Para muitos, era apenas questão de tempo. Abalada pelas dificuldades do mercado de insumos agrícolas nos últimos dois anos e alvo frequente de rumores de que poderia sucumbir às suas dívidas – da mesma forma que a concorrente AgroGalaxy – a gigante de distribuição de insumos Lavoro anunciou na tarde desta quarta-feira, 18 de junho, ter dado início oficialmente a um processo de recuperação extrajudicial.

Em documento protocolado na SEC (a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos, onde as ações da companhia sçao negociadas na bolsa eletrônica Nasdaq), a Lavoro informou ter chegado a um acordo com um grupo de credores para a repactuação de dívidas na esfera de um plano de reestruturação, que envolve cerca de R$ 2,5 bilhões em dívidas vencidas.

Segundo o comunicado, empresas como Basf, FMC e UPL, que estão entre as principais credoras, já teriam aderido ao plano, que passa agora a ser apreciado pela Justiça de São Paulo.

Segundo disse ao AgFeed o CEO da Lavoro, Ruy Cunha, a companhia já tem aprovação de um total entre 36% e 40% dos credores.

Para que o plano seja homologado, além do aval da justiça, precisa obter a concordância de mais de 50% do total das dívidas, o que deve ser feito em um prazo de 90 dias.

“A gente já optou por fazer o protocolo agora, porque o momento é importante para estabilizar a situação”, disse. “A gente tem uma convicção, com base nas conversas que estão em andamento com os outros, que vamos chegar rapidamente nos 50%”.

Assim, já a partir desta quarta-feira – exatos 9 meses após o pedido de RJ do grupo AgroGalaxy –, a Lavoro também passa a contar com uma proteção contra execução de dívidas por parte de seus fornecedores, inclusive aqueles que não participaram do acordo inicial.

“Isso nos dá a segurança para começar uma nova safra sem sustos necessários”, afirmou.

A RE abrange apenas fornecedores da divisão de distribuição de insumos no Brasil e da Perterra, empresa do grupo Lavoro responsável pela importação de insumos genéricos comercializados nas lojas da companhia.

A operação Latam, que atua com distribuição em outros países da América Latina, e a divisão Crop Care, de produção de insumos, ficaram de fora do processo.

As dívidas com credores financeiros, que somam outros R$ 1,2 bilhão, foram renegociadas separadamente, em acordos bilaterais com bancos e instituições financeiras.

Segundo Cunha, também os investidores do CRA de R$ 420 milhões da Lavoro não serão afetados. “Provavelmente, a gente vai ter uma assembleia para discutir o ponto da RE”, informou Cunha.” A proposta da companhia é manter os pagamentos do CRA conforme o contratado”.

Qual é o plano?

O plano de recuperação apresentado ao Tribunal de Justiça de São Paulo prevê a extensão dos prazos de pagamento e a implementação de um modelo de financiamento de inventário com vigência plurianual.

O objetivo, segundo informou a empresa, é assegurar o fornecimento contínuo de produtos e mitigar riscos de interrupções na cadeia de suprimentos.

“Esse, no fundo, é o principal desafio para chegar em um acordo como esse”, pontuou Cunha. “Não é a renegociação do passivo, porque ela é relativamente simples, mas a continuidade do fornecimento”.

Além disso, processos como esse exigem reconquistar a confiança dos fornecedores, sempre abalada com o atraso no pagamento das dívidas, e torná-los parte da solução para honrar compromissos futuros.

Assim, o desenho do plano buscou, segundo o CEO da Lavoro, “garantir condições de fornecimento futuro, com uma condição onde o fornecedor se sinta confortável com alguma garantia colateral e que a companhia também se sinta confortável do ponto de vista de ter um certo volume que garanta a sustentabilidade da solução”.

O modelo adotado foi a divisão desses credores em cinco categorias distintas, oferecendo a cada uma delas prazos distintos para o pagamento das dívidas vencidas.

Para aqueles que aprovarem o plano, a Lavoro não prevê deságio nos créditos, mas condições específicas para o tempo de recebimento.

O que diferencia cada uma é, segundo Cunha, “o volume de fornecimento e de crédito, incluindo o crédito clean que ele está disposto a fazer junto com a companhia”.

Assim, os “Credores Especiais”, por exemplo, que englobam as principais companhias de insumos, receberão 100% do principal, com juros corrigidos pelo IPCA, sendo até 20% (ou até 40% no caso de dívidas em dólares) pagos em produtos mantidos em estoque, com o saldo quitado em oito parcelas semestrais de setembro de 2025 a abril de 2029.

Já os “Credores Gerais”, terão até 10% pagos em produtos mantidos em estoque e o restante em 10 parcelas semestrais entre setembro de 2025 e abril de 2030.

Uma categoria especial foi criada para abrigar os sementeiros, já que, segundo Cunha, são em geral empresas menores e com maior dificuldade com fluxo de caixa. Aqueles que derem aval ao plano receberão integralmente os valores devidos, também corrigidos pela inflação, em cinco parcelas semestrais entre outubro de 2025 e setembro de 2027.

Já o “Credores Pequenos” receberão até R$ 50 mil em pagamento único, com o restante da dívida sendo extinto.

Para aqueles “não apoiadores” o deságio será de 50% do valor da dívida e o pagamento será feito em parcela única com correção pelo IPCA, mas apenas em junho de 2032.

Após a apreciação da justiça e de cumpridos os requisitos para a homologação, o plano será vinculativo para todos os fornecedores elegíveis, inclusive aqueles que não participaram do acordo inicial.

No processo de RE, diferentemente da Recuperação Judicial, essa aprovação não precisa passar por uma assembleia de credores.

Além da reestruturação das dívidas, o plano estabelece um modelo contratual plurianual para padronizar as condições comerciais de fornecimento e financiamento de inventário.

Esse modelo busca assegurar a disponibilidade dos produtos ao longo da vigência do plano e reduzir o risco de choques de crédito setoriais que possam comprometer as operações da Lavoro.

As negociações com os credores, de acordo com Cunha, vinham sendo feitas há vários meses, mas inicialmente de forma individual.
“Obviamente, é um processo que foi longo”, relatou. “Nós não começamos esse processo pensando necessariamente em fazer uma RE, porque o cenário não indicava necessidade”.

A situação começou a se tornar mais crítica, ainda segundo o relato de Cunha, a partir de setembro do ano passado, com o agravamento do ambiente operacional enfrentado pela empresa marcado por queda nos preços de commodities e insumos, redução da rentabilidade dos produtores, seca em estados agrícolas importantes e uma “restrição de liquidez” no setor.

Com os credores preocupado “com razão”, a Lavoro iniciou 2025 na mesa de negociações, com o apoio da controladora Patria Investimentos e a assessoria da Alvarez & Marsal, empresa especializada em processos de reestruturação corporativa, e do escritório Pinheiro Neto Advogados.

“Em algum momento, ao longo do processo, a gente a gente chegou à conclusão que os acordos, com boa vontade dos dois lados, estavam andando, mas precisávamos de alguma coisa para oficializar isso, principalmente pensando em fornecimento futuro”, disse o CEO. “A RE traz essa segurança de implementar acordos que foram feitos fora da justiça”.

Assim, a empresa avaliou que a abordagem bilateral não seria suficiente e optou por consolidar os termos em um único plano estruturado.
Com os bancos, conversas à parte

O mesmo raciocínio não foi repetido nas conversas com os credores financeiros, com quem a Lavoro mantém dívidas de R$ 1,2 bilhão. Nesse caso, com menos grupos do outro lado da mesa e sem o impacto no fornecimento, a opção foi manter os acordos bilaterais, com termos específicos negociados com cada banco.

“A gente tentou uma certa equidade, mas talvez ela não ficou exatamente igual para todos”, afirmou Cunha. Segundo ele, a Lavoro conseguiu “jogar para a frente” esses valores, ganhando, em média, de quatro a cinco anos de fôlego no pagamento do principal.

Até lá, a companhia saldaria apenas os juros incidentes nos financiamentos.

“A nossa dívida financeira é menor do que a operacional e com poucos bancos, então isso facilitou. Então é uma negociação diferente e, na comparação, acho que é mais simples”.

Balanços difíceis

Junto com o anúncio da recuperação extrajudicial, a Lavoro apresentou números preliminares do segundo trimestre do ano-safra, que já permitem entender um pouco da fotografia atual da companhia.

A receita total preliminar do segundo trimestre fiscal (período de outubro de 2024 a dezembro de 2024) foi de R$ 2,25 bilhões, queda de 27% em relação ao mesmo período do ano anterior, quando havia registrado receita de R$ 3,065 bilhões, "devido à escassez de estoque na parte de varejo agrícola do Brasil que levou a cancelamentos de reservas e impactou indiretamente a receita de Crop Care".

O lucro bruto consolidado foi de R$ 366,9 milhões, uma redução de 28% em relação ao segundo trimestre do exercício fiscal anterior. A margem bruta caiu 40 pontos-base, ficando em 16,3%.

Nas operações de varejo no Brasil, a receita caiu 30%, alcançando R$ 1,84 bilhão, e a margem bruta encolheu 240 bp, situando-se em 11,5%.

A empresa informou que, nesse segmento, optou por priorizar o relacionamento com os clientes, entregando produtos equivalentes ou superiores aos originalmente solicitados, mesmo com impacto negativo na margem.

No segmento de varejo da América Latina, que inclui operações fora do Brasil, a receita cresceu 4%, atingindo R$ 287,3 milhões.

O lucro bruto subiu 32%, chegando a R$ 64,8 milhões, com expansão da margem bruta em 480 bp, para 22,6%.

A Lavoro atribui esse desempenho à estabilidade de mercado e à valorização do peso colombiano em relação ao real, além de melhorias na margem de sementes e produtos especiais.

O segmento Crop Care, por sua vez, registrou receita de R$ 251,5 milhões, redução de 30% em relação ao mesmo trimestre do ano-safra anterior.

A empresa apontou dois fatores principais para a contração: incertezas regulatórias no mercado de biológicos e o cancelamento de pedidos das subsidiárias da Crop Care, Union Agro e Cromo, feitos pela Lavoro Brasil devido à escassez de produtos.

O lucro bruto no segmento caiu 53%, para R$ 59,5 milhões, e a margem bruta contraiu 1.160 bp, encerrando o trimestre em 23,7%.

Devido à complexidade do processo de recuperação extrajudicial e seus impactos nos fechamentos contábeis, a Lavoro optou por retirar o guidance para o exercício fiscal de 2025, informando que os resultados completos serão divulgados assim que os procedimentos forem concluídos.

Esses números, vale ressaltar, são apenas reflexo de mais um resultado fraco de uma série de números ruins apresentados pela Lavoro desde 2024.

O movimento da companhia acompanhou a tendência sentida por todo o mercado de revendas de insumos agrícolas, com as dificuldades no campo afetando as compras dos produtores, além de preços mais baixos dos insumos – em alguns casos, as empresas do setor até venderam mais, mas ganharam menos.

No primeiro trimestre do ano-safra 2023/2024, o prejuízo foi de R$ 79,6 milhões (considerando o câmbio atual), recuando para um resultado ainda negativo no segundo trimestre, mas menor, alcançando R$ 9 milhões, e escalando sucessivamente nos resultados seguintes.

No terceiro trimestre, o resultado negativo avançou para R$ 310 milhões e, no quatro e último trimestre, escalou para um prejuízo de R$ 796 milhões.

Nos resultados iniciais deste ano-safra 2024/2025, novo números fracos: no primeiro trimestre, cujos números foram apresentados em fevereiro passado, o prejuízo foi de R$ 267,1 milhões, quase quatro vezes superior ao resultado de um ano antes.

Junto com os números, a Lavoro anunciou que fecharia 70 de suas 187 lojas no Brasil, montante que correspondia a cerca de um terço de todos os pontos da empresa na América Latina.

“Essas iniciativas diminuirão os custos fixos, eliminando custos administrativos duplicados e gastos de inventário e também enriquecendo a eficiência de capital de trabalho. Esperamos que os benefícios dessas medidas se materializem na segunda metade do ano fiscal”, disse Ruy Cunha, ao AgFeed na ocasião.

Na ocasião, o que pesou menos no balanço da Lavoro foi o desempenho da Crop Care, a holding que reúne empresas fabricantes de insumos como a Union Agro, de fertilizantes especiais, e a Perterra, de químicos genéricos. A receita da holding foi de R$ 293,7 milhões no período, aumento de 68% em comparação ao trimestre do ano fiscal.

Olhares atentos desde a crise da Agrogalaxy

Depois que a Agrogalaxy anunciou, em setembro de 2024, que entraria em recuperação judicial, o mercado colocou os dois olhos em cima da Lavoro, principal concorrente do grupo pertencente ao Aqua Capital.

De boatos em grupos de Whatsapp a posts no Linkedin, alguns deram como certo que a rede de revendas do Pátria seguiria o mesmo caminho. Isso porque a empresa já registrava uma piora nos indicadores de desempenho mostrados nos balanços.

O cenário era o mesmo da Agrogalaxy: uma redução de demanda por parte dos agricultores e uma queda no preço dos insumos, que juntos, trouxeram dificuldades financeiras para o setor.

Nessa época, quando a Lavoro foi parar no olho do furacão, um post que questionava se a “Lavoro seria a próxima AgroGalaxy” viralizou. O texto havia sido publicado pelo consultor Eduardo Lima Porto, diretor da LucrodoAgro Consultoria Agroeconômica.

Em um artigo recheado de números e gráficos - que, segundo o próprio autor, foram levantados com o auxílio da ferramenta Finchat.io, que utiliza inteligência artificial para fazer análises fundamentalistas de informações financeiras de empresas listadas -, Porto questionou de forma contundente a capacidade da empresa de honrar compromissos financeiros assumidos pela Lavoro.

Entre os pontos destacados por ele, um dos que mais chama atenção seria a relação entre dívida líquida e Ebitda, que de acordo com os cálculos feitos pela ferramenta, teria atingido 14,08 vezes.

Na época, o AgFeed apurou que vários executivos da empresa, incluindo o CEO, Ruy Cunha, atenderam investidores, clientes e fornecedores, num esforço para desmentir os rumores e contestar os dados publicados.

No fim da tarde do dia 26 de setembro de 2024, Cunha fez uma chamada de vídeo com cerca de 1,2 mil dos 3 mil funcionários do grupo, com o objetivo de tranquilizá-los.

Os argumentos utilizados nas conversas visavam contestar os dados apresentados no artigo. "São números que não fazem nenhum sentido", disse um executivo do grupo a um interlocutor.

De certa forma, o furacão foi perdendo força, mas a Lavoro continuava a mostrar uma dificuldade operacional nos seus balanços.

Em outubro do ano passado, a Bloomberg noticiou que a empresa buscava capital para atravessar o momento turbulento, tanto com fundos de investimento quanto com outras empresas.

Segundo o veículo, a Lavoro tinha cerca de R$ 1,3 bilhão em empréstimos vencendo em março de 2025. Citando fontes que preferiram não se identificar, a agência de notícias informou ainda que "os credores estão dispostos a ajudar Lavoro a passar por momentos difíceis e estão pressionando o Patria a injetar mais dinheiro na empresa".

De acordo com Cunha, o Patria apoiou todo o processo das renegociações, tanto com fornecedores quanto com bancos, “e foi fundamental para a gente chegar em um acordo a bom termo”.

O CEO descarta a necessidade, pelo menos por enquanto, de novos aportes do acionista majoritário. Segundo ele, “a ideia da reestruturação é que ela também dê o fôlego que a companhia precisa ter para, enfim, trabalhar sem nenhuma necessidade mais imediata”.

Além das negociações com credores, a Lavoro vem enfrentando sucessivas rodadas de ajustes na sua estrutura operacional, com um encolhimento de cerca de 30% das lojas, além de cortes em outras áreas internas.

Cunha afirmou que não descarta novos “movimentos pontuais”, mas avaliou que “80%, 90% do trabalho está feito”. Segundo ele, o objetivo da Lavoro é chegar a um tamanho que comporte a nova realidade do mercado da companhia.

“Também vai depender um pouco do cenário de mercado e de fornecimento final, enfim, como é que vai ficar o plano final”, afirmou.

Com reportagem de Gustavo Lustosa e Italo Bertão Filho.

Resumo

  • Depois de meses sendo alvo de rumores, Lavoro protocola plano de recuperação extrajudicial para se proteger de dívidas de R$ 2,5 bilhões
  • Empresa afirma já ter aprovação de grandes grupos credores, como Basf, FMC e UPL, que representariam quase 40% das dívidas
  • Plano prevê pagamento de dívidas integrais e com correção pelo IPCA para os apoiadores. O demais, teriam deságio de 50% e só receberiam a partir de 2032