Desde que a Tivio foi criada, em março de 2023, após o Bradesco comprar uma participação majoritária no braço de gestão de recursos e private banking do Banco BV, uma reorganização de rota apareceu dentro da gestora que possui mais de R$ 30 bilhões em ativos sob gestão.
Criada em 1999 como BV Asset, a empresa vive um momento decisivo, com uma possível saída do banco da família Ermírio de Moraes da sociedade e a troca de CEO, conforme antecipou o portal Neofeed. Mas segue o processo que resultou na consolidação de uma estrutura baseada em três setores de atuação: imobiliário, energia & infraestrutura e agro.
No universo rural, a leitura interna é de que o mercado entrou numa fase em que o apetite do investidor se desloca lentamente dos Fiagros de crédito para estratégias de equity.
Diante disso, a Tivio tem participado desse movimento com a tese de fundos que compram, transformam e desinvestem propriedades rurais, capturando a valorização do ativo real ao mesmo tempo que diminui o risco de crédito ou renegociações.
É dentro dessa lógica que a Tivio anunciou, há cerca de um mês, a criação do fundo AGBI Tivio Farmland Green Fund IV, lançado em cogestão com a gestora AGBI, voltado à compra e recuperação de terras degradadas em diferentes regiões do País.
A ideia é destravar valor em fazendas subutilizadas, conduzir sua conversão para a lavoura e realizar o ganho de capital no desinvestimento.
Do lado burocrático, aproveita a regulamentação definitiva dos Fiagros para ancorar a estrutura. Segundo explicou Adriano Mantesso, head de real estate da empresa, a ideia é operar esse fundo numa característica própria aos fundos de tijolo do mercado imobiliário.
“É um fundo de começo, meio e fim, com meta de captar R$ 300 milhões na primeira oferta. A tese é comprar terras degradadas, conduzir a conversão em quatro ou cinco anos e capturar o ganho de capital dessa transformação, que geralmente multiplica o valor da propriedade”, disse Mantesso em entrevista ao AgFeed.
Mantesso é um dos executivos que chegou à casa após a compra pelo Bradesco. Ele já passou pelo BTG Pactual e estava, antes da Tivio, em um fundo de pensão canadense, o Ivanhoé Cambridge.
O racional que trouxe para casa é o mesmo que guiou grandes alocadores globais: olhar para vocações nacionais. No México, era o turismo, e no Brasil, o agro. Ao estudar o histórico das terras brasileiras e o ciclo recente de correção de preços, reforçou a leitura de que existe uma arbitragem ainda disponível entre áreas degradadas e áreas produtivas.
Segundo ele, o fundo nasce para ocupar justamente esse espaço: comprar em regiões onde famílias tradicionais possuem patrimônio, mas não necessariamente capital ou estrutura para financiar a conversão, operar com parceiros locais e vender o ativo pronto, com potencial de multiplicação relevante.
A Tivio estrutura o produto com horizonte de dez anos e ciclos de conversão entre quatro e cinco anos. O arrendamento é montado com carência inicial para o operador, normalmente um vizinho ou produtor já estabelecido que investe na transformação.
A parceira da Tivio nesse fundo, a AGBI, é uma das pioneiras nas teses de fundos de terras. Até agora, já executou mais de R$ 420 milhões em transações anteriores. “Juntamos a força deles no campo com nós na estruturação do produto e gestão”, disse Mantesso.
No crédito, a gestora tem atuado de maneira seletiva. A exposição histórica ao agro sempre foi menor dentro do portfólio agnóstico herdado pela casa, mas ganhou tração nos últimos dois anos com operações orientadas a garantias fortes e previsibilidade operacional.
Katherine Kardos, responsável pela área de crédito estruturado e high yield, lembra que, apesar de o agronegócio estar presente no legado da casa, nunca houve um veículo exclusivo dedicado ao setor. Ainda assim, operações pontuais vinham sendo executada.
“Do ponto de vista histórico, a exposição ao agro sempre foi menor, mas nos últimos dois anos conseguimos trabalhar operações mais qualificadas”, disse.
Recentemente, a Tivio estruturou dois CRAs e uma debênture incentivada vinculada à Cocal, esta em uma emissão sindicalizada com Bradesco, Santander e Rabobank.
Segundo ela, 2025 foi um ano em que o mercado de crédito rural se reequilibrou após eventos de estresse que afetaram emissores médios. O investidor migrou para nomes high grade, deixando companhias intermediárias e consideradas “não problemáticas”, mas também não gigantes, em um limbo de funding.
“Esse meio do caminho ficou mais desassistido”, afirmou. Mesmo assim, o volume de emissões se recuperou na segunda metade do ano e a expectativa da Tivio é encerrar o ano com aproximadamente R$ 900 milhões em operações de CRAs, além da possibilidade de mais uma emissão de cerca de R$ 750 milhões para chegar ao mercado até o final do ano.
O diagnóstico interno é de que 2026 deve ser mais aquecido para crédito na Tivio. Não necessariamente porque o ciclo agrícola será melhor, mas porque a gestora estará mais estruturada para selecionar oportunidades em companhias que, mesmo saudáveis, foram punidas sistematicamente pelo mercado.
“Quando fazemos uma análise fundamentalista, dá para encontrar operações que pagam prêmio pelo tipo de risco sem que isso signifique uma deterioração real”, afirmou Katherine Kardos.
Do lado do equity, Mantesso reforça que a demanda por fundos de terras tem surpreendido positivamente, não apenas pela tese de conversão, mas pela combinação de impacto ambiental e social.
O fundo oferece arrendamento com carência, permitindo que operadores locais usem sua capacidade ociosa para converter as áreas. Ao final do ciclo, o ganho de capital é compartilhado entre os players.
Enrico Trotta, head de research, RI e inteligência de mercado, acrescenta que a ambição da Tivio no agro nasce dentro da mesma lógica que orienta suas outras frentes - imobiliário e infraestrutura.
“O agro faz parte do desenho estratégico porque é um setor no qual conseguimos combinar operações líquidas, veículos estruturados e teses alternativas em equity”, afirmou.
Os três compartilham da mesma opinião: o espaço para crescer no setor é amplo: de um lado, crédito com originação própria, e de outro, veículos de longo prazo dedicados à transformação de ativos reais.
A gestora planeja ampliar esse portfólio, mas sem pressa para lançar um fundo de crédito específico para o agro. “A ideia está no radar, mas ainda não achamos que essa é a melhor janela”, afirma Kardos.
Resumo
- Tivio, parceria de Bradesco e BV, lança fundo de conversão de pastagens degradadas, com meta de R$ 300 milhões
- No crédito, a gestora retomou ritmo em 2025, estruturou CRAs e debêntures para o agro, e prevê encerrar o ano com mais de R$ 1 bilhão em emissões
- Para 2026, a casa vê mais oportunidades em empresas médias do agro e mantém no radar a criação de um fundo de crédito dedicado ao setor