As visitas da chinesa Jenny Wang ao Brasil têm sido cada vez mais frequentes. Com 30 anos de experiência como alta executiva de grandes multinacionais de insumos agrícolas, ela ocupa atualmente o cargo de vice-presidente executiva comercial da Mosaic, uma das maiores empresas de fertilizantes do mundo.
Esta semana mais uma vez esteve em São Paulo, onde participou do Congresso Brasileiro de Fertilizantes, promovido pela Anda, Associação Nacional para Difusão de Adubos, que representa a indústria.
Um dos principais focos da Mosaic no Brasil tem sido a aposta no mercado de bionutrição, com fertilizantes de base biológica, que possam não apenas garantir nutrientes aos cultivos, mas também potencializar a absorção dos produtos tradicionais, de origem mineral.
O pilar chamado Mosaic Bioscience foi lançado há 2 anos. No Brasil, como mostrou o AgFeed, o plano seria alcançar uma receita de US$ 100 milhões no segmento, até 2030.
Em entrevista exclusiva ao AgFeed, Jenny Wang, disse que o número é “uma boa aspiração”, que vai “além do compromisso público da empresa”.
Segundo ela, a Mosaic fez uma apresentação a analistas de mercado esse ano prevendo entregar um Ebitda de US$ 200 milhões só com biológicos até 2030. No ano passado a Mosaic alcançou um Ebitda ajustado, considerando todos os negócios, de US$ 2,2 bilhões.
“No Brasil estamos não apenas dobrando, mas triplicando o tamanho do negócio”, afirmou, se referindo à Mosaic Bioscience.
Embora o mercado brasileiro apresente maior potencial, Wang disse que a empresa pretende lançar 12 novos produtos do segmento, globalmente, mas somente três estão previstos para o Brasil. Uma das limitações seria o ritmo de aprovação dos registros.
“Só neste ano já lançamos seis novos produtos, nenhum no Brasil ainda, porque a regulamentação não estava clara, mas tivemos lançamentos na Argentina, China, Índia, Estados Unidos e também aprovações na Europa Ocidental”, contou.
Enquanto aposta no futuro dos biológicos, que devem complementar a venda de fertilizantes tradicionais, a Mosaic se depara com as incertezas do mercado, como o crédito restrito no Brasil e as questões geopolíticas globais.
“No primeiro semestre, vimos mais de 10% de crescimento na comparação anual, segundo relatório da Anda. Isso refletiu uma aplicação muito forte na safrinha e também um início de ano bastante positivo. Agora estamos no período de aplicação da soja de verão. Há muitos produtores que ainda não compraram o fertilizante, ou compraram, mas não receberam por conta de problemas de crédito. Por isso, é difícil prever o tamanho final do mercado”, avaliou Wang.
Na visão dela, o crédito restrito e os juros elevados preocupam mais do que as incertezas geopolíticas, no que se refere à agricultura brasileira. A executiva também comentou sobre os efeitos das tarifas de Donald Trump para os agricultores do Brasil e dos Estados Unidos.
Confira os principais trechos da entrevista da VP executiva comercial da Mosaic, Jenny Wang, ao AgFeed.
Quais são os principais planos da Mosaic para o Brasil?
O Brasil é um país que vemos com grande potencial de crescimento na agricultura. Não apenas pela disponibilidade de terras agricultáveis, mas também pelo ambiente favorável à expansão agrícola. Se olharmos ao redor do mundo, não existe outro país como o Brasil, com tamanho potencial de crescimento no setor agrícola.
Especificamente, vemos áreas de pastagens que poderiam ser convertidas para produção de milho, soja e outras culturas. Também vejo um grande futuro na região Norte, onde a maioria dos produtores hoje só consegue plantar uma safra por ano por conta da irrigação. Mas, à medida que os investimentos em irrigação avançam, muitos deles já conseguem produzir duas safras e, em alguns casos, até três.
Tudo isso representa crescimento. Por isso, a Mosaic acredita muito que o Brasil é o lugar certo para estar na agricultura. O País cresce e nós queremos crescer junto com a agricultura brasileira.
Depois da inauguração da nova unidade em Tocantins, o que podemos esperar em termos de expansão ou novos investimentos da Mosaic?
Do ponto de vista de ativos físicos, a unidade de Palmeirante, no Tocantins, já nos coloca em uma posição muito boa para capturar oportunidades de crescimento, oferecendo a capacidade necessária para atender essa expansão. É um investimento estratégico em uma região onde o crescimento é muito acelerado.
No restante do País, já temos uma presença bastante consolidada em termos de distribuição e atuação nos mercados que queremos atender. Isso nos dá confiança. Portanto, o crescimento futuro virá muito mais da plena utilização da nossa capacidade já instalada. Em resumo, não temos no curto prazo planos imediatos de novos investimentos em ativos físicos. No entanto, o futuro dos investimentos da Mosaic estará em pesquisa e desenvolvimento (P&D), especialmente na área de biológicos.
Como está sendo o desempenho da Mosaic Bioscience globalmente?
Nós começamos formalmente o negócio em Bioscience apenas há dois anos, com a aquisição de uma pequena startup, que trouxe produtos e tecnologias interessantes. Essa empresa só atuava no mercado dos Estados Unidos. De lá para cá, expandimos a presença para Canadá, Brasil, América Central, China e Índia. Mas em todos esses países precisamos passar por processos de registro, que são diferentes em cada lugar.
Em alguns casos, a regulamentação é clara, mas na maioria das vezes não é. Então estamos trabalhando junto aos governos para esclarecer e estabelecer marcos regulatórios.
E no Brasil?
Lançamos oficialmente a Mosaic Bioscience no Brasil em março do ano passado. Enquanto nossos próprios produtos e tecnologias passam pelo processo de registro, começamos a operação comercializando produtos de terceiros já registrados no país. Isso serviu como ponto de partida.
Globalmente, nesses dois anos, a expansão foi significativa. Ampliamos muito nossa presença entre os principais clientes da América do Norte, iniciamos operações B2B e B2C na China, lançamos o primeiro produto biológico na Índia e, no Brasil, estamos não apenas dobrando, mas triplicando o tamanho do negócio em relação ao ano passado.
As vendas são um dos indicadores que usamos, mas ainda mais importante é acompanhar o avanço em pesquisa e desenvolvimento e o progresso nos registros. Só neste ano já lançamos seis novos produtos — nenhum no Brasil ainda, porque a regulamentação não estava clara — mas tivemos lançamentos na Argentina, China, Índia, Estados Unidos e também aprovações na Europa Ocidental.
Há mais lançamentos previstos?
Para o próximo ano, a expectativa é lançar 12 novos produtos, sendo três no Brasil. Um deles, inclusive, é uma tecnologia de ponta de fixação biológica de nitrogênio aplicada via tratamento de sementes, com longa vida de prateleira. Esse produto será revolucionário.
É um fertilizante?
Não, é um biológico. Chamamos de bionutrição de cultivos. Ele não é um fertilizante mineral, mas também não é um defensivo agrícola. O termo “biológicos” é muito amplo: inclui bioinseticidas, biofungicidas e também bioestimulantes. No nosso caso, atuamos exclusivamente em bionutrição de cultivos, semelhante aos fertilizantes, mas de origem biológica. Não trabalhamos com bioinseticidas ou biofungicidas, que são áreas das empresas de agroquímicos.
O progresso que fizemos até agora em pesquisa, desenvolvimento e registro é muito positivo. Estou realmente animada com os lançamentos previstos para o próximo ano, especialmente os três produtos que teremos no Brasil.
Qual a importância da Mosaic Biosciences para a companhia em termos de resultado financeiro?
Hoje, financeiramente, ainda é irrelevante. Acabamos de começar.
Mas qual o tamanho que esperam para os biológicos dentro da Mosaic no futuro?
Tivemos uma reunião com analistas em Wall Street em março deste ano. Dissemos que nossa meta é atingir US$ 200 milhões de Ebitda até 2030 apenas com a divisão de Bioscience.
Do ponto de vista da avaliação de mercado, os múltiplos atribuídos pelos investidores aos biológicos são muito mais altos do que aos produtos commodities. Além disso, há uma importância estratégica.
Qual seria essa vantagem?
Esse negócio nos permite atuar em agricultura sustentável, regeneração do solo, apoiar clientes e produtores e, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente. Outro ponto é que esse é um negócio que exige baixo investimento de capital, bem diferente do nosso negócio principal, mineração e produção, que é altamente intensivo em capital.
Por último, é uma atividade que traz valor para todos os elos: meio ambiente, produtores, distribuidores e também para nós. Financeiramente, os biológicos nos permitem diversificar um pouco o negócio principal, mas atendendo os mesmos clientes e canais em que já temos acesso de mercado e marca consolidada.
Quando a Mosaic lançou a Mosaic Bioscience no Brasil chegou a prever uma meta de US$ 100 milhões até 2030. Como está esse cenário?
Isso é uma aspiração. Eu chamaria assim: uma boa aspiração. Globalmente, temos uma aspiração ainda maior do que o que já nos comprometemos. O compromisso formal com os investidores é de US$ 200 milhões. A aspiração vai além disso.
O ritmo de crescimento do primeiro e segundo ano estão adequados para chegar nessa meta?
Até agora, no segundo ano, estamos no ritmo. Os próximos anos vão depender muito do andamento dos registros. Não declaramos publicamente nossas aspirações, mas sim nosso compromisso. Isso porque precisamos considerar os riscos associados aos processos de registro, que são difíceis de prever.
A regulamentação no Brasil é um problema?
Este ano vimos alguns avanços positivos, com a criação de um marco regulatório, o que é muito importante para garantir qualidade e segurança dos produtos utilizados pelos agricultores. Mas ainda faltam muitos detalhes, principalmente no segmento de biofertilizantes e bionutrição de cultivos.
Qual potencial de crescimento da bionutrição? Poderá, por exemplo, no futuro, chegar a 50% fertilizante mineral e 50% biológico?
Isso é impossível. Não vemos os biológicos como substitutos, mas sim como complemento aos fertilizantes minerais. Explico: globalmente, cerca de 50% dos nutrientes aplicados via fertilizantes minerais não são aproveitados pelas plantas no primeiro ano.
O nitrogênio, por exemplo, em grande parte evapora para a atmosfera. Já o fósforo, em certos solos, se liga rapidamente ao solo após a aplicação, e quando as raízes crescem, esse fósforo já não está disponível para a planta. Os biológicos, como fungos e microrganismos, ajudam a liberar esse fósforo ligado ao solo, tornando-o disponível novamente para a cultura.
Em resumo: eles aumentam a eficiência do uso dos fertilizantes minerais. Se o agricultor investe 100 reais em fertilizantes minerais, hoje talvez só 50 reais sejam de fato aproveitados pela planta. Com os biológicos, esse aproveitamento pode chegar a 70 reais. Portanto, não substituem, aprimoram a eficiência.
Falando do mercado de fertilizantes em geral, o que você espera em termos de crescimento para este ano?
Essa é uma pergunta difícil, especialmente nesse momento da safra. No primeiro semestre, vimos mais de 10% de crescimento ano contra ano, segundo relatório da Anda. Isso refletiu uma aplicação muito forte na safrinha e também um início de ano bastante positivo.
Agora estamos no período de aplicação da soja de verão. Há muitos produtores que ainda não compraram o fertilizante, ou compraram mas não receberam por conta de problemas de crédito. Por isso, é difícil prever o tamanho final do mercado.
Tudo vai depender do que acontecer nos próximos dois meses, durante a safra de verão, e também do milho safrinha, se haverá adiamento de compras do quarto trimestre deste ano para o primeiro trimestre do próximo, dependendo da disponibilidade de crédito. É pouco provável que haja redução (no volume total do mercado), porque o crescimento do primeiro semestre já está consolidado.
Os problemas financeiros dos produtores, principalmente a restrição de crédito, são os principais motivos dessa situação desafiadora?
Sim, é um dos principais motivos. Se conversarmos com nossos clientes, todos apontam a restrição de crédito como uma das maiores dificuldades. Além disso, a situação econômica de alguns produtores não é tão favorável como nos últimos anos. Quem tem muita dívida ou compromissos de investimento enfrenta mais desafios. Mas, no geral, eu diria que a disponibilidade de crédito é o principal fator.
E como a Mosaic pretende enfrentar esse cenário?
Estamos monitorando o mercado com muito cuidado e sendo ainda mais diligentes neste período desafiador, conhecendo bem nossos clientes e cada negociação que fazemos, garantindo a gestão de risco adequada. Estamos evitando assumir riscos desnecessários. Em resumo, temos sido muito prudentes.
A situação internacional, especialmente as tarifas que vêm sendo aplicadas por Donald Trump, como impactam os negócios?
Eu diria que a situação é muito dinâmica. Estamos monitorando de perto, mas sem reagir de forma exagerada, porque tudo muda muito rápido. Às vezes sai uma notícia hoje, você reage, e no dia seguinte a situação já mudou. Até agora, o impacto direto nos negócios da Mosaic tem sido mínimo. Mas vemos impactos indiretos.
Quais seriam esses impactos?
Por exemplo, a guerra comercial entre Trump e China fez com que os chineses deixassem de comprar soja dos EUA e passassem a comprar do Brasil. Isso prejudicou os produtores norte-americanos, mas beneficiou os produtores brasileiros. Só depois de fevereiro deste ano, a China não comprou nenhuma soja dos EUA — todo o volume foi direcionado ao Brasil.
Esse redirecionamento beneficiou indiretamente nossos negócios no Brasil. Portanto, estamos vendo muitas mudanças nos fluxos comerciais no mundo. É um momento muito dinâmico. Não estamos no centro direto dessas disputas, mas aqui no Brasil estamos abertos a oferecer qualquer apoio técnico ao governo em eventuais negociações com os EUA.
Chega a afetar a venda de fertilizantes para os produtores americanos?
Não necessariamente. Até agora, os agricultores dos EUA não reduziram o uso de fertilizantes, porque isso é essencial para o negócio deles. O que pode acontecer, e já aconteceu no mandato anterior, é o Trump enviar cheques de compensação para os produtores, para cobrir os prejuízos causados pela própria guerra comercial. Existe expectativa de que ele volte a fazer isso. Vamos ver.
O que mais você recomendaria que o setor ficasse de olho no próximo ano? Algo mais nesse cenário global?
O principal ponto a observar é como o governo brasileiro vai lidar com a questão do crédito aos produtores. Esse é o fator mais importante.
No cenário geopolítico, tudo é muito incerto. Ninguém sabe se haverá uma resolução entre Rússia e Ucrânia, por exemplo. Mas para o Brasil, mesmo que haja uma resolução, não muda muito, porque os fluxos comerciais de fertilizantes já estão consolidados.
Se a situação entre Trump e Brasil, ou Trump e China, ou Trump e Índia piorar, teremos que observar. Mas, no curto prazo, o maior desafio está no ambiente doméstico: apoio ao crédito e taxas de juros altas, que afetam diretamente os agricultores brasileiros.