Quem esperava uma retratação, terá de aguardar uma nova oportunidade. Em uma postagem nas redes sociais na quarta-feira, 9 de julho, André Wienman, CEO da NotCo no Brasil, preferiu uma nova provocação ao anunciar a retirada do ar de uma campanha veiculada no Brasil pela companhia chilena de produtos plant based.
“Nosso último comercial acabou gerando intolerância”, dizia a frase estampada na imagem do post, numa referência ao filme que, em uma paródia ao clássico comercial dos “mamíferos” do leite Parmalat nos anos 1990, assinado pelo publicitário Nizan Guanaes, então na agência DM9.
No “remake” da NotCo para promover o seu “leite” de origem vegetal, os “bichinhos”, que há mais de três décadas eram personalizados por crianças, agora aparecem como adultos estufados e infelizes após o consumo de leite de vaca.
O slogan da peça, criada pela agência David e realizada pela premiada produtora O2, sintetizava a mensagem: "Não é porque você é mamífero que precisa tomar leite."
"Quando lançamos nossa campanha de NotMilk na última semana, sabíamos que novas ideias despertariam novas conversas", escreveu Wienman. "Algumas entusiasmadas, dizendo: “achei genial, fazia tempo que não via uma publicidade assim”. E outras mais críticas como: “péssima campanha, passaram dos limites”. E tudo bem. É sinal de que a mensagem chegou."
"No fim das contas, incomodamos. E isso só confirma uma coisa: estamos no caminho certo", emendou Weinmann.
O CEO da empresa no Brasil informou que a retirada da peça não acontecia por falta de convicção. “Mas porque sabemos onde vale a pena colocar nossa energia: em seguir criando, inovando e provocando com responsabilidade."
Antes de sair do ar, o comercial viralizou, gerou milhões de visualizações e, de fato, provocou reações diversas.
Atual dona da Parmalat, por exemplo, a companhia francesa Lactalis chegou a contestar a peça em uma representação junto ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), órgão autorregulador do setor.
A empresa solicitou a retirada da campanha do ar, alegando que a NotCo associou, de forma enganosa, o consumo de leite de vaca a sintomas como inflamação, inchaço abdominal e dor de estômago.
Além disso, segundo a Lactalis, a campanha teria promovido desinformação ao consumidor e desvalorizado o leite UHT, contrariando orientações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O Conar decidiu, então, emitir uma liminar favorável ao pedido da Lactalis na última sexta-feira, dia 4 de julho, dizendo que houve "exploração de campanha reconhecida e de informação sobre malefícios do produto aluddo, que parecem colidir com as orientações de autoridades oficiais."
Segundo o conselho, a “campanha ora discutida apresentaria traços visuais, simbólicos e conceituais que remeteriam à reconhecida campanha ‘Mamíferos Parmalat’.”
“Os anúncios introduzem informações acerca de efeitos negativos produzidos pelo produto aludido leite podendo levar a erro sobre o consumo do citado alimento”, finalizou o Conar. A decisão ainda deve ser levada para julgamento no Conselho de Ética do órgão.
Outras associações representativas do setor de laticínios se manifestaram em nota aberta divulgada na terça-feira, dia 8 de julho, dizendo que a campanha da NotCo representa um "desserviço ao associar o leite a doenças gastrointestinais de forma generalista, sem embasamento científico e compromisso com a verdade."
As entidades avaliam que as peças publicitárias da foodtech "se apropriam de símbolos da memória afetiva do povo brasileiro na tentativa de desacreditar o produto leite sem compromisso com a sociedade, tampouco com a saúde pública" e que utilizando linguagem "totalmente inapropriada e jocosa", a NotCo "incita medo e desinformação".
Em nota enviada ao AgFeed, a NotCo confirmou a notificação do Conar e disse que apresentaria defesa por meio de sua assessoria jurídica. "A empresa reafirma seu compromisso com a ética publicitária, o cumprimento das normas legais e o respeito ao ambiente concorrencial", afirmava a nota.
A NotCo disse ainda que "reitera que está atenta às necessidades do mercado e da sociedade, especialmente no que diz respeito à garantia da segurança, saúde e bem-estar."
"Acreditamos que, além da liberdade de escolha dos consumidores, há uma demanda crescente por alternativas inovadoras e sustentáveis, o que reforça o propósito da marca de oferecer produtos que unem sabor, nutrição, responsabilidade e tecnologia", finaliza a empresa.
Muito além do leite
O estilo irreverente e ousado é parte da cultura que ajudou a dar notoriedade à NotCo e pode, agora, dar um novo impulso, com a grande exposição trazida pela polêmica, em um momento em que a empresa atravessa um processo de reorganização de seus negócios no Brasil,
Criada há uma década, em 2015, no Chile, a NotCo é mais do que uma marca de leite vegetal – mercado no qual concorre, no Brasil, com outras empresas como Nude, Naveia e VidaVeg.
A foodtech trabalha com a ideia de replicar, com ingredientes vegetais, diversos produtos de origem animal, de sorvetes a linguiças. Com esse discurso e marketing agressivo, conseguiu ultrapassar fronteiras chilenas e hoje está presente em outros cinco países: Brasil, Canadá, Colômbia, Estados Unidos e México.
Por aqui, além do leite vegetal, o NotMilk, a foodtech comercializa também creme de leite, shake de proteínas e maionese – todos sem utilizar o produto oriundo das vacas ou ovos em seu processo de fabricação.
No Chile, o cardápio é bem mais variado: por lá, a NotCo comercializa também sorvetes, hambúrgueres, salsichas, frangos, linguiças e barras de proteínas.
A NotCo virou o primeiro unicórnio do setor plant-based da América Latina, ao ser avaliada em US$ 1,5 bilhão em 2021, quando captou US$ 235 milhões em uma rodada do tipo série D conduzida pela Tiger Global.
Ao todo, a startup já obteve mais de US$ 400 milhões em aportes. Entre os investidores da startup, estão nomes conhecido como o L Catterton, fundo de private equity da família Arnault, de Bernard Arnault, fundador e CEO da marca de luxo LVMH, e a Bezos Expeditions, de Jeff Bezos, o fundador da Amazon.
Há dois anos, a empresa chegou a ser proibida pela Justiça chilena de utilizar a marca “NotMilk” em seus produtos após uma ação movida por produtores de leite locais, que travaram uma disputa judicial com a NotCo durante quatro anos. No ano passado, porém, a foodtech conseguiu reverter a decisão.
Após crescimento acelerado, o setor de alimentos plant based vem passando por transformações nos últimos anos no mundo e também no Brasil, com a diminuição de volumes de investimentos e reduzindo seus planos de crescimento.
No Brasil, a chegada de André Weinmann ao comando, em abril de 2024, marcou o início de um processo de reestruturação na NotCo, que inclui mudanças no portfólio e na distribuição dos produtos.
A empresa também está botando de pé no País, desde o fim de 2024, uma vertical B2B a partir de uma inteligência artificial proprietária chamada Giuseppe, que cria formas de produzir alimentos plant-based a partir da estrutura molecular de produtos de origem animal.
A NotCo já atende companhias como Kraft Heinz e Burger King oferecendo esse serviço fora do Brasil.
Depois do NotMilk derramado, Wienmann sabe que a visibilidade pode gerar frutos. Por isso, finalizou seu post com uma promessa: "E se a mensagem chegou, podem ter certeza: tem muito mais por vir."
Resumo
- Em campanha provocativa com releitura da icônica propaganda "Mamíferos", da Parmalat, NotCo associou consumo do leite de vaca a efeitos negativos como inchaço e dor de estômago
- A Lactalis, atual dona da Parmalat, acionou o Conar e obteve liminar para retirada da campanha, sob alegação de desinformação e uso indevido de símbolos da marca
- Foodtech tirou a campanha do ar, mas ela já havia viralizado e gerado milhões de visualizações para a NotMilk, marca de leite vegetal da empresa