O mercado brasileiro de bioinsumos está no centro das atenções na ABIM 2025, a Reunião Anual da Indústria de Biocontrole mundial, que ocorre esta semana na Basileia, Suíça. O tema corrente nas diversas palestras, estandes e reuniões é o forte interesse de empresas europeias em expandir suas operações no dinâmico agronegócio brasileiro.

Para especialistas ouvidos pelo AgFeed durante o evento, a combinação de um ambiente regulatório favorável, grande potencial de mercado e alta aceitação dos agricultores coloca o Brasil em posição de destaque no cenário internacional do controle biológico de pragas e doenças.

Segundo Fábio Sgarbi, consultor CEO da StrategicAg Consulting, o Brasil consolidou-se como o maior mercado de biocontrole do mundo, sendo avaliado em US$ 1 bilhão, especialmente pela necessidade prática dos agricultores.

"Esse segmento é sustentado por uma demanda de produtos que resolvam problemas que os insumos químicos já não solucionam", explica.

A adoção de bioinsumos no País, no entanto, ainda está abaixo de 50%, o que indica um amplo espaço para crescimento. "O Brasil é um país que adotou de forma sustentável o biocontrole por uma questão de necessidade e hoje o agricultor já reconhece isso. Possivelmente vai expandir", projeta Sgarbi.

Um dos principais atrativos para as empresas europeias é o ambiente regulatório brasileiro, considerado mais ágil e moderno quando comparado ao europeu. Fernando Gasparin, coordenador Comercial e Marketing da consultoria regulatória Vigna, destaca que o Brasil está à frente em termos de legislação específica para biológicos.

"Hoje em dia, por exemplo, a maioria dos biológicos não requer o registro do produto técnico, você vai direto para o produto formulado. É diferente da Europa, onde você tem que registrar primeiro o ingrediente do produto técnico, que demora cinco anos, depois você pode submeter o formulado", compara Gasparin.

O executivo revela que produtos biológicos no Brasil podem obter registro em prazos que variam de um ano a um ano e meio, enquanto químicos levam mais de cinco anos. "Os produtos biológicos não entram na mesma fila de análise. Um biológico hoje consegue seu registro em um ano, um ano e meio", afirma.

"Se você considerar os orgânicos, metade dos produtos que estão na lista de extratos de planta nós também incluímos nas especificações de referência da agricultura orgânica", complementa Gasparin, que com a Vigna, afirma ter atuado no registro de 25% de todos os biológicos aprovados no Brasil nos últimos três anos.

De acordo com ele, as características únicas da agricultura brasileira também explicam o interesse europeu. O país continental permite até três safras anuais em algumas culturas, criando condições ideais para desenvolvimento e teste de bioinsumos.

"Como no Brasil não temos inverno muito rigoroso – que às vezes funciona como controle natural –, somos um país continental com condições climáticas favoráveis a pragas. Isso ajudou a nos desenvolver e estar na frente em biocontrole", analisa o executivo da Vigna.

Lacuna em pesquisa atrai tecnologia europeia

Apesar da liderança em produção e comercialização, o Brasil apresenta uma carência importante: o desenvolvimento de novas tecnologias. "A pesquisa básica para o descobrimento de novas moléculas de biocontrole não é uma fortaleza do Brasil. O Brasil tem fortaleza na produção e na comercialização", reconhece Sgarbi.

Essa lacuna representa uma oportunidade para empresas europeias, que tradicionalmente investem mais em pesquisa e desenvolvimento. "As empresas europeias, por investirem mais e por terem mais know-how em pesquisa e desenvolvimento, têm esse grande interesse no Brasil, já que é um mercado muito maior que a Europa e com muito mais potencial", pontua o consultor.

Atualmente, menos de 20 empresas no Brasil – entre multinacionais e nacionais de grande porte – investem “seriamente” em pesquisa e desenvolvimento, diz ele. O mercado conta com mais de 90 empresas, o que tem levado a uma “commoditização preocupante”.

"Muitas empresas oferecem mais do mesmo. Com isso, estamos observando uma queda nos preços significativa, principalmente nos últimos dois anos, o que preocupa muitas empresas", alerta Sgarbi.

O consultor projeta uma consolidação do setor: "As empresas que não inovam e também não têm capacidade de produzir a custo baixo tendem a desaparecer e perder espaço para as empresas de inovação. O agricultor vai sair ganhando porque terá mais produtos inovadores para solucionar problemas complexos".

A estratégia de entrada das empresas europeias tem sido marcada pela busca de parcerias estratégicas no Brasil. Ignácio Moyano, vice-presidente de Desenvolvimento de Mercado para América Latina da DunhamTrimmer, aponta mudanças no comportamento dos investidores.

Busca por parcerias locais

"Aqui na ABIM deste ano vimos muitas empresas interessadas no Brasil. Entretanto, elas buscam nichos com alguma situação positiva, especialidades de cultivos ou produtos especiais", relata Moyano.

O executivo destaca que há maior cautela nas decisões de entrada. "Houve muita consulta sobre o mercado brasileiro, mas com precaução, já tratando de entender em profundidade a situação para tomar uma decisão mais inteligente, baseada em informação e inteligência de mercado", explica.

A busca por parceiros locais tornou-se uma tendência, com as empresas estrangeiras buscando algum “companheiro de viagem”, segundo ele, para “aterrizar no Brasil com alguma empresa local, com líderes conhecedores da região que os ajudem a encontrar esses nichos e identificar essas oportunidades”.

“Isso é uma oportunidade para as empresas brasileiras se abrirem às empresas europeias", avisa Moyano.

Acesso ao mercado é desafio

Apesar das facilidades regulatórias e do potencial de mercado, Sgarbi identifica um obstáculo crítico para o sucesso das empresas europeias: o acesso efetivo ao mercado.

"Muitas empresas ainda acreditam que o principal obstáculo é o regulatório (e obviamente não deixa de ser). Entretanto, o acesso ao mercado é ainda maior. Esse é o grande desafio: definir quem vai vender o seu produto", resume ele.

O especialista identifica uma saturação do mercado, com mais de 90 players, o que exige uma escolha do parceiro ainda mais estratégica.

"A prateleira de muitas empresas de biológicos ou distribuidores já está cheia. Qual é o grande desafio? É definir qual é o valor desse produto que a empresa europeia vai trazer para o Brasil, em que cultivo, em quais alvos", analisa Sgarbi.

O consultor enfatiza a necessidade de análise criteriosa: "Definir claramente quais são os parceiros ideais, que têm bom acesso ao mercado mas também têm gap naquele portfólio. Essa análise bastante aprofundada é o grande desafio. Você tem que fazer um estudo com bastante vigor e critério para chegar ao parceiro ideal".

Moyano concorda com essa visão estratégica de longo prazo. "Se as empresas estão pensando hoje a longo prazo, com um pouco de inteligência do mercado, é possível tomar hoje uma decisão pensando de dois a três anos para frente. Vai ser um mercado mais táctico nos próximos anos. Essa é a palavra que define a situação atual", conclui.

Perspectivas futuras

A expectativa do setor é de que o ambiente regulatório brasileiro se torne ainda mais favorável. Com a recente aprovação do Novo Marco Legal de Bioinsumos, aguarda-se a publicação de decretos que devem harmonizar e simplificar ainda mais o processo de registro.

"O governo abriu frentes para um registro mais ágil dos produtos biológicos. Com a nova Lei de Bioinsumos, existe uma iniciativa de harmonizar e tornar esse processo mais fácil. A expectativa é que o processo regulatório no Brasil ficará ainda mais organizado e claro, atraindo ainda mais interesse europeu", projeta Sgarbi.

Para as empresas europeias que desenvolvem tecnologia e precisam registrar produtos, o Brasil surge como alternativa estratégica ao longo e custoso processo europeu. "Na Europa o processo é complexo, é caro. O Brasil tem essa vantagem: é mais barato, é coerente, combinado com um potencial de mercado maior. Obviamente isso se torna um grande atrativo", finaliza o consultor.

Com um mercado em expansão, legislação moderna e agricultura de larga escala, o Brasil consolida sua posição como destino prioritário para empresas de bioinsumos que buscam crescimento e inovação no agronegócio global, concluem os especialistas presentes na ABIM 2025.

Resumo

  • Maior mercado mundial de biocontrole, com regulação moderna e adoção crescente, Brasil atrai forte interesse europeu
  • Para especialistas, ambiente regulatório ágil e clima favorável impulsionam o setor, mas falta investimento em P&D
  • Empresas europeias buscam parcerias estratégicas locais para entrar no Brasil, visando nichos de cultivo