O setor do arroz no Brasil voltou a operar sob forte pressão, após dois anos marcados por distorções de mercado.
A pandemia e as enchentes no Rio Grande do Sul, principal produtor do cereal no País, resultaram em preços acima da média histórica, por um longo período.
Agora, o arroz enfrenta novamente um cenário conhecido: valores pagos ao produtor abaixo do custo de produção. O reflexo direto começa a aparecer no planejamento da próxima safra, com redução da área plantada em 2025/26.
Os preços elevados praticados no ciclo anterior funcionaram como estímulo à expansão. Muitos produtores aumentaram área e investimentos e a safra 2024/25 entrou para a história como uma das maiores já registradas. Construída sob esse ambiente favorável, a produção cresceu mais rápido do que a capacidade de absorção do mercado.
No Rio Grande do Sul, a área cultivada chegou a 970,2 mil hectares, com produtividade média de 9,44 mil quilos por hectare, segundo dados do Instituto Riograndense do Arroz (IRGA). A produção brasileira totalizou 12,3 milhões de toneladas, sendo 8,75 milhões concentradas no Estado gaúcho.
“O plantio foi consequência direta dos preços do ano anterior. Isso incentivou o aumento de área em praticamente todos os players do Mercosul e também em outras regiões do país”, avalia Denis Nunes, presidente da Federarroz, entidade que representa os produtores de arroz no Rio Grande do Sul.
O problema, segundo ele, veio após a colheita. “A oferta cresceu mais rápido do que a capacidade de absorção do mercado.”
Com estoques elevados e consumo interno em queda, os preços recuaram de forma significativa.
Em diversos momentos da comercialização, produtores relataram valores próximos a R$ 40 por saca de 50 quilos, enquanto o custo de produção oscilou entre R$ 90 e R$ 100 por saca.
Segundo a Federarroz, os prejuízos médios ficaram entre R$ 20 e R$ 30 por saca comercializada. “É um cenário que, se persistir, inviabiliza a atividade”, alerta Nunes.
O ambiente externo também contribuiu para a pressão. O mercado internacional passou a conviver com maior oferta, puxada pela atuação dos grandes exportadores asiáticos — como Índia, Tailândia e Vietnã, reduzindo o espaço para o arroz brasileiro. A valorização do real frente ao dólar, em boa parte do ano, agravou a perda de competitividade nas exportações.
Crédito caro e indústria pressionada
Para a safra 2025/26, a Federarroz e a indústria trabalham com estimativa de cerca de 880 mil hectares plantados no Rio Grande do Sul. O IRGA projeta uma área um pouco maior, de 920 mil hectares, o que ainda assim representaria uma queda de 5% em relação ao ano anterior.
Segundo Flávia Tomita, diretora comercial do IRGA, o produtor entra no novo ciclo mais cauteloso. “A tendência é de redução de produtividade, ainda não mensurada, e manutenção dos custos. O produtor tem hoje menos margem para errar”, avalia.
O crédito é outro fator de pressão. “Juros elevados reduziram o acesso a financiamento bancário e encareceram o crédito via fornecedores de insumos e serviços, comprimindo ainda mais o caixa do produtor”, afirma Nunes.
Do lado da indústria, o cenário também é apertado. O parque industrial, fortemente concentrado no Sul do País, opera com margens reduzidas e enfrenta entraves logísticos e tributários para atender outros mercados consumidores.
“O arroz tem um peso logístico muito grande. O custo do frete impacta desde a lavoura até o consumidor final”, explica Tiago Sarmento Barata, diretor executivo do Sindarroz. Segundo ele, a carga tributária para vender a outros estados — em torno de 7% — reduz a competitividade frente ao arroz importado do Mercosul, especialmente do Paraguai.
Barata acrescenta que preços excessivamente baixos trazem outro risco. “A indústria não quer arroz muito barato, porque isso compromete a qualidade e dificulta as vendas.”
Produtor no limite
No campo, o sentimento é de apreensão. Em Uruguaiana (RS), o produtor Jorge Bergalo, cuja família cultiva arroz há quase 30 anos, afirma que a atual crise se diferencia pela imprevisibilidade.
“Já enfrentamos outras crises, mas esta talvez seja a mais difícil porque não sabemos quanto vamos produzir nem a que preço vamos vender”, diz.
Segundo ele, mesmo produtividades muito acima da média estadual não garantem viabilidade econômica. “Hoje, nem colhendo 400 sacas por quadra se alcança o custo de produção, e isso é quase 30% acima da média do produtor gaúcho.”
Bergalo optou por manter o nível tecnológico da lavoura, apostando na produtividade como forma de diluir custos, mas admite que 2025 será um ano de contenção. “É um ano de atravessar, tentando ter o menor prejuízo possível.”
Em Dom Pedrito, Edson Fontoura Júnior, presidente da associação local de agricultores, é ainda mais direto: “Nosso custo gira em torno de R$ 90 por saca. O preço pago hoje é de R$ 40. A margem está totalmente negativa”. Na sua propriedade, ele já reduziu 10% da área e admite cortes maiores se o cenário persistir.
Paraguai e o jogo regional
Apontado por produtores brasileiros como um dos fatores de pressão sobre os preços internos, o Paraguai ampliou sua produção de arroz. A previsão para a safra 2024/25 é de 1,45 milhão de toneladas de arroz em casca, com cerca de 80% destinado à exportação.
“O que vendemos ao Brasil não representa nem um mês de consumo. O problema do produtor brasileiro é o custo e os impostos”, rebate Mário Milano, produtor no país vizinho.
Segundo ele, o custo de produção paraguaio é menor — cerca de US$ 1.600 por hectare, contra US$ 2.800 no Brasil — mesmo com produtividade inferior. O sistema tributário simples, a recuperação de IVA nas exportações e a segurança jurídica ampliam a competitividade do país.
Apoio público
Diante do agravamento da crise, medidas governamentais voltaram ao centro do debate. No Rio Grande do Sul, o governo estadual autorizou o uso da Taxa de Cooperação e Defesa da Orizicultura (CDO) para apoiar diretamente produtores e exportações. Estima-se que cerca de R$ 38 milhões possam ser destinados a ações de escoamento, bonificação e socorro a produtores afetados por eventos climáticos.
No âmbito federal, a Conab autorizou leilões de Pepro e PEP, além da aquisição direta de arroz por meio de contratos de opção e AGF. Embora ajudem a aliviar o curto prazo, as entidades são cautelosas. “São instrumentos importantes, mas não resolvem o problema estrutural”, avalia a Federarroz.
No médio prazo, as saídas passam por diversificação de usos, como etanol de arroz, certificação de origem, ampliação de mercados externos e campanhas de estímulo ao consumo interno, hoje em torno de 34 quilos per capita ao ano.
A orizicultura brasileira segue tecnicamente eficiente e estratégica para a segurança alimentar. O problema não está na lavoura, mas no desenho econômico que sustenta a atividade. A safra 2024/25 escancarou esses limites. A 2025/26 exigirá escolhas duras. Entre reduzir área, pressionar por políticas públicas e buscar novos mercados, o setor tenta atravessar mais um ciclo sabendo que, na história do arroz, os picos e vales são regra — sobreviver a eles, nunca foi simples.
Resumo
- Depois de um período de expansão e preços altos, os arrozeiros viram as cotações despencarem em 2025, o que deverá refletir na área plantada da safra atual.
- Área de cultivo pode ficar em 880 mil hectares, segundo a Federarroz, bem abaixo dos 970,2 mil hectares calculados pelo Irga na safra anterior.