Em momentos de crédito mais restrito no agronegócio, os FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios) deixaram de ser nicho para virar base da infraestrutura da cadeia. E nesse mercado, a gestora paulista Multiplica segue ganhando terreno.
Nas últimas semanas, o MultiAgro, fundo da casa dedicado a operações fiduciárias de grãos, rompeu a casa de R$ 1 bilhão em patrimônio. A marca, informada com exclusividade ao AgFeed, marca uma trajetória que acelerou nos últimos anos junto do avanço das estruturas de fundos multicedentes e multisacados no agro e da migração de produtores, cooperativas e indústrias para instrumentos privados de financiamento.
O sócio-fundador da Multiplica, Eduardo Barbosa, explica ao AgFeed que esse fundo foi criado para financiar operações de estoque, exportação e vendas - sobretudo de soja, milho, cana, amendoim e tabaco -, utilizando garantias reais atreladas às commodities, geralmente com um “colchão” de 20% acima do risco.
“O fundo conta com os três tipos de cotas: sênior, mezanino e júnior, sendo a última de propriedade do grupo. Nossa estratégia no mundo dos FIDCs envolve usar capital proprietário para subordinar operações, ao mesmo tempo que mostramos alinhamento com as teses”, afirma.
O modelo, segundo o executivo, permite liquidez curta ao cotista sênior, que pode sacar em 29 dias recebendo CDI + 3,10% ao ano em uma estrutura de risco calibrada. “É um fundo construído para o agro intermediário: indústrias, esmagadoras, tradings, cooperativas. Não é um FIDC de produtor rural. É para quem carrega o fluxo da cadeia”, diz Eduardo Barbosa.
A lógica é simples, mas disciplinada: operações de até seis meses, garantias físicas auditadas por parceiros e uma esteira de análise de risco que combina histórico de produtividade, curvas de commodities e dados climáticos. Com isso, nos últimos 12 meses, o fundo entregou um retorno de 35,61%, ou 260% do CDI, aos investidores.
A curva de avanço no patrimônio líquido dá a dimensão da escalada: de R$ 6,1 milhões em janeiro de 2020 para R$ 121,9 milhões em 2022, R$ 306 milhões em 2023, R$ 807 milhões em 2024 e, agora, R$ 1,016 bilhão.
Por geografia, o fundo opera com cerca de 40% a 50% do portfólio no Sudeste (SP e MG), 30% a 35% no Centro-Oeste e o restante distribuído no Sul.
Recentemente, as originações no milho ganharam destaque, segundo Barbosa, por uma perspectiva de margem mais acentuada em 2026. Amendoim e tabaco seguem como nichos mais estáveis, avalia o sócio-fundador.
A Multiplica administra hoje cerca de R$ 18 bilhões em três pilares: wealth (com a gestão de patrimônio de 120 famílias) somando de R$ 8 bilhões), parcerias e FIDCs.
Nos fundos, a empresa opera com originação própria, com times dedicados espalhados por São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.
Esse pipeline alimenta não apenas o MultiAgro, mas também os mais de 50 FIDCs sob gestão da casa, que se dividem entre estruturas multisacados/multicedentes e fundos personalizados para empresas. No agregado, o braço de FIDCs soma entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões.
No universo multisacados, onde está o MultiAgro, o setor já representa cerca de 60% do portfólio. Nas estruturas single name, Barbosa destaca um programa junto à multinacional Corteva, que envolve fornecedores e já movimenta mais de R$ 1 bilhão por ano.
Ainda no universo dos fundos, a companhia ainda é co-gestora (juntamente com a securitizadora Ecoagro) do Fiagro EGAF11, listado na B3 e com patrimônio líquido de cerca de R$ 310 milhões alocados em diversos CRAs.
O escritório também prepara novos movimentos para 2026, incluindo operações com viés ESG. “Sem medir o que realmente determina capacidade de pagamento, ESG vira ornamento regulatório”, diz Barbosa.
Os silos da Faria Lima
Outra estratégia no agro envolve o avanço no programa de armazenagem. Em outubro do ano passado, a Multiplica havia adiantado ao AgFeed que entraria de vez no tema, começando por uma rede de silos compartilhados em pontos estratégicos, especialmente ao longo da BR-163, no Mato Grosso, e em áreas próximas ao Porto de Santos.
Na ocasião, a gestora já mostrava que não tratava a armazenagem como um negócio paralelo, mas como uma peça central da engrenagem de crédito.
O primeiro piloto dessa fase ficou em Planura (MG): três silos e duas moegas com capacidade para 10 mil toneladas, pensados para funcionar como um hub de soja e milho.
A ideia é que com a mercadoria armazenada, o produtor possa emitir uma nota de transferência e a Multiplica atuar como fiel depositária, assim como fazem bancos e tradings.
Com isso, os grãos passam a servir de garantia real para as operações de FDICs, ao mesmo tempo em que ajudam a aliviar o déficit de armazenagem que trava o país há décadas.
Agora, essa estratégia entrou numa nova fase. Em Sinop (MT), a Multiplica começou a construir seu primeiro silo próprio, com capacidade prevista para 2 milhões de sacas por ano de estocagem estática.
A estrutura, hoje em obras, faz parte de um novo desenho: além dos silos compartilhados, a gestora passa a ter braços proprietários para acelerar o modelo de crédito ancorado em estoque, um movimento com implicações diretas para o MultiAgro, que opera majoritariamente financiamentos fiduciários lastreados em grãos.
“Estamos otimistas com o agro e esperançosos para 2026. O Brasil está mais uma vez com recorde de produção de grãos, e acredito que as margens vão melhorar bastante no ano que vem. 2023 e 2024 foram anos muito difíceis”, sinalizou o sócio-fundador da Multiplica.
Resumo
- FIDC MultiAgro atinge R$ 1,016 bilhão em patrimônio, com retorno de 35,61% em 12 meses e foco em operações fiduciárias de grãos com garantias reais
- Multiplica possui R$ 18 bilhões sob gestão, e opera mais de 50 FIDCs e mantém originação própria em vários estados
- Programa de armazenagem próprio ganha tração com silo sendo construído em Sinop (MT), funcionando base para ampliar crédito ancorado em estoque