Bastaram três meses da safra 2025/2026 para o Sicredi comprovar o que já era imaginado. O apetite do produtor pelo crédito agrícola é menor e as restrições impostas por recuperações judiciais, crise no Rio Grande do Sul e os juros elevados frearam o financiamento rural no atual período.

Principal instituição cooperativa do crédito agrícola no País, o Sicredi liberou R$ 21,5 bilhões em recursos para o setor entre julho e setembro, alta de 2,2% acima de igual período do ano passado.

De acordo com Gustavo Freitas, diretor executivo de segmentos, crédito e relacionamento do Sicredi, o porcentual é bem abaixo dos 10% projetados para toda a safra sobre a safra passada.

Com isso, os R$ 68 bilhões previstos para serem liberados em 2025/2026 pelo Sicredi dificilmente serão batidos, na avaliação do executivo. “Ainda não é uma mudança de guidance, mas a liberação deve crescer de 4% a 5%. Com isso, os R$ 6 bilhões a mais projetados para a safra devem ficar de R$ 2,8 bilhões a R$ 3 bilhões”, afirmou Freitas ao AgFeed.

O crescimento porcentual pode ganhar fôlego nos próximos meses, segundo ele, graças ao refinanciamento de dívidas de produtores rurais atingidos por estiagens e catástrofes climáticas, principalmente os do Rio Grande do Sul.

Por meio da Medida Provisória 1314/25 o governo liberou, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), R$ 12 bilhões para operações, a partir desta semana, com linhas controladas.

O Sicredi prevê destinar R$ 2 bilhões dos R$ 2,2 bilhões autorizados para a instituição financeira e alongar dívidas em até 10 anos, com um ano de carência e nove de amortização. Para a tomada de crédito, os produtores precisam ter propriedades em municípios com dois ou mais decretos de calamidade pública nos últimos cinco anos.

Principal mercado e com pouco mais de 30% da carteira do Sicredi, o Rio Grande do Sul deve ser o estado com mais renegociações. Dos 497 municípios do Estado, ao menos 400 devem se enquadrar nas regras, avalia o diretor do Sicredi. Outros municípios estão espalhados em Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e estados do Nordeste.

O Sicredi espera ainda renegociar e prorrogar entre R$ 9 bilhões e R$ 10,5 bilhões de produtores que tomaram crédito em linhas com recursos livres, o que levaria a um total renegociado de até R$ 12,3 bilhões.

De acordo com Freitas, a renegociação e a reestruturação financeira podem levar produtores a retomar o apetite por crédito ainda nesta safra.

Isso daria um fôlego para o Sicredi atingir um crescimento de até 5% nos recursos liberados em 2025/2026 sobre a safra anterior, mais que o dobro porcentual do ritmo do primeiro trimestre, mas metade do projetado anteriormente.

Segundo Freitas, enquanto o ritmo de financiamento segue aquecido para pequenos e médios produtores, com juros entre 8% e 12,5% ao ano, as Cédulas de Produto Rural (CPRs), a partir de 16,5% ao ano, têm demanda menor.

“O que também tem tido um bom ritmo de financiamento são as linhas em dólar, principalmente para alguns produtores de Mato Grosso que negociam desde a compra de insumos até a exportação na moeda norte-americana”, afirmou o diretor do Sicredi.

Com os juros mais elevados em ao menos uma década, produtores que podem se planejar têm optado por consórcios. De acordo com Sicredi, a modalidade tem crescido dentro da instituição financeira 30% ao ano, puxada principalmente pela demanda por máquinas e equipamentos voltados ao agronegócio.

Recentemente, a carteira de consórcio do Sicredi atingiu R$ 50 bilhões e a estimativa é que entre R$ 9 bilhões e R$ 10 bilhões sejam ligados ao setor agropecuário.

Em feiras realizadas no período final das safras, como o Show Rural Coopavel e a Agrishow, quando o crédito com juros controlados já acabou, o consórcio é a principal opção oferecida aos clientes, segundo Freitas.

Sem citar números, o diretor executivo de segmentos, crédito e relacionamento do Sicredi garante que a inadimplência do setor está em um patamar estabilizado na safra, após um crescimento nas duas últimas safras atrelado à série de recuperações judiciais.

Segundo Freitas, mais da metade da inadimplência está ligada aos pedidos de recuperação judicial, cujo pico foi em 2024.

“Surpreendentemente, no Rio Grande do Sul o aumento de inadimplência é mais comedido. Achávamos que iria ser pior, com a enchente e a seca das últimas safras”, explicou.

Por fim, Freitas avaliou que o seguro rural (ou a falta dele) ainda é uma das maiores preocupações para o Sicredi e o nível de subvenção para a proteção na atual safra tem caído. “É um problema estrutural que, ano após ano, tem sido mais difícil e o produtor fica contando com sorte”, afirmou.

Outro problema, conjuntural, é o ritmo de alocação de crédito rural após as mudanças na exigibilidade para o destino de recursos ao financiamento do setor.

“A safra em geral tem um ritmo de liberação muito mais lento para todos e tem muito banco batendo na porta para tomar mais recursos do Pronaf e para médios produtores e tenho colocado que não consigo”, concluiu.

Resumo

  • Sicredi prevê crescimento de 4% a 5% no crédito da safra 2025/26, metade do estimado, devido a juros altos e recuperações judiciais
  • Instituição deve renegociar até R$ 12,3 bi em dívidas, com foco em produtores do Rio Grande do Sul afetados por crises climáticas
  • Linhas em dólar e consórcios ganham força, enquanto a inadimplência se estabiliza e o seguro rural segue como desafio