Nos últimos anos, o setor de bioinsumos registrou um boom no número de empresas. O grande volume de CNPJS no segmento está diretamente relacionado ao aquecimento desse mercado, que cresceu em média 29% em área potencial tratada (PAT) nas últimas seis safras, segundo levantamento feito pela Kynetec, especialista em pesquisa e análise do mercado de defensivos.

O levantamento, feito com 16.200 agricultores, considerando 29 cultivos, apontou que a adoção de algum tipo de biocontrole ultrapassa 43% de 85 milhões de hectares plantados, um crescimento de 2% em relação à safra 2023/2024. Desse total, soja e milho representam 77% do uso de bioinsumos.

A receita em dólares no mesmo período subiu 34%, com o custo médio de US$ 23 por hectare para o agricultor. O custo ainda é superior ao das soluções químicas, mas o desenvolvimento do mercado deve trazer maior equidade no futuro.

“Em alguns casos deveremos ter o pagamento de prêmios para bioinsumos com melhor desempenho, em outros, preços similares aos dos químicos e em algumas ocasiões, preços até inferiores, dependendo da cultura, demanda e eficácia”, pondera o gerente de atendimento ao cliente da Kynetec, Cristiano Limberger.

Os números foram apresentados durante o BioSummit, que aconteceu no início de junho, em Campinas (SP).

E o alcance desses produtos deve crescer ainda mais. Dados reunidos pela Blink Inteligência Aplicada apontam que a área tratada com bioinsumos pode saltar de 133 milhões para 190 milhões de hectares até a safra 2028/2029. Os números consideram uma sobreposição das aplicações e usos de diferentes produtos em um mesmo hectare.

Em termos de faturamento, os bioinsumos ligados à nutrição e fisiologia das plantas devem sair de R$ 3,8 bilhões na safra 2024/2025 para R$ 6 bilhões em 2028/2029 — uma taxa de crescimento de 13% ao ano.

Ainda assim, os últimos ciclos acenderam um sinal de atenção no setor, com os primeiros sinais de estagnação depois de anos de crescimento expressivo.

“Notamos uma estabilidade nesse faturamento, com duas safras estacionadas nesse montante”, comentou Cárin Lausmann Junco, consultora da Blink.

Embora o clima de otimismo permaneça em relação ao potencial de crescimento desse mercado para o próximo ano, o setor tem esbarrado na perda de velocidade na inovação e de aprovação de novos produtos e, como consequência, na redução de suas margens.

“Quando tudo vira mais do mesmo, o consumidor final paga o mais barato”, afirma Cárin Junco, que há três anos mapeia o setor. Para ela, um dos efeitos mais visíveis desse novo momento é uma espécie de “comoditização” dos biológicos.

Segundo Cárin, o setor viveu um boom de novos negócios focados em biológicos, o que trouxe um cenário de dificuldade das empresas mostrarem os diferenciais tecnológicos de cada cepa que virou insumo.

O CEO da EstrategicAg Consultoria, Fabio Sgarbi, concorda. Segundo ele, as mais de 150 empresas do setor no Brasil têm um portfólio de aproximadamente 600 produtos. “Mas quando olhamos o número de ativos desses produtos, não passam de 15”, explica.

Ele cita como exemplo o mercado de inoculantes, onde apenas dois ativos representam cerca de 90% dos produtos no mercado. “No mercado de bionematicida são quatro ativos”, aponta.

No fim das contas, esse cenário favorece o bolso do produtor, em um momento ainda crítico para o agronegócio, com preços das commodities em baixa, onde o termo de ordem é “diminuir o custo”, mas pode afetar o resultado da indústria de bioinsumos.

“O produtor está com um poder de barganha bom porque a oferta de produtos similares é grande. O mercado de biológicos está crescendo em número de aplicações, mas ao mesmo tempo, como tem muita empresa no mercado, a fatia desse bolo está ficando menor”, explica o presidente da Associação Nacional de Promoção e Inovação da Indústria de Biológicos (ANPII Bio), Thiago Delgado.

Para ele, as margens atuais das companhias estão ‘equilibradas’. “Não temos mais aquela margem alta do início do negócio, quando a oferta era pequena, mas a gente não tem margens tão baixas quanto no momento de pressão do mercado”, avalia.

Para se tornar um “vencedor” nessa disputa, Fernando Andreote, professor da Esalq e especialista em ciência do solo, acredita que uma margem ideal de lucro para o negócio gira em torno de 30%. Cárin Junco, da Blink, cita “15% a 20% no mínimo para não ficar pelo caminho”.

Na visão de Sgarbi, essa retração nas margens já está corroendo uma parte do mercado. “À medida que o preço cai, a margem cai. Algumas empresas deixarão de ser competitivas e aí veremos as consolidações, com empresas mais fortalecidas comprando empresas menores”, prevê.

Cárin Junco, da Blink, reforça essa visão. “Veremos muita fusão e aquisição. Vai ter gente se perdendo no caminho, vai consolidando e com isso, empresas ficando pra trás”.

Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem do AgFeed, esse movimento de consolidação já aconteceu antes, tanto no mercado de sementes quanto no de fertilizantes foliares, e é um processo natural, já esperado. “Faz parte do processo de amadurecimento do mercado”, avalia Delgado.

“Para se destacar, uma empresa precisa se diferenciar, seja operando com custo baixo ou oferecendo soluções inovadoras e para ambos é preciso ter capital para investir. Por isso, provavelmente veremos uma especialização nesse mercado também”, avalia Sgarbi.

Por ora, Delgado explica que a inovação deve vir na melhoria de processos. “Elas estão mais associadas à produção e à formulação dos produtos e não tanto a micro-organismos”, pondera.

Químicos x Biológicos

O crescimento do mercado de bioinsumos não significa que os defensivos químicos deixarão de ser utilizados. Pelo menos não no médio prazo.

Delgado explica que muito do crescimento dos biológicos atualmente se dá na combinação de seu uso com insumos químicos, gerando resultados mais duradouros no campo.

No entanto, em algumas frentes, o crescimento do biocontrole ainda esbarra na eficácia. Limberger, da Kynetec, explica que em várias situações, os insumos químicos ainda possuem maior eficiência.

“Se olharmos para os mercados onde os bioinsumos são referência, veremos que eles não perdem nada para o controle químico. Eles entregam resultado e garantem a produtividade”.

É o caso da cigarrinha do milho. “Assim que a praga cresceu nas lavouras, o biológico conseguiu ocupar o espaço de tratamento dando resultados consistentes, já que o bioinsumo controla o inseto tanto na fase jovem quanto na adulta”.

Justamente por isso, o percentual de uso cresceu de 26% na safra 2020/2021 para 45%, segundo dados da Kynetec apresentados durante o BioSummit.

Já no tratamento de outras pragas e doenças onde os químicos estão consolidados, Cristiano Limberg explica que o desafio é um trabalho que traga resultados consistentes.

É justamente aí que entra a inovação. “Uma boa tecnologia que pode contribuir para esse salto de inovação na agricultura é o uso de RNAI combinado ao produto biológico, é algo que deve acontecer nos próximos anos”, calcula Delgado.

Limberg chama atenção também para alguns trabalhos de desenvolvimento de bio-herbicidas, categoria onde ainda não há nenhum produto comercial. “Mas já existem testes e pesquisas e devemos ver soluções nos próximos anos”.

Sgarbi avalia que a clareza da regulamentação está diretamente relacionada com a inovação. Ele avalia que nos próximos anos o mercado deverá receber produtos com outras moléculas biológicas como peptídeos e quitinas, cujas pesquisas já vêm sendo desenvolvidas inclusive por outros países.

“A medida que haja maior clareza nas regras para os registros de novos produtos, esse movimento deverá acontecer”.

O forte apelo dos consumidores por bioinsumos colabora para que as empresas de químicos invistam também na ampliação do portfólio de bioinsumos. “É um processo que está começando e vai continuar crescendo”, pondera.

No entanto, para acelerar esse cenário, a regulamentação é fundamental.

Legislação

Aprovada em 24 de dezembro do ano passado, a legislação que regulamenta a produção e comercialização dos bioinsumos ainda deixa muitas dúvidas.

Isso porque os detalhes como critérios para o registro de produtos, além de testes exigidos para cada categoria ainda serão discutidos pelo grupo de trabalho criado pelo Ministério da Agricultura e que terá a participação das entidades do setor.

“Por isso é importante que as associações que estão discutindo essa regulamentação cheguem a um consenso, para adotarmos um discurso único e coeso junto ao mapa”, avalia Delgado.

Fábio Kagi , gerente de assuntos regulatórios do Sindiveg, explica que a clareza nas regras é fundamental para que a legislação acompanhe também o crescimento do setor.

Ele cita como exemplo os produtos com múltiplas funcionalidades, cujos registros em todo o mundo são feitos por categorias. Assim, eles são submetidos várias vezes às análises para registro, o que acaba ocupando as equipes de governo várias vezes.

“Vimos casos de empresas barradas de lançar um produto inovador porque não tem caminho regulatório na lei”, afirma Junco.

“Precisamos ter uma regulamentação que seja simples, que traga segurança para o processo, com uma análise bastante séria dos produtos, mas, ao mesmo tempo, não pode trazer burocracia excessiva”, pondera Kagi.

Sgarbi considera que o momento de transição pelo qual passa o Brasil, com as discussões sobre a regulação, pode representar um divisor de águas, inclusive para a maior atração de investimento estrangeiro no segmento de bioinsumos no país.

“À medida que esse cenário de registro de produtos novos fica mais claro para as empresas de fora, elas passam a ter mais confiança, o investimento acontece e consequentemente, a inovação”.

Andreote, da Esalq, cita que o tempo médio para desenvolvimento de um produto com origem biológica é de cinco anos, e custa, em média, entre R$ 1 milhão e R$ 2 milhões, o que segundo ele, é metade do tempo de um químico e com um custo 10% menor.

Resumo

  • Levantamento da Kynetec mostra que na safra 2024/2025 a adoção de algum tipo de biocontrole ultrapassa 43% de 85 milhões de hectares plantados, um crescimento de 2% em relação a 2023/2024
  • Com aumento da concorrência, tendência é que biológicos passem a ter custo menor, se aproximando, em alguns segmentos, dos químicos
  • Estreitamento de margens deve acelerar processos de fusões e aquisições, em movimentois semelhantes ao que aconteceu em outros mercados