Faltando pouco mais de um mês para o início da COP 30, que será realizada em Belém (PA), empresas e setores da economia têm se movimentado para marcar sua presença em meio às reuniões da conferência.
Nesta semana, uma iniciativa de mais de 40 empresas do agro entregou um estudo ao embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP 30, que mapeia as oportunidades e desafios para descarbonizar o setor.
O estudo foi conduzido pelo CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) e pela Coalizão do Agronegócio, uma iniciativa liderada por gigantes do agro como Amaggi, Nestlé, Syngenta, Tereos, Bayer e Citrosuco - além de mais de 40 entidades como associações, cooperativas, confederações, fabricantes de insumos, traders, produtores e entes financeiros -, e tem o intuito de construir uma proposta unificada de descarbonização do setor.
Segundo o relatório, ao qual o AgFeed teve acesso, o agronegócio é responsável por cerca de 30% das emissões líquidas de gases de efeito estufa do Brasil, o equivalente a 480 MtCO₂e (Megatoneladas de Dióxido de Carbono equivalente) no ano de 2023. A pecuária responde por 94% desse total.
O estudo projeta que, sem mudanças e ações coordenadas, as emissões do setor podem chegar a 790 MtCO₂e até 2050, um aumento de 66% em relação ao nível atual. Agora, se as práticas propostas forem seguidas à risca, de forma ordenada e em escala, as emissões líquidas cairiam para uma faixa entre 160 e 280 MtCO₂e, cerca de um quinto do pior cenário.
“O agronegócio brasileiro pode ser parte da solução climática. Por meio da agricultura regenerativa, o setor é capaz de atingir net zero até 2050, promovendo ganhos ambientais e segurança alimentar”, diz o estudo.
A maior fonte de emissões é a fermentação entérica dos bovinos, em que há liberação de metano pelo processo digestivo dos animais. Apenas essa categoria responde por mais de 400 MtCO₂e anuais. Outras parcelas vêm do manejo de dejetos animais, do cultivo de arroz inundado, do uso de fertilizantes nitrogenados e da calagem agrícola.
Na agricultura, os solos manejados são a principal fonte de gases, segundo o estudo da CEBDS, tanto pelo uso intensivo de insumos sintéticos como pela degradação de matéria orgânica, que é agravado em áreas de pastagens degradadas, estimadas em mais de 30 milhões de hectares.
A grande questão ainda fica pela conta a ser paga. O estudo cita que será necessário um volume de investimentos entre US$ 130 bilhões (cerca de R$ 710 bilhões pela cotação atual) e US$ 180 bilhões (cerca de R$ 980 bilhões) nas próximas duas décadas.
O cálculo considera o custo de adoção de 15 “alavancas de descarbonização” mapeadas pela Coalizão. Desse total, o estudo considera que uma parte considerável pode ser coberta por instrumentos já existentes.
O relatório aponta que programas como o Plano Safra, o Ecoinvest e linhas de crédito regionais voltadas à agricultura sustentável devem mobilizar entre US$ 70 bilhões e US$ 190 bilhões até 2050.
Ainda assim, a “lacuna” de financiamento é estimada em cerca de US$ 100 bilhões para alcançar a neutralidade de carbono. “Dado o tamanho do desafio, serão necessários recursos em condições adequadas (taxas subsidiadas, carência e prazos estendidos) para viabilizar as alavancas quantificadas até 2050”, ressalta o estudo.
No lado financeiro, o documento propõe sete caminhos para fechar essa lacuna. O capital catalítico, combinação de fundos públicos, multilaterais e privados de impacto, é visto como elemento central. Segundo o relatório, “sem instrumentos de blended finance e participação de bancos de desenvolvimento, o custo do capital continuará alto demais para o produtor médio”.
O CEBDS também cita uma maior acessibilidade a crédito verde, suporte técnico direto ao produtor, incentivos fiscais para práticas regenerativas e a regulamentação plena do mercado de carbono no Brasil.
Do lado privado, as empresas do setor já começam a se mobilizar. Grandes companhias participantes da Coalizão, como Nestlé, Amaggi e Tereos, têm incluído metas próprias de redução de emissões em suas cadeias de fornecimento e programas de agricultura regenerativa com produtores parceiros.
O estudo sugere que iniciativas desse tipo podem funcionar como “âncoras” de financiamento, integrando linhas de crédito, assistência técnica e monitoramento ambiental.
Como descarbonizar?
O plano elaborado pela Coalizão do Agronegócio e pelo CEBDS detalha 15 alavancas de descarbonização, que foram agrupadas em dois grupos: alavancas de “mudança de paisagem”, ou seja, mudar a base produtiva de áreas rurais, e as complementares, que potencializam ganhos de eficiência e reduzem o uso de insumos e energia.
“As tecnologias e práticas consideradas já estão disponíveis e comprovadas, com casos de sucesso implementados no Brasil. O desafio agora é ampliar escala e acesso”, destaca o relatório.
Nessa categoria “mudança de paisagem”, o elemento central é a recuperação de pastagens degradadas. Segundo o estudo, só essa prática sozinha pode mitigar até 40 MtCO₂e.
Além disso, o estudo prega a expansão de sistemas integrados como ILP (Integração lavoura-pecuária) e ILPF (Integração lavoura-pecuária-floresta), além de sistemas agroflorestais, o plantio de novas florestas e até mesmo irrigação.
A ideia é que com o solo restaurado, outras transformações se tornam viáveis — como a expansão dos chamados “pastos de alto vigor”, aqueles com capacidade regenerativa mais alta.
Nos sistemas integrados como as ILPF, o potencial de mitigação é estimado entre 70 e 90 MtCO₂e até 2050. As práticas já difundidas de plantio direto e de cobertura também são destacadas no documento.
Já a alavanca complementar, que pode mitigar entre 350 e 420 MtCO₂e, diz respeito a troca de práticas no manejo, como o aumento do uso de bioinsumos, ferramentas de agricultura digital, fertilizantes especiais, manejo de resíduos, intensificação de pastagens e uso de combustíveis renováveis.
Na prática, a adoção coordenada dessas medidas pode levar o agro a uma meta ousada: neutralidade de emissões líquidas (net zero) em 2050, um movimento que, segundo o CEBDS, transformaria o país em referência global em agricultura de baixo carbono.
“O agronegócio brasileiro tem nas mãos o potencial de provar que produzir e conservar não são opostos. São partes de um mesmo modelo de futuro”, conclui o documento.
Essa meta ainda depende de tecnologias ainda incipientes no mercado, como suplementos alimentares que reduzam as emissões causadas pelos bovinos.
Resumo
- Estudo da CEBDS e Coalizão do Agronegócio aponta que setor é responsável por 30% das emissões do Brasil e projeta redução para um quinto até 2050 com práticas coordenadas
- Investimentos necessários para alcançar neutralidade de carbono estão entre US$ 130 bilhões e US$ 180 bilhões
- Relatório estima haver uma lacuna de financiamento estimada em US$ 100 bilhões, que poderiam ser supridos por crédito verde e blended finance