Uberaba (MG) - Para quem visitou a edição 2025 da ExpoGenética, um estande diferente chamava a atenção. Aliás, estande não, “shopping”, como é chamado o espaço dedicado a uma empresa no evento.

Próximo a uma das entradas da sede da ABCZ em Uberaba, um local com aparência de um restaurante elegante, paredes em tom de laranja decoradas com adereços feitos por bordadeiras de um projeto social local e, como não poderia deixar de ser, animais expostos relaxados em baias, se destacava.

Era o “shopping” do Grupo Mônica, liderado pela empresária Mônica Marchett, anfitriã do principal evento da terça-feira, 19 de agosto, na ExpoGenética. Seu leilão movimentou mais de R$ 2 milhões em lotes comercializados, em vendas que contaram com representantes de grupos como JBJ, de José Batista Júnior, conhecido como Júnior Friboi, Alta Genetics, Mafra Agropecuária e JMP.

O visual do estande já dava um spoiler sobre a conversa que a reportagem teve com a empresária: uma personalidade “diferente” dentro do meio da pecuária. Marchett toca, junto de seu filho Pedro, um negócio de proporções acima da média no setor.

Na pecuária, conta hoje com quase 25 mil cabeças de gado, numa operação que é focada tanto nos “bois de número”, aqueles de genética para criação em grande escala comercial, quanto nos animais de elite, em que o foco do negócio é a genética bovina.

Esse plantel ganhou um reforço na própria ExpoGenética, feira que, diferentemente da ExpoZebu e da Expoinel, também realizadas pela ABCZ, privilegia nos leilões a venda de animais “de número”.

O grupo é um dos protagonistas do evento - e não apenas em seu próprio leilão. Dias antes, a Nelore Mônica, seu braço de pecuária, uniu-se JBJ, Império e JMP para formar um consórcio responsável por uma compra recorde.

Em um certame que movimentou mais de R$ 23,8 milhões em nelores vendidos, a matriz 1340, da JMP, teve 75% de sua propriedade arrematada por mais de R$ 6 milhões, um recorde que surpreendeu alguns presentes por não se tratar de um “boi de elite”.

Na lavoura, o Grupo Mônica conta hoje com 70 mil hectares espalhados entre Brasil e Bolívia. A maior parte está no país vizinho, na região de Santa Cruz de La Sierra. As áreas brasileiras – em Rondonópolis e Campo Novo dos Parecis, ambas em Mato Grosso – hoje estão arrendadas para terceiros.

Na maior parte das lavouras, cultiva soja, milho, sorgo e culturas de cobertura. A empresa ainda é dona de uma área de 2 mil hectares de eucaliptos no noroeste de Mato Grosso, que fornece a biomassa para indústrias regionais.

Para além de planos de expansão e um viés de negócio, Mônica Marchett encara sua vida e sua empresa de uma maneira diferente. Ao longo da entrevista, seu lado fora do agro, dona de um instituto de desenvolvimento humano, floresce e toma conta dos discursos.

“Esse é o trabalho da minha vida”, disse Marchett se referindo a essa outra vertente, mesmo sendo dona de um conglomerado no agronegócio.

A origem do Grupo Mônica remete aos anos 1980, quando sua família, de origem italiana, ainda era dona de uma malharia em Caxias do Sul, na Serra Gaúcha. Segundo Marchett, o sonho de seu pai era ser fazendeiro e todo dinheiro guardado por ele com a malharia virava uma poupança para a compra de terras.

Quando Mônica estava perto de completar 20 anos de idade, assumiu a operação na malharia, enquanto seu pai foi para Rondonópolis começar a empreitada. Dois anos depois, em uma visita à fazenda, ela conta que se apaixonou pela propriedade e pela atuação no agro.

“Disse para o meu pai que era isso que eu queria fazer. Eu não conhecia nada da atividade e aí fui estudar”.

Assim como ela trabalhou com seu pai na malharia e posteriormente no negócio rural, hoje seu filho Pedro Marchett segue os passos da mãe e a ajuda a tocar o grupo.

“Acho que esse trabalho de família é uma coisa muito de italiano, principalmente o italiano do Sul. Eu nunca obriguei o Pedro a seguir esses passos. Porque tanto a agricultura como a pecuária são trabalhos que a pessoa tem que gostar muito”, comentou a empresária. “Ele, desde pequeno, se criou na fazenda e sempre demonstrou que queria seguir esse caminho”, acrescentou.

Foi nos anos 1990, com Pedro ainda garoto, que o grupo passou a atuar também na pecuária, por ideia da própria Mônica.

A intenção de fazer a integração lavoura-pecuária ainda era uma aposta na época e hoje se mostra rentável e amplamente utilizada ao redor do País. “Não só agrega muito valor na sustentabilidade como economicamente as atividades se complementam”.

Nessa mesma época o grupo passou a se enveredar por uma nova fronteira. Diferente do movimento tradicionalmente visto nas últimas décadas, em que empresários do Centro-Oeste se enveredaram pelo Matopiba, a diversificação do grupo foi internacional.

A proximidade de Mato Grosso com a Bolívia foi o primeiro elemento. Além da questão da distância, o bioma é o mesmo e as condições de terra também são similares, afirmou a presidente do grupo.

“Meu pai se apaixonou pela Bolívia e foi ele quem levou a profissionalização da cultura da soja para o país há 30 anos. Posteriormente, meu irmão se casou com uma boliviana e minhas sobrinhas nasceram lá. Acabou se tornando um quintal de casa”, brincou Mônica Marchett.

A oportunidade também era econômica. Uma reportagem de autoria do jornalista Bruno Blecher, publicada no jornal Folha de S.Paulo em agosto de 1996, conta que o grupo, ainda liderado pelo pai de Mônica, Sérgio Marchett, chegou a comprar terras no país vizinho por US$ 20 o hectare no começo daquela década.

Anos depois, na época da reportagem, os preços haviam subido para US$ 1 mil o hectare, enquanto no Brasil, em Rondonópolis, as terras eram até duas vezes mais caras.

Mesmo hoje em dia as oportunidades de compra de terras na Bolívia se mostram uma pechincha se comparadas com os preços das terras brasileiras.

Uma fonte ouvida pelo AgFeed calculou que áreas ao norte da Bolívia, região conhecida como Beni e que faz divisa com o estado de Rondônia, podem ser até um quinto mais baratas que a área vizinha dentro do estado brasileiro, mesmo dentro do próprio bioma Cerrado e com condições de solo semelhantes.

É nessa região mais ao norte que está a grande aposta do grupo para os próximos anos. Sem entrar em detalhes sobre os investimentos, Monica mencionou que a ideia é expandir ambas as atividades, lavoura e pecuária, e mais do que isso, num modelo de integração lavoura-pecuária-floresta, conhecido pela sigla ILPF.

O projeto ainda é embrionário. Por enquanto, a empresa tem aberto as áreas e hoje cultiva soja em uma área com menos de 10 mil hectares, uma fração da área total, não revelada pela empresária mas que deve aumentar substancialmente o portfólio de terras do Grupo Mônica.

Ao falar do projeto, Mônica fez até a função de repórter: “Onde é que a gente quer chegar com esse projeto? Eu quero um projeto de fazenda sustentável. Eu quero receber o selo de sustentabilidade e quero fazer um bom consórcio de agricultura, pecuária e floresta”, perguntou e respondeu.

Segundo ela, são cerca de cinco anos para entender completamente a área e suas vocações, o que faz o grupo não descartar, se for o caso, plantar algodão em alguns hectares.

Na pecuária, os movimentos iniciais mostram essa vocação de sustentabilidade mencionada pela empresária. “A primeira coisa que estamos fazendo nas áreas de pecuária do Beni é o plantio de árvores. O gado, se tiver sombra para descansar, se sente melhor e, se andar menos procurando sombra, traz mais rendimento no fim das contas”, afirmou.

Mônica compara a Bolívia com o que era Mato Grosso há 40 anos, só que com um diferencial de informação e conhecimento que não existia na época em que os desbravadores do Sul, como seu pai, Sérgio, tinham quando iniciaram os negócios na região.

A nova área ainda tem a vantagem logística, por estar localizada a cerca de 600 quilômetros de Porto Velho, capital de Rondônia, e que em breve, deve ganhar uma ponte na fronteira – no início deste mês, o Governo Federal anunciou que o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT), assinou a ordem de serviço para construir a Ponte Binacional, que ligará as cidades de Guajará-Mirim, no estado de Rondônia, e Guayaramerín, na Bolívia.

A construção será erguida sobre o Rio Mamoré, e tem prazo de 36 meses para ficar pronta e um investimento projetado de R$ 421 milhões.

“Se eu produzir soja no Beni eu estou mais próxima de Porto Velho, onde existem tradings, do que se eu produzir a soja em Campo Novo dos Parecis, onde a gente tem uma outra unidade de negócio”.

Na produção agrícola, o grupo produz tanto grãos quanto sementes, que são distribuídas no mercado local. Ainda no país vizinho, possui uma estrutura de armazenagem de até 180 mil toneladas e uma participação acionária na maior esmagadora de soja local, a Iasa.

O “trabalho da vida” de Mônica Marchett

A empresária fala sobre bem-estar animal na mesma medida em que fala do bem-estar humano, com questionamentos pouco comuns a gestores do porte da presidente do Grupo Mônica.

Aí a perspectiva diferente dentro do setor se fez presente novamente. “A gente olha muito o sistema que estamos inseridos, só o trabalho, o dinheiro, mas e a vida da gente?”, indagou Marchett durante a entrevista.

Essa outra atuação, na qual a própria chama de “trabalho da vida”, tem uma origem 15 anos atrás. Com essas questões na cabeça a respeito de uma vida focada no trabalho e uma infelicidade na sociedade, viajou até a Índia, conheceu o escritor Robert Epstein e adotou o tema de desenvolvimento humano em sua vida.

“Fui em busca de entender, primeiro para mim, a existência e qual era o sentido da vida”. A imersão asiática mudou a forma como a empresária atua na vida pessoal e de encarar os negócios também na empresa agropecuária. E a motivou criar o seu instituto de desenvolvimento humano.

“Você passa horas do seu dia no ambiente de trabalho, então ele precisa ser bom, amigável, convidativo e agregar na sua vida”. Junto desse cuidado com as pessoas, o cuidado animal foi reforçado dentro do grupo.

Nesse momento da conversa, Mônica Marchett apontou para os animais expostos no “shopping” da empresa na ExpoGenética e mostrou que, como estão acostumados com ambientes e funcionários que seguem esses ensinamentos, são animais tranquilos e que não se assustam mesmo diante de uma grande movimentação de pessoas, gritarias tradicionais de leilões e até a música de violeiros que embalou o pós-leilão.

“Quando você começa a ensinar na fazenda que não se pode apresentar nenhuma violência no animal e mostrar que, em um ambiente organizado todos trabalham menos, as coisas acontecem. Se o gado não tem medo de vir no curral é sinal que ele sabe que aquilo não é uma sessão de tortura”, disse.

Mônica ainda cita que já ouviu de esposas e familiares de funcionários da empresa que os mesmos estão “menos nervosos” depois de que viraram trabalhadores do grupo.

O modelo de lidar com o negócio também “habla”, segundo Marchett. “Às vezes me perguntam o que eu quero na Bolívia. Eu digo que eu quero que a minha empresa tenha a fama de melhor para se trabalhar no país. E isso quem faz é quem trabalha com você”, diz.

Assim como muitas empresas do agro, o Grupo tem reforçado suas políticas de governança nos últimos anos. Na estratégia da empresa, além de uma reestruturação de seus balanços, os últimos meses foram marcados por contratações de “jovens talentos” em posições de diretoria.

O diretor financeiro do grupo hoje é Antonio Penido. Com um sobrenome que dispensa apresentações de origem (Pelerson Penido foi o homem que construiu a Roncador, aquela que já foi, dpecadas atrás, a maior fazenda do Brasil), o executivo formado na FGV trilhou uma carreira na Faria Lima antes de se juntar ao grupo, com passagens por gestoras como Éxes e a XP Investimentos.

Na diretoria de relações institucionais, uma bola dividida entre Eduardo Junqueira e Marcelo Marques, ambos ex-alunos da Fundação Getúlio Vargas.

Junqueira é filho de produtores rurais e já chegou a ser candidato a prefeito em sua cidade natal, Poços de Caldas (MG). Posteriormente, fundou a startup OMA Ativos Ambientais, que estrutura projetos de sustentabilidade. Já Marques trilhou uma carreira focada no poder público nos últimos anos, atuando como Assessor Especial na Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias da Prefeitura de São Paulo e no mesmo cargo mas na Secretaria do Verde e Meio Ambiente.

Os três executivos rondam a faixa dos 30 anos. “Temos um conselho com pessoas sêniores e essa moçada jovem trabalhando. Gosto muito dessa junção de experiência com animosidade e força de vantagem dos jovens. Procuramos esse equilíbrio na fazenda e dando chance ainda para recém formados”, comentou Mônica Marchett, presidente do Grupo Mônica.

E o futuro?

Indagada sobre o futuro, a empresária cita que quer continuar expandindo os projetos sustentáveis na empresa, com atenção para essa integração de lavoura e pecuária.

As novas áreas na Bolívia devem ser o grande foco da operação nos próximos anos, ao mesmo tempo em que diversifica um outro segmento: os leilões.

Um leilão em meio a uma Expogenética é algo comum na agenda de pecuaristas e no mundo da genética bovina, mas a empresária tem ido além desde o ano passado.

Em dezembro de 2024, a Nelore Mônica organizou um leilão na Faria Lima, na intenção de juntar o campo com o mundo dos negócios da cidade grande. Realizado no Teatro B32, conhecido por ter a estátua de baleia em sua frente, movimentou quase R$ 15 milhões.

Cerca de 80% dos arremates finais ainda vieram de pecuaristas tradicionais, mas o restante já atraiu sócios de gestoras, advogados e outros investidores que não são do campo.

A empresa deve repetir a dose este ano, com um evento que é projetado para ser ainda maior, com atrações musicais de renome e até chefes de cozinha com estrelas Michelin montando o cardápio.

Em conversas ao longo do dia que a reportagem passou pelo “shopping” do grupo na ExpoGenética, foi possível notar que a própria Mônica surge com as novas ideias, como a do leilão no coração financeiro de São Paulo, como também topa conceitos fora da caixa, como do própria estrutura que apresentou na feira em Uberaba.

O jornalista viajou a convite do Grupo Mônica.

Resumo

  • Operação do Grupo Mônica soma 25 mil cabeças de gado e 70 mil hectares, com expansão focada na Bolívia
  • Projeto de Mônica Marchett segue sistema ILPF e une produtividade, bem-estar animal e conservação ambiental
  • Com empresa paralela focada em capacitação e qualidade de vida, empresária alia governança moderna, tradição familiar e desenvolvimento humano no agro

"Shopping" do Grupo Mônica na Expogenética, em Uberaba

Animais expostos para o leilão do grupo no evento

Confinamento em fazenda da empresa