Quando a nova gestão da Raízen assumiu a empresa no início de 2025, a perspectiva de transformação da empresa sempre foi tratada como algo de longo prazo.
O meio do caminho, como não poderia deixar de ser, é tortuoso. No primeiro trimestre da safra 2025/2026, período que foi de abril a junho deste ano, um balanço com R$ 1,8 bilhão de prejuízo líquido e um avanço de 55% na dívida líquida, que encerrou o período em R$ 49 bilhões. A alavancagem saiu de 2,3 vezes para 4,5 vezes.
Apesar dos números impressionarem num primeiro momento, a direção da empresa garante que tudo está seguindo uma “jornada de até três anos”.
Em uma call com analistas e investidores na manhã desta quinta-feira, 14 de agosto, o CEO, Nelson Gomes, o CFO, Rafael Bergman, e o diretor de Relações com Investidores, Philipe Casale, deram mais detalhes sobre a foto do momento da companhia controlada pelos grupos Cosan e Shell.
Em relação aos indicadores financeiros, Casale explicou de cara que a dívida líquida e a alavancagem aumentaram principalmente por dois motivos: uma menor geração de resultado operacional, que diminuiu o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação), e a sazonalidade usual do início do ano-safra, período em que a necessidade de caixa é mais elevada.
A alavancagem financeira da empresa considera a relação entre o Ebitda dos últimos 12 meses, que somou R$ 10,9 bilhões, número 19% menor do que o visto no ano passado, e a dívida líquida, que também avançou. Com a dívioda líquida subindo a R$ 49 bilhões, contra R$ 31 bilhões de um ano atrás, essa alavancagem saltou de 2,3 para 4,5 vezes.
Somado a isso, a companhia fez uma série de captações nos últimos meses, a fim de alongar seu perfil de dívida, mas não recomprou dívidas mais curtas no mesmo ritmo. Hoje, o prazo médio da dívida está em pouco mais de 8 anos, com R$ 20 bilhões a vencer somente entre 2033 e 2034.
“Substituímos linhas de capital de giro de curto-prazo para dívidas mais longas e esse movimento explica parte relevante do nosso endividamento no período”, resumiu Nelson Gomes, CEO.
A estratégia mostra uma preferência por fazer caixa nesse primeiro momento. Rafael Bergman justificou: “Tomamos uma decisão estratégica de operar com liquidez, com um caixa mais alto do que histórico para enfrentar com segurança o período de transformação”.
A Raízen encerrou junho com R$ 15,7 bilhões em caixa. No ano passado, possuía R$ 9,9 bilhões.
Além disso, a companhia citou que possui aproximadamente US$ 1 bilhão (ou R$ 5,5 bilhões) em linhas comprometidas disponíveis de crédito rotativo (RCF), que ainda não estão demonstradas no balanço.
O caixa ainda deve ganhar reforços. “A companhia captou R$ 5,9 bilhões, incluindo a emissão de US$ 750 milhões em títulos com prazo de 7 anos. Adicionalmente, até o final deste ano-safra, a Raízen espera receber cerca de R$ 2,6 bilhões relativos a desinvestimentos já anunciados”, diz em seu balanço.
O CFO cita que a empresa deve continuar a investir, mas evitou dar detalhes de novas vendas, ou “simplificação de portfólio”, termo que os próprios executivos usam.
O CEO Nelson Gomes relembrou que a empresa já vendeu a Usina Leme, desativou o Bioparque MB e, mais recentemente, hibernou a histórica Santa Elisa. Fora do “core business", se desfez de diversas unidades de geração distribuídas.
Rafael Bergman acrescentou justificando que os desinvestimentos que foram feitos e os que a empresa segue avaliando são sempre em ativos que, na visão da diretoria, “possuem menos sinergia com o portfólio ideal remanescente, que mira foco em uma boa rentabilidade”.
“O negócio de etanol, açúcar e bioenergia é estratégico e pode ser mais rentável. Isso pode vir de avenidas distintas, seja um desinvestimento, mas também tem que incluir os ativos que ficam, que precisam ganhar eficiência e produtividade”, afirmou o CFO.
“O resultado final da jornada pensa em todos elementos e queremos ter um portfólio enxuto, sinérgico e com escala. Não preciso de 27 usinas para ter escala ou volume para ter presença relevante no mercado”, concluiu.
No caso mais recente, da Usina Santa Elisa, a decisão de hibernação foi, segundo o CFO, por se tratar de ativo deficitário. Ele cita que, em alguns casos, a Raízen percebe que o ativo não é rentável suficiente para a companhia, mas que pode ser para terceiros.
Nesse capítulo específico, a empresa vendeu 3,6 milhões de toneladas de cana-de-açúcar (incluindo cana própria e a cessão de contratos com fornecedores) por R$ 1,04 bilhão para empresas como Usina Alta Mogiana, Usina Bazan, Usina Batatais, Pitangueiras Açúcar e Álcool e a São Martinho. A São Martinho, inclusive, informou que assumirá 10,6 mil hectares de cana de contratos da usina.
Bergman ainda disse que os desinvestimentos vão melhorar a geração de caixa, mas por enquanto, um caixa “inorgânico”.
Outro aspecto dessa simplificação de portfólio está na própria otimização interna da Raízen, que viu suas despesas gerais e administrativas recuaram 20% de um ano para o outro.
A própria forma de apresentar o balanço - mais enxuto, direto ao ponto e de fácil leitura -, mostra uma Raízen mais simples, e foi alvo até de elogios por parte do analista do UBS, Matheus Enfeldt, e do analista da XP, Pedro Fonseca.
Porém, na missão de trazer mais rentabilidade (e consequentemente mais Ebitda) a esse portfólio que deve ser cada vez mais enxuto, ainda faltam outros elementos na equação.
O primeiro é o operacional, que já trouxe desafios no primeiro trimestre da safra. A moagem de cana da empresa caiu em mais de 20%, o que trouxe 21,5% menos açúcar e 26,7% menos etanol produzidos.
Phillipe Casale, diretor de RI, cita um início de safra desafiador para toda a indústria. “Clima seco e incêndios na safra passada, seguidos de menos chuva do que o histórico na entressafra. Isso prejudicou o desenvolvimento da cana. No trimestre, volume acima da média de chuvas, que atrasou colheita e aumentou custos”, resumiu.
Outro aspecto que pode favorecer a Raízen é uma injeção de capital por parte dos seus controladores, Shell e Cosan.
A companhia citou a possibilidade no balanço e Rafael Bergman disse que há apenas “conversas em andamento em relação a essa capitalização”.
“Há uma conversa ativa entre os controladores para avaliar mecanismos para acelerar a jornada e reduzir riscos. Não tenho detalhe nem certeza de uma potencial operação”.
Ao final da call, o CFO da empresa também citou que, para gerar caixa de forma orgânica, ainda falta um elemento que pouco depende da própria empresa: a taxa de juros, com a empresa já vislumbrando uma trajetória de queda na Selic.
“Operamos com um patamar de juros no pico. Para uma empresa com patamar de dívida igual ao nosso, é uma pressão na geração de caixa grande”, concluiu Bergman.
Na Bolsa, o mercado não gostou do que viu no balanço. Por volta das 11h20, a ação da companhia despencava 12,50%. No ano, o papel acumula baixa de 50%, e hoje é cotado a R$ 1,05.
Resumo
- Mercado reage mal e ações caem mais de 12% após divulgação do balanço, acumulando queda de 50% em 2025
- Raízen registra prejuízo líquido de R$ 1,8 bilhão no 1º trimestre da safra 2025/26, com dívida líquida subindo 55% e alavancagem passando de 2,3x para 4,5x
- Companhia reforça caixa para “enfrentar período de transformação”, com R$ 15,7 bilhões em junho e expectativa de mais R$ 2,6 bilhões de desinvestimentos entrando na conta até o fim do ano-safra