Há pelo menos 25 anos o engenheiro agrônomo Anderson Galvão acompanha de perto o sobe e desce dos mercados de soja e milho, atuando como consultor de empresários do agro não apenas nos anos de glória, mas também nas fases difíceis já enfrentadas no campo.

A cada safra, a consultoria Céleres, fundada por Galvão em 2002, faz previsões detalhadas sobre a produção agrícola e também sobre o cenário econômico-financeiro que envolve os diferentes elos da cadeia.

É por isso que a visão do analista está mais no “filme” do que na “fotografia”, mesmo em tempos desafiadores como agora, com recorde de recuperações judiciais no agronegócio.

“Eu acho que nós ainda estamos no meio de um ciclo de baixa de commodities agrícolas. Se tudo se mantiver constante, a gente pode ter pelo menos de 3 a 4 anos pela frente de preços ainda baixos”, afirmou Anderson Galvão, em entrevista exclusiva ao AgFeed.

Na opinião dele, o cenário atual “não é muito diferente do que ocorreu entre 2012 e 2020, que foram 8 anos de preços baixos”.

No período entre 2020 e o começo de 2023, o produtor de soja cresceu muito, com margem em torno de 60%, ele diz, fazendo com o que bom resultado fosse visto também nos outros elos da cadeia, inclusive no distribuidor de insumos.

“Numa escala global, essas margens elevadas foram um convite ao aumento de capacidade instalada”, explicou.

Esse aumento de capacidade teria sido visto nas indústrias de fertilizantes, defensivos e máquinas, e até por parte do agricultor.

“Então, é necessário um período de margens ruins ou talvez negativas por muito tempo para que a demanda que cresce de forma discreta e constante absorva esse excesso de capacidade instalada. Isso não é exclusivo da agricultura, ocorre no mercado de carro elétrico. A China tem capacidade instalada de carro elétrico para produzir em um ano o que o mundo consome em três anos”, disse.

Anderson Galvão também afirmou que “se de fato tivéssemos uma crise verdadeira, a área plantada de soja tinha que cair, a área de milho tinha que cair”.

Os dados das principais consultorias, inclusive da Céleres, vêm mostrando o contrário. Na safra 2025/2026 há um acréscimo na área cultivada, pode ser menor do que em anos anteriores, mas ele ainda ocorre.

Na soja, a consultoria calcula que a área plantada nesta safra fique em 48,6 milhões de hectares, o que representa cerca de 2% de aumento em relação ao ano passado.

Considerando a produtividade histórica, a Céleres estima uma produção de 176,7 milhões de toneladas de soja, ou seja, um volume adicional de 4 milhões de toneladas em relação à safra 2024/2025.

“O fato de a área não estar caindo é uma evidência empírica de que algum dinheiro o agricultor está arrumando para plantar. Ou é uma gordurinha que sobrou, ou o custo está menor do que a gente imagina que está”, ponderou.

Galvão acredita que a produção de grãos “se acomodou num patamar menor de tecnologia”, em função das margens apertadas nos últimos dois anos, por isso não espera mudança significativa para baixo em produtividade à medida que a safra for se desenvolvendo, a não ser por questões climáticas.

“Em 21, 22, até mesmo no 23, o agricultor colocava tudo, tudo que você passava lá para vender, ele comprava e aplicava porque a margem estava muito boa. Já não foi a realidade do 24, nem do 25. Então, na nossa leitura, a gente meio que já deu uma acomodada nos pacotes tecnológicos. Até porque, se ele começar a cortar muita tecnologia, ele começa a cortar a produtividade, tem um limite para isso”, explicou.

Preço da terra vai cair?

Os dados da Céleres indicam que o resultado da operação de soja e milho em Mato Grosso gerou, na safra 2024/2025, uma margem Ebitda de 16,6 sacas por hectare, que estava em linha com média vista entre 2010 e 2019.

Para a atua safra que foi plantada, 2025/2026, a consultoria chegou a calcular que essa margem seria de 9,3 sc/ha em setembro passado, mas a análise mais recente indica um resultado de 12,1 sc/ha.

A mudança teria ocorrido principalmente por custos menores do que o esperado para a segunda safra de milho, o que teria compensado a alta de defensivos da safra de verão.

“Uma margem de 12 sacas é levemente abaixo da histórica, na 2023/2024 chegou a ser 8 sacas, então não é uma catástrofe. O grande desafio que um número considerável de agricultores vive é o tema da alavancagem financeira”, avaliou Galvão.

Na visão dele, os preços das terras devem cair em 2026, assim como o custo dos arrendamentos. Seria uma consequência dessa combinação de margem apertada com o cenário em que agricultores ainda possuem débitos, pagando parcelas de terras que compraram, investimentos em máquinas ou arrendamento carro, sem condições de fazer amortização das dívidas.

Para o produtor que não está endividado, essa margem de 12 sacas seria suficiente para manter a operação com resultado razoável.

“O preço de terra e arrendamento subiram muito nos últimos 3, 4 anos e, consequentemente, muita fazenda vai trocar de mão. A agricultura não quebra, quem quebra é o agricultor, como diria o Roberto Rodrigues”, lembrou.

Ele diz que o algodão chegou a segurar esses preços de arrendamento em Mato Grosso, mas que, atualmente, a pluma já não oferece a mesma rentabilidade, por isso será difícil segurar preços altos.

“Onde sobra arrendamento mais caro é onde tem concorrência com cana. Mas cana e açúcar também já começam a acomodar preços. Então todos esses elementos colocam uma leitura nossa aqui de que preço da terra e o preço do arrendamento deve cair um pouco mais no próximo ano”.

Milho “salva” o agricultor

A Céleres avalia que houve um leve aumento na área plantada de milho verão, chegando a 4,3 milhões de hectares, principalmente em função do Paraná e Santa Catarina.

Além do preço do cereal ter se mantido em patamar melhor ao longo de 2025, o momento da pecuária de corte e leite acaba beneficiando a produção na região Sul. A primeira safra de milho deve ficar em 27 milhões de toneladas, segundo a consultoria.

Para a safra de milho de inverno ou “safrinha”, a maior do País, a área plantada está sendo projetada em 18,8 milhões de hectares, o que representa um acréscimo de cerca de 600 mil hectares em relação ao ciclo anterior.

A produtividade da safrinha, talvez não repita o recorde da última temporada, por isso a Céleres prevê a produção em 117,6 milhões de toneladas de milho. Ao somar primeira e segunda, a produção total de milho é estimada em 147 milhões de toneladas, “praticamente o mesmo patamar desse ano”.

Anderson Galvão disse ao AgFeed que está preocupado com o mercado da soja.

“Por mais que a China compre mais no Brasil o ano que vem, e não cumpra na íntegra o acordo que fez com o Trump de voltar a comprar soja americana, o estoque doméstico de soja cresce”, alertou.

Já no milho, o cenário é mais favorável, mesmo que haja leve crescimento na produção. “Tanto a demanda de proteína animal para a ração, quanto a de etanol, principalmente no Cerrado, faz com que o estoque de milho no Brasil no ano que vem seja um pouquinho menor do que foi esse ano. Estoque menor, preços mais firmes”, afirmou.

Mas há outro grande ponto de atenção para 2026, segundo o analista. É a taxa de câmbio que será ainda mais crucial para definir se um agricultor fecha no lucro ou no prejuízo no próximo ano.

“Num cenário de fluxos cambiais positivos, juros altos no Brasil, um viés de perda de força do dólar na economia global, não é um absurdo voltar a falar de um câmbio de R$ 4,90, R$ 5,00 no decorrer do ano que vem. E cada R$ 0,10 para cima ou para baixo na taxa de câmbio, são R$ 5,00 numa saca de soja, R$ 3,00 numa saca de milho. Isso muda tudo”, explicou.

Da margem estimada em 12 sacas por hectare na safra atual, a maior contribuição é do milho, segundo a Céleres.

“O que está salvando esse agricultor, principalmente no Cerrado, é o milho. Em 2026 a margem de contribuição do milho para o negócio vai ser melhor do que a da soja”.

“Quando eu segrego, quando eu estou falando que vai dar 12 sacas de soja de margem por hectare, ali vai vir umas 7 sacas de soja, da lavoura soja, e o equivalente a 5 sacas de soja do milho”, ressaltou.

Esse tipo de cálculo é comum entre as consultorias. Os valores do milho são “convertidos” em soja para chegar ao indicador de margem Ebitda dos produtores de grãos. Eles plantam soja no verão e milho, nas mesmas áreas, no inverno.

Galvão diz que “o milho está quase igualando a margem da soja”. A explicação é a demanda doméstica aquecida, principalmente pela expansão do etanol de milho, mas também pelo momento ainda favorável na indústria de proteína animal, que usa o milho como ração.

O CEO da Céleres também comanda o projeto Getap (Grupo Tático de Aumento de Produtividade), uma iniciativa que envolve diferentes empresas e lideranças com foco no aumento da produtividade agrícola, especialmente na cultura do milho.

Ele lembra que no começo do Getap, em 2020, a produção de milho consolidada entre verão e inverno era de 100 milhões de toneladas. “Nós estamos indo para, praticamente, 150 milhões de toneladas em cinco anos. É 50% de crescimento”.

Neste cenário, ele acredita que em 2030 poderá produzir 200 milhões de toneladas. “Vai ser um fato histórico que, em algum momento daqui para 2030, a gente vai produzir mais toneladas de milho do que toneladas de soja”.

VBP para os próximos anos

A Céleres calcula o Valor Bruto da Produção (VBP) “combinado”, da soja com o milho, como mais um indicador da renda agrícola no País.

Na safra 2024/2025, este VBP estava em R$ 489 bilhões, bem acima do ano anterior, quando ficou em R$ 422 bilhões.

Para o período 2025/2026, o cenário mais provável indica R$ 484 bilhões, ou seja, praticamente estável. A consultoria faz também uma hipótese “otimista”, onde câmbio e Chicago subiriam, assim como o prêmio se manteria favorável e, assim, o VBP chegaria a R$ 526 bilhões.

No cenário mais pessimista, com preços e câmbio em queda, o índice reduziria para R$ 415 bilhões.

Nos gráficos da Céleres, o VBP mais provável para a safra 2026/2027 fica em R$ 510 bi e para 2027/2028 o valor chegaria a R$ 551 bi. Mas vale lembrar que esse é um cálculo que leva em conta a produção total das commodities e o preço médio, portanto, não necessariamente, é o preço que estará mais alto.

Galvão lembra que mesmo que a área de soja não cresça, a produção da oleaginosa seguirá crescendo.

“Se o Brasil parar de plantar, expandir a área plantada de soja, a gente cresce mais ou menos 60% do que o mundo pede de soja a mais todo ano”, afirma.

Isso ocorre em função da abertura das novas áreas nos últimos anos. A cada safra, essas lavouras mostram uma curva de crescimento na produtividade, naturalmente. Afinal, ele lembra, o Brasil ficou muito grande na soja. O País plantava 37 milhões de hectares antes da pandemia e agora chega a 48 milhões de hectares.

A previsão da consultoria é que o Brasil bata novo recorde nas exportações de soja em 2026, possivelmente chegando a 110 milhões de toneladas. Em 2025, as estimativas têm variado entre 107 e 109 milhões de toneladas.

O esmagamento de soja deverá subir de 58 milhões de toneladas para 61 milhões no ano que vem, principalmente pelo impulso do biodiesel.

No milho, o Brasil poderá exportar 42 milhões de toneladas esse ano e 48 milhões em 2026.

“Porém, em um mercado de etanol de milho continuando firme e também a alimentação animal, é possível que esses 48 milhões de toneladas de exportação não se concretizem e esse milho volte para o mercado interno, porque a gente está projetando a demanda de etanol de milho crescendo de 24 milhões para 26,8 milhões de toneladas”.

Para o agricultor, a tendência é de que os preços atuais ainda sejam compensadores para travar uma parte da produção.

“Esse ano, o agricultor que guardou soja da boca da colheita para vender agora em novembro, ele perdeu mais ou menos uns 15% em valor, porque guardar soja tem custo financeiro, tem custo operacional”, disse o analista.

RJs em 2026

Na opinião de Anderson Galvão, o cenário de crescimento no número de recuperações judiciais (RJs) entre produtores rurais, em 2026, tende a persistir.

“Acho que o tema da RJ continua, porque o custo do dinheiro, na minha leitura, também não vai cair. Por mais que, daqui a pouco, a partir do começo do ano, a Selic comece a cair, a agricultura só tem um custo de capital saudável quando Selic está a 8%, 7% ao ano”, avaliou.

O executivo critica a “onda” de RJs dizendo que, em muitos casos, é má gestão. “Eu sou, inclusive, de uma leitura que, se você decreta RJ, você tinha que sofrer uma intervenção, porque como é que você vai pedir RJ e continuar gerindo o negócio? Teria que chamar um administrador profissional para fazer o turnaround desse negócio”.

Apesar dos números recordes – no terceiro trimestre de 2025 foram 625 pedidos, o maior volume da série histórica do Serasa – Galvão lembra que o Brasil tem cerca de 250 mil produtores de soja e milho que tomam recursos de crédito rural via Plano Safra. “Portanto é número pequeno, mas vira um fato, não dá para menosprezar”.

Resumo

  • Anderson Galvão avalia que o agro ainda está no meio de um ciclo de baixa, com margens menores, custos pressionados e possível queda no preço da terra
  • A margem Ebitda estimada do produtor para 2025/2026 é de 12 sacas/hectare, afetada pela alavancagem financeira, mas suficiente para os menos endividados.
  • O milho surge como principal sustentação da renda, com demanda aquecida por etanol e proteína animal, devendo contribuir mais que a soja em 2026