"O leilão da Conab é o “galho” que a gente tem para se segurar. Não é o que a gente gostaria, mas é o que temos."
Franco em suas palavras, é assim que o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande do Sul (Federarroz), Denis Dias Nunes, resume ao AgFeed a situação atual dos arrozeiros gaúchos.
Responsáveis por cerca de 70% da produção nacional do cereal, eles sofrem com a queda de cerca de 42% dos preços em um ano, após uma “super oferta” que trouxe estoques cheios e dificuldades de pagar os custos de produção.
Nesse contexto de crise, portanto, a saída possível sugerida pela Federarroz – ainda que não seja a ideal, segundo a federação – é de que os produtores gaúchos façam adesão ao leilão promovido pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
“A gente sabe que é um paliativo, mas pelo menos ganha tempo para trabalhar para a próxima safra ou para as próximas safras”, diz Dias Nunes.
A autarquia do governo federal anunciou, na semana passada, o lançamento de um leilão de contratos de opção de venda pública (COV), com a expectativa de adquirir até 110 mil toneladas de arroz tipo 1 longo fino em casca de produtores do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, totalizando R$ 181,1 milhões.
Neste modelo de contrato, não há a obrigação de o produtor vender o arroz ao governo, mas oferece uma espécie de “hedge” aos agricultores. Isso porque o leilão dá aos arrozeiros o direito de vender seu produto para o governo, em uma data futura, a um preço previamente fixado.
A demanda no primeiro dia do leilão, quinta-feira, dia 21 de agosto, foi pequena, com a comercialização de apenas 540 toneladas, segundo informações do jornal Zero Hora, de Porto Alegre.
Mas a tendência, segundo a Federarroz, é de que os arrozeiros comecem a participar com mais intensidade já a partir desta sexta-feira, 22. “Há a possibilidade inclusive de ágio: vai à leilão e quem paga mais o prêmio leva”, antecipa Dias Nunes.
Esse é o terceiro leilão promovido pelo governo federal em pouco mais de um ano. O primeiro foi promovido em junho do ano passado, quando a Conab adquiriu 267,3 mil toneladas de arroz importado de outros países, após as enchentes de maio de 2024 no Rio Grande do Sul.
Na época, os arrozeiros gaúchos criticaram a ação, alegando que eram capazes de abastecer o mercado e que já sofriam com a concorrência de produtos importados “sem tarifas” de países do Mercosul. O leilão acabou sendo anulado por irregularidades no certame.
O segundo ocorreu em dezembro do ano passado, e teve pouca adesão dos produtores – com a negociação de 91,7 mil toneladas de um total de 500 mil toneladas.
“Havia a intenção de que fosse de novo o mesmo volume, mas como essa é uma medida cara para o governo, acabou oferecendo agora volume próximo de 200 mil toneladas”, diz Evandro Oliveira, analista dos mercados de arroz e feijão da consultoria Safras&Mercado.
Por ora, os preços do arroz gaúcho estão cotados nesta semana a uma média de R$ 69, também segundo Oliveira, quase a metade dos R$ 118 de um ano atrás, segundo dados do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga).
O nível atual de preços não cobre sequer os custos de produção dos agricultores gaúchos. Em regiões com melhor produtividade no Rio Grande do Sul, com terras mais baixas e boa irrigação, o custo fica entre R$ 70 e R$ 75 por saca, de acordo com o analista da Safras&Mercado.
Já nas regiões mais afetadas pela enchente de maio do ano passado, como as regiões Central do estado e região da Campanha – chega a passar de R$ 80 por saca. “E alguns produtores gaúchos chegam a ter custo de R$ 100”, diz Oliveira.
A queda nos preços está relacionada à forte produção de arroz na safra 2024/2025, que pode chegar a 12,3 milhões de toneladas, segundo o levantamento mais recente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o maior volume das últimas oito safras.
E também há um componente adicional que dificulta a vida dos produtores de arroz, explica Denis Dias Nunes, da Federarroz: o baixo volume de exportações nesta safra.
“Nós deixamos de fazer um pouco o dever de casa, que era ter exportado essas toneladas que o governo está oferecendo agora. Não fizemos isso. No verão, durante a entressafra, o preço estava alto, começou a cair e os produtores achavam que não era o momento de vender e que o preço iria reagir”, diz.
Com isso, os produtores se concentraram em vender para o mercado interno, responsável por consumir 80% da produção nacional, mas os consumidores não estão respondendo com a velocidade que os produtores consideram necessária.
“O consumo, com sorte, chegará a 10,5 milhões de toneladas”, analisa Oliveira, da Safras&Mercado.
Isso acontece mesmo com sucessivas quedas nos preços do arroz registradas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Final Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Só em julho, por exemplo, a queda foi de 2,89%.
Além disso, também há a concorrência de arroz vindo de outros países da América do Sul como Paraguai e Uruguai, alerta Denis Dias Nunes, da Federarroz.
“Nós temos no Rio Grande do Sul uma das mais caras tributações do Brasil. E o arroz que vem do Paraguai e do Uruguai tem a taxação praticamente nula. Indústrias de Minas Gerais, por exemplo, utilizam muito o arroz do Paraguai, que tem uma tarifa de importação praticamente zerada quando entra o arroz descascado”, afirma. “No caso da indústria gaúcha, para pegarmos um exemplo local, também entra arroz do Uruguai.”
O presidente da Federarroz alerta também para o risco de crescimento de pirataria na comercialização de arroz. “Quando se começa a ter preços nesse nível e começa a cair a rentabilidade de todo mundo, começa a acontecer muita pirataria, com arroz tipo 3 vendido como se fosse tipo 1, com preço muito baixo”, diz.
Com as dificuldades atuais comprometendo a situação financeira dos arrozeiros, a expectativa da federação é de que a área plantada diminua na safra 2025/2026, ainda que Dias Nunes evite precisar números exatos de redução por enquanto. “Ainda está muito difícil de averiguar, mas com certeza vai haver redução de área com esses preços”, diz.
Já a Safras&Mercado projeta que a área plantada de arroz no Rio Grande do Sul seja 7,1% menor na safra 2025/2026, somando 904,8 mil hectares.
Além de estimular o acesso dos produtores ao leilão da Conab, o presidente da Federarroz diz que a entidade também vem trabalhando para prospectar novos mercados de exportação, com apoio da ApexBrasil e do Ministério da Agricultura e Pecuária, para melhorar as perspectivas comerciais dos arrozeiros.
O momento é delicado também para as indústrias gaúchas de arroz. No segundo trimestre, a Camil, a maior beneficiadora do Brasil, registrou um lucro líquido de R$ 66 milhões, 16% a menos do que o registrado no mesmo período de 2024, influenciada pela queda de receita líquida recuou a R$ 2,6 bilhões, queda de 7,3% no período, impactada negativamente pelo preços mais baixos de arroz no mercado.
Situação semelhante atravessa a Josapar, dona da marca Tio João, que fechou o segundo trimestre com faturamento líquido de R$ 468 milhões, 22% inferior ao registrado no mesmo trimestre de 2024, também sob efeito da queda nos preços do arroz.
Colaborou Alessandra Mello.
Resumo
- Arrozeiros gaúchos enfrentam crise, com preços mais de 40% mais baixos do que há um ano e que não pagam sequer os custos, após produção recorde e baixa nas exportações
- Federarroz orienta adesão ao leilão da Conab como alternativa paliativa para dar fôlego aos produtores
- Indústrias gaúchas também sofrem com o cenário, como mostram os balanços de empresas como Camil e Josapar, com queda nas vendas