano passado, a empresa disse que cogitava entrar no mercado de créditos de carbono.
Orlando Nastri, head de ESG da Citrosuco, diz que a empresa remove cerca de 400 mil toneladas de carbono por ano em seus pomares próprios. “A Citrosuco é parte da solução do problema”, afirmou.
Atualmente, a empresa está em discussão com empresas que atuam no ramo para desenvolver uma parceria, implementar práticas e atuar oficialmente no mercado. A ideia é estar vinculado a plataformas internacionais como a Verra.
“Isso pode ser uma alavanca de valor e contribuir para a agenda de descarbonização. Mesmo se não comercializarmos créditos de carbono futuro, podemos abater isso da nossa própria meta de descarbonização. É um mar de oportunidades que desbravamos”, afirma Nastri.