Se as cadeias produtivas da soja, do milho e da pecuária de corte, pilares do agronegócio nacional, aprofundarem a adoção de práticas regenerativas e fizerem a interrupção do desmatamento para abertura de áreas de lavoura e pastagem, as emissões de gases causadores do  efeito estufa nesses setores poderão diminuir mais de 50% até 2050.

Essa é a conclusão do estudo Trajetórias de Descarbonização: Soja, Milho e Pecuária de corte 2023–2050, desenvolvido pelo Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro), por meio do Observatório de Bioeconomia, ao qual o AgFeed teve acesso. A pesquisa foi feita com apoio dos bancos Itaú BBA, Santander, Bradesco e Banco do Brasil, divulgado nesta sexta-feira, dia 9 de maio.

No estudo, os autores Eduardo Assad, Camila Genaro Estevam, Cicero Zanetti Lima e Eduardo de Morais Pavão mencionam que a agropecuária respondeu por 28% das emissões brasileiras de gases do efeito estufa (GEE) em 2023, somando 631,2 milhões de toneladas de CO2 equivalente (CO2e).

A maior parte das emissões veio da pecuária de corte, especialmente devido à fermentação entérica dos bovinos, com 405,1 milhões de toneladas de CO2e. Soja e milho também dão contribuição importante na pegada de carbono do setor pela utilização de fertilizantes nitrogenados e corretivos de solo como o calcário nas lavouras.

Antes de simular possíveis quadros para o futuro, os autores resolveram, então, adotar um cenário-base para simular como ficaria o sistema produtivo até 2050 caso nada mude.

Nesse contexto, o desmatamento seguiria a média histórica, não haveria o aumento da quantidade recuperada de áreas de pastagens degradadas, e haveria uma expansão apenas gradual do sistema de plantio direto em áreas que já adotam esse método, focadas em produtividade.

Para entender o que poderia acontecer no horizonte que vai até 2050, os autores também estabeleceram cenários em que há quatro condições: o fim do desmatamento, seja ele legal – que é autorizado pelo Código Florestal brasileiro, com percentuais que variam a cada bioma – ou ilegal, a partir de 2030; a expansão do sistema de plantio direto em mais 12 milhões de hectares pelo país; a recuperação de 30 milhões de hectares de pastagens degradadas; e a inserção de 10 milhões de hectares no sistema de integração lavoura-pecuária (ILP), em que bovinos e culturas agrícolas convivem em uma mesma propriedade.

“Por meio da biomassa vegetal e, especialmente, do carbono acumulado nos solos, práticas como o plantio direto, os sistemas integrados e a recuperação de áreas degradadas podem não apenas reduzir emissões, mas também promover remoções de carbono em larga escala. A interrupção do desmatamento, por sua vez, é uma medida essencial para alinhar o país às metas climáticas globais e garantir o uso sustentável dos recursos naturais”, diz o estudo.

No cultivo da soja, considerando que o quadro permanecesse o mesmo que o atual, com desmatamento seguindo a média histórica, sem aumento da quantidade de áreas de pastagens recuperadas, e com expansão apenas gradual do sistema de plantio direto em áreas que já adotam esse método, a quantidade de emissões seria de 23,4 milhões de toneladas de CO2e em 2050 – considerando uma área plantada de 63,2 milhões de hectares, crescendo 50% em relação aos atuais 42,1 milhões de hectares.

Na simulação do estudo, se houvesse a interrupção do desmatamento, legal e ilegal, a quantidade de emissões cairia para 20,9%, passando a 18,5 milhões de toneladas de CO2e. Com a expansão do sistema de planto direto e a adoção de sistemas integrados como integração lavoura-pecuária (ILP), poderia chegar a uma queda de 51,7% no total de emissões, atingindo 11,3 milhões de toneladas de CO2e.

Nesse cenário, que seria o de melhor resultado, as emissões ficariam 59,8% abaixo do que propõe a iniciativa Science Based Targets (SBTi), com diretrizes utilizadas globalmente nos planos de redução de emissões por parte das empresas, que coloca um limite de emissão de 27,8 milhões de toneladas de CO2e para o cultivo da soja em 2050.

“Do ponto de vista das remoções, observa-se um ganho gradual ao longo dos cenários, especialmente nas regiões com maior expansão do SPD, em que o aumento da matéria orgânica do solo permite estocar carbono em larga escala”, diz o estudo.

No milho, os números são parecidos. A área total plantada deve passar de 21,4 milhões de hectares em 2023 para 27,7 milhões de hectares em 2050, com destaque para o uso eficiente do solo por meio da rotação com soja.

Sem mudanças, a quantidade de emissões chegaria a 26 milhões de toneladas de CO2e em 2050. Com o fim do desmatamento, haveria uma redução de 30,4%, passando a 18,1 milhões de toneladas de CO2e. Com o somatório de plantio direto e ILP, o cultivo do milho poderia chegar a uma redução de emissões de 57,7%, atingindo 11 milhões de toneladas de CO2e – 38,9% mais baixa que a linha de corte do SBTi para o milho em 2050, que é de 18,1 milhões de toneladas de CO2e.

“As práticas conservacionistas ampliam não apenas a eficiência do uso da terra, mas também o potencial de remoção de carbono no solo, especialmente nas regiões de maior produtividade na segunda safra”, dizem os pesquisadores.

Na pecuária de corte, setor que tem a maior pegada de carbono da agropecuária brasileira, se nada mudar, as emissões chegariam a 1 bilhão de toneladas de CO2e em 2050.

Com a interrupção do desmatamento direto, essa quantidade cairia 21,7%, passando a 780 milhões de toneladas. Com a junção de sistemas de ILP e restauração de áreas degradadas, a redução seria ainda maior, atingindo 45,4%, totalizando 550,0 milhões de toneladas – pouco mais da metade da quantidade original e 49,9% abaixo da meta do SBTi para 2050, que é de 664 milhões de toneladas de CO2e.

“A combinação entre a interrupção do desmatamento direto (legal e ilegal) e a intensificação produtiva — com destaque para o SPD, a Recuperação de Pastagens e os Sistemas Integrados — mostrou-se fundamental para alcançar reduções robustas”, conclui o estudo.

Mas os pesquisadores da FGV também atentam que apenas esses elementos não são suficientes para que se atinja a neutralidade de emissões, existindo a necessidade de

incorporar novas soluções, como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), em que o gado convive com culturas agrícolas e florestas, tecnologias de manejo de resíduos da produção animal, utilização de bioinsumos e adoção de sistemas agroflorestais (SAF), em que há a integração de florestas com culturas agrícolas como grãos e hortifruti.

Os autores do estudo também se atentaram a um ponto relevante: o financiamento de toda essa transformação. “O setor financeiro desempenha um papel fundamental no apoio às ações de descarbonização da economia real, uma vez que as instituições financeiras têm a capacidade de incentivar práticas sustentáveis por meio da oferta de produtos e serviços”, afirmam.

O objetivo do estudo é justamente desenvolver as bases metodológicas e científicas para que as instituições financeiras possam fundamentar suas metas de descarbonização com horizonte até 2050.

Estabelecer uma métrica comum, no entanto, é um desafio ainda a ser superado, admitem os autores. A iniciativa SBTi, por exemplo, possui uma metodologia própria para agricultura e pecuária, mas ainda há a necessidade de adaptar essas bases ao contexto nacional.

“As curvas de descarbonização utilizadas, embora baseadas nas diretrizes da SBTi-FLAG, não contemplam integralmente todas as premissas metodológicas da iniciativa, servindo como referência adaptada à realidade nacional, e que ainda precisam ser validadas internacionalmente”, afirmam os autores.

“Ainda que os fatores de emissão utilizados neste estudo tenham sido ajustados para refletir melhor as práticas produtivas do agro brasileiro, persistem limitações relacionadas à necessidade do uso de proxies para estimar parte das emissões das atividades financiadas”, acrescentam.

Resumo

  • A área de soja poderá atingir 63,2 milhões de hectares em 2050. Se todas as boas práticas forem adotadas, como plantio direto, recuperação de pastagens e ILPF, a redução das emissões chegará em quase 52%
  • No milho, um cenário ideal de práticas sustentáveis levaria a uma redução de emissões de 57,7%, atingindo 11 milhões de toneladas de CO2e
  • Na pecuária de corte, setor que tem a maior pegada de carbono da agropecuária brasileira, se nada mudar, as emissões chegariam a 1 bilhão de toneladas de CO2e em 2050