Foi em setembro de 2021. Há mais de quatro anos, portanto, a última empresa brasileira abriu seu capital na B3 em busca de recursos para investir e crescer. Curiosamente, duas companhias do agronegócio estiveram entre as últimas a acessarem esse mercado por meio da Oferta Pública de Ações (IPO na sigla em inglês), antes da derradeira janela de oportunidades.
Em agosto daquele ano, a gigante Raízen - joint venture entre Cosan e Shell - levantou R$ 6,7 bilhões. No mês seguinte, a Vittia arrecadou R$ 359 milhões em um IPO que foi adiado e então retomado. Foi o último movimento antes do freio às ofertas de ações dado pelo cenário político nebuloso e pelo ciclo de alta nos juros.
Entre os coordenadores do IPO da Vittia estava o Citi. E vem de André Cury, head do Commercial Bank para a América Latina do banco, a avaliação de que uma porta para novas captações desse tipo possa reabrir em meados de 2026.
Juros em queda e avidez por capital intensivo devem levar as empresas do agronegócio a serem as primeiras no novo ciclo, na avaliação do executivo, em entrevista ao AgFeed.
“O ambiente de juros vai passar por uma redução, o que deve fomentar o mercado de capitais de equity. A gente já vê movimentos nesse sentido e acredita que em breve haverá a reabertura desse mercado no Brasil”, afirmou Cury.
Segundo ele, mesmo com o cenário eleitoral tensionado pela polarização prevista para as eleições presidenciais de 2026, “os investidores de equity e os estratégicos olham o longo prazo, e não apenas o ciclo político”.
O executivo lembra que há muito espaço para o agronegócio crescer na B3. Apesar de representar cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e da carteira de crédito do Comercial Bank do Citi, o agronegócio ainda tem participação de apenas 5% nas negociações na Bolsa, índice que Cury considera “muito abaixo do potencial”.
Além da alta nos juros e o fim do ciclo de IPOs, a baixa presença do setor na Bolsa é explicada, segundo ele, pelo crescimento de outras fontes de financiamento, como mercado de capitais de dívida, bancos de fomento e crédito internacional.
“As carteiras, em geral, dos bancos, têm crescido menos do que estavam nos prognósticos, em função da taxa de juros, em função da redução dos investimentos e de uma substituição do empréstimo bilateral por outras formas, outros instrumentos, como do mercado de capitais”.
Mas os juros elevados que afastaram investidores, também criaram oportunidades para projetos estratégicos, de diversificação e aumento de produtividade no agronegócio. Cury citou, por exemplo, fábricas de açúcar anexas às destilarias de etanol e ainda investimentos em sistemas de irrigação. “São investimentos com retorno claro e que preparam as companhias para o próximo ciclo de expansão”, disse.
Cury destacou que o Citi ficou de fora das crises recentes do agro, marcadas por recuperações judiciais e aumento da inadimplência entre produtores. “Nosso público-alvo são médias e grandes empresas, com boa estrutura de capital. Não temos exposição direta ao produtor rural, onde estão os maiores problemas. Nossa carteira segue saudável e sem estresse financeiro”, afirmou.
A área de Commercial Bank do Citi no Brasil mantém, em média, 30% de sua carteira de crédito voltada ao agronegócio, proporção que tem se mantido estável e reflete, segundo Cury, “a relevância do setor na economia brasileira”. Essa exposição inclui subsetores como grãos, açúcar, etanol, café e proteína animal, com destaque para operações de financiamento à exportação e capital de giro.
Como o viés principal de financiar diretamente grandes e médias empresas em vários campos, entre eles exportações, o Citi não está envolvido em recuperações judiciais diretamente, de acordo com o executivo. “Não temos esse desafio interno, o que é benéfico para nossa proposta de valor. Na nossa base, temos clientes em cenário menos estressado e menos preocupante no geral”.
Entre os segmentos mais dinâmicos do agronegócio, na avaliação do head do Commercial Bank para a América Latina do Citi, está o do etanol de milho. Ele relembra que o setor já tem 18 usinas em operação, 21 em construção e mais 20 em projeto. A produção do biocombustível deve dobrar até 2035 e responder por metade do etanol produzido no País.
“O etanol de milho é altamente competitivo e vem atraindo grandes projetos. É onde estamos vendo o crescimento mais robusto. Além disso, há novas oportunidades em combustíveis sustentáveis, como o SAF (combustível de aviação), o biobunker (navegação) e o biometano e biogás, que reforçam o papel do Brasil como fornecedor global de energia renovável e descarbonização”, afirmou.
Na visão do Citi, o próximo ciclo de investimentos do agro brasileiro deve combinar a queda dos juros, retomada dos IPOs e expansão dos biocombustíveis, um tripé que pode reposicionar o setor tanto no mercado financeiro quanto no energético. “O agronegócio é o celeiro do mundo, e está se tornando também uma potência em energia limpa. O desafio agora é conectar o capital global a esse potencial”, concluiu Cury.
Na semana passada, em Ribeirão Preto (SP), o Citi realizou seu tradicional encontro anual com seus clientes do agro, uma base que já possui há 40 anos. Entre os mais de 100 participantes de mais de 50 empresas, as dúvidas e angústias foram mais conjunturais e factuais do que as estruturais.
A retomada de janelas de crédito na B3 ficou em segundo plano e a geopolítica global pautou o evento. As relações entre Brasil e Estados Unidos e entre os norte-americanos e a China foram os pontos principais dos debates com líderes e analistas.
Segundo Cury, no entanto, apesar da preocupação e das incertezas, em resumo, o cenário do comércio internacional para o agronegócio brascilerio é benigno, com “menor chance de ruptura e maior chance de negociação positiva entre as partes”.
Uma avaliação de certa forma otimista para quem está há 110 anos no Brasil e há 110 anos ligado ao agronegócio brasileiro, já que a instituição aportou por aqui para financiar as exportações de café.
Resumo
- Citi vê nova janela de IPOs na B3 a partir do 2º semestre de 2026, com a esperada queda dos juros
- Citi mantém carteira saudável, foco em médias e grandes empresas e tem passado sem turbulências por crise no agronegócio
- Etanol de milho lidera novos investimentos e impulsiona o ciclo de expansão do setor, avalia Citi.