Belém (PA) - Às vésperas do fim da COP 30, a sensação que a conferência do clima da ONU está deixando aos principais representantes do agronegócio brasileiro é de saldo positivo, ainda que com alguns percalços no caminho.
Na COP, a sensação geral é de que a agenda do agro acabou sendo puxada principalmente pela AgriZone, o espaço paralelo montado pela Embrapa, e pelo setor produtivo e suas entidades representativas, enquanto que o Ministério da Agricultura e Pecuária teve uma atuação mais apagada ao longo de toda a conferência climática.
“Nós estamos sendo amplamente vitoriosos aqui”, resumiu o deputado federal Arnaldo Jardim, vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
“O agro, que entrou em campo perdendo o jogo, virou e está saindo vencedor desta COP, demonstrando que tem um compromisso com a sustentabilidade, com a inovação e com o desenvolvimento sustentado na premissa ambiental e social”, complementou.
Jardim lembrou que, quando Belém foi escolhida como sede da conferência do clima da ONU, havia um temor generalizado de que o Brasil se tornasse a “bola da vez”, sendo alvo de críticas internacionais sobre desmatamento, legislação ambiental e modelos produtivos.
Mas isso não se confirmou, na avaliação do parlamentar, que citou como ponto central o engajamento do setor para que o embaixador André Corrêa do Lago assumisse a presidência da COP – que está fazendo um trabalho “excepcional” no cargo, na avaliação de Jardim.
O parlamentar também destacou a escolha do ex-ministro da Agricultura e Pecuária Roberto Rodrigues como enviado especial da presidência da COP para o agro. “Quando isso aconteceu, nós decidimos apoiar para que a fundamentação do agro ficasse muito constante, com base científica.”
Dessa forma, três temas históricos de atrito foram enfrentados de forma direta e bem-sucedida ao longo da COP, de acordo com o parlamentar.
O primeiro deles é o desmatamento ilegal. “Conseguimos deixar claro ao mundo que há um esforço do agro organizado, das lideranças do agro, de combate ao desmatamento ilegal”, avalia.
O segundo ponto, segundo Jardim, era demonstrar que a legislação ambiental brasileira tem um “rigor sem paralelo” e que a ideia do setor é vê-la “plenamente aplicada”.
O terceiro ponto, de acordo com o deputado, foi enfrentar a antiga discussão internacional sobre o suposto conflito entre alimentos e biocombustíveis. “Hoje nós mostramos que não é food vs. fuel, que é food and fuel. São atividades complementares”, disse.
Eduardo Leão, presidente da CropLife Brasil, associação que reúne empresas de defensivos, insumos e sementeiras, tem opinião parecida. Ele acredita que não há dúvidas de que o setor produtivo teve força em Belém.
“Tivemos uma presença muito forte das associações do agro e das empresas. Isso é um bom sinal, porque significa que está cada vez mais claro que empresas e associações têm que participar desse debate”, avaliou Leão.
“Não há solução para o clima se as empresas, se a agricultura como um todo não estiver presente e discutindo formas de realmente contribuir”, emendou o presidente da CropLife.
Depois de ter participado de mais de 30 painéis em todas as zonas da COP, Eduardo Bastos, CEO do Instituto Equilíbrio, destaca que o mais interessante de tudo foi perceber que se conseguiu agregar outros setores à agenda do agro.
“É a minha vigésima COP e eu nunca fui numa COP com tanta gente de finanças falando do agro como parte dessa discussão. Simplesmente não tinha. E agora tem um monte de gente falando em Eco Invest, Caminho Verde, Raiz, querendo entender como participar, como entrar.”, afirma.
“Fizemos um golaço na agenda de financiamento. O espaço que a gente tinha que cavar, cavamos e a semente está plantada.”
Algumas demandas, no entanto, ainda não foram plenamente atendidas nesta COP, na avaliação do deputado Arnaldo Jardim.
Para ele, o setor não conseguiu sair da conferência com novas linhas de financiamento garantidas para o programa de recuperação de áreas degradadas do Ministério da Agricultura, e que há a necessidade de recursos internacionais – como já havia reforçado
Ainda assim, Jardim reconheceu o esforço do Ministério da Fazenda, que viabilizou recentemente o leilão de pastagens degradadas do programa Eco Invest, do Tesouro Nacional, em angariar recursos para o programa.
“Vivemos um momento de dificuldades fiscais, temos déficit, sabemos que não é fácil. Acho que o ministro Fernando Haddad foi ao limite do que podia para buscar apoiar esse programa, mas nós teremos que buscar apoio internacional para esse programa”, afirmou o parlamentar.
Outro ponto que Jardim acredita que não foi totalmente resolvido na conferência envolve a metodologia de crédito de carbono. “Gostaríamos que os créditos tivessem medidas de compatibilidade, não só o fato de cada país ter a sua legislação, mas regras uniformes para que isso pudesse fortalecer as transações em torno do crédito de carbono.”
Casa do Agro
A AgriZone, espaço montado pela Embrapa para ser “a casa do agro” em Belém, também é tido de forma geral como grande acerto, especialmente por demonstrar aos visitantes técnicas de agricultura sustentável na prática.
“Não foi apenas um ambiente de muitos debates, mas teve um papel simbólico de trazer a agricultura para o centro do debate”, avalia Eduardo Leão, da CropLife.
Isso apesar das dificuldades logísticas de levar visitantes, especialmente estrangeiros, ao local, distante dois quilômetros do Parque da Cidade, onde é realizada a conferência.
“Até brinquei que podiam ter colocado um ônibus do parque da COP até a AgriZone, para realmente pegar na mão do pessoal e levar até lá”, avalia Eduardo Bastos. “Muita gente também confundiu AgriZone com Green Zone, por causa da sonoridade das palavras.”
Ministério sob críticas
Já a atuação do Ministério da Agricultura e Pecuária na COP sofreu críticas de vários representantes do agro, que conversaram com o AgFeed sob anonimato.
Para três fontes, Fávaro demorou muito para vir a Belém. Na primeira semana, a pasta teve uma agenda bastante apagada na conferência e o ministro só apareceu na capital paraense a partir do início da segunda semana de COP, na última segunda-feira, 17 de novembro, quando vários líderes do setor empresarial do agro já tinham deixado a cidade e a discussão se concentrou mais nos aspectos políticos.
A presença de Fávaro na COP também foi marcada por episódios em que o ministro se sentiu desprestigiado.
Segundo duas fontes, o ministro da Agricultura decidiu não ir à inauguração da AgriZone, ainda na semana passada, porque não havia um estande da pasta no pavilhão central – e sim um espaço do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
“A Embrapa esqueceu de ter um estande do Mapa e ele deu um piti. Além disso, os estandes são pagos e o ministério não pagou por um estande. Isso foi explicado ao ministro", relatou uma das fontes. “Aí o pessoal também disse ao ministro: ‘A AgriZone é uma das coisas mais legais da COP. Não tem como o senhor não vir’”, emendou essa fonte.
Já em Belém, de acordo com uma fonte, o ministro quase não compareceu ao lançamento da Raiz, a iniciativa global do qual o Brasil é líder e busca, com o apoio de outros oito países, a recuperação de áreas agrícolas degradadas em nível global.
Fávaro teria ficado irritado pelo fato de o Raiz não se chamar Green Way – referência ao Caminho Verde Brasil, programa de recuperação de pastagens degradadas da pasta. “Aí foi explicado que Green Way é o nosso e Raiz é o do mundo”, disse essa mesma fonte.
Além das discórdias, Fávaro também deu alguns sinais, ao longo da conferência, de que seu discurso estava dissonante com o do setor produtivo. Questionado pelo AgFeed no início da semana, quando visitou pela primeira vez a AgriZone, se o agro tinha papel de protagonismo na conferência, o ministro rechaçou a ideia - indo na contramão do que defenderam as principais entidades do setor por meses a fio antes do início da COP.
“O agro não vem à COP buscar protagonismo. Vem para mostrar ao mundo o modelo produtivo da agropecuária brasileira e desmistificar essa visão equivocada. A imensa maioria dos produtores segue boas práticas, tem responsabilidade ambiental e social”, disse o ministro.
A atuação apagada do Ministério da Agricultura na conferência é reflexo, para uma fonte, de um momento de desagregação da pasta, uma vez que seus principais nomes já estão mirando as eleições de 2026. O próprio ministro Fávaro, por exemplo, deve concorrer à reeleição por sua cadeira no Senado.
"Os secretários estão todos em campanha e o segundo escalão não contesta mais o primeiro escalão. Cada um está indo para um lado”, disse essa fonte.
Para Eduardo Bastos, CEO do Instituto Equilíbrio, a pasta foi prejudicada por sub-representação na Blue Zone, ficando de fora do centro das negociações.
"O Ministério da Agricultura teve 16 credenciais nesta COP. Tinha ministério com 360 credenciais", afirmou. “E, nas negociações, mesmo que não tenha o agro na ponta, tinha discussão relevante, como sobre o artigo 6.4, que é super relevante pra nós, ou sobre fazer transição energética e, caramba, transição energética pressupõe biocombustível também”, emendou. “E o pessoal de biocombustíveis não tinha credencial, por exemplo”.
Apesar dos vários críticos, houve também quem tivesse outro ponto de vista sobre a atuação da Agricultura na COP.
“Acho que (o ministério) teve uma participação muito forte. Vi o ministro participando de vários debates e a equipe do Ministério da Agricultura teve uma presença muito grande, participação muito forte nas negociações, isso é muito importante. Acho que o Ministério da Agricultura foi muito bem.”, opinou Eduardo Leão, da CropLife.
Arnaldo Jardim, da FPA, ressaltou que o Ministério da Agricultura esteve bem representado pela AgriZone, já que o espaço foi montado pela Embrapa, órgão que responde à pasta chefiada por Fávaro.
“A Embrapa acertou quando acreditou na possibilidade de ter uma AgriZone e a FPA, desde o primeiro momento, apoiou”, disse. “O ministério está presente pela força que tem a Embrapa. Isso permite que o Brasil demonstre ao mundo seu compromisso com a pesquisa. O vigor da Embrapa, do setor de pesquisa de inovação, é o que fez a diferença e isso é uma coisa que nós podemos proclamar para o mundo.”
E o Plano Clima?
A indefinição sobre o Plano Clima é outro ponto de atenção. Fávaro estaria sozinho, em relação a outros ministérios e setores do governo, na defesa de que a discussão sobre mudanças no plano de mitigação de emissões de CO2 fique para depois da COP.
Ao AgFeed, o ministro disse: “O Plano Clima não está maduro ainda, tem ainda divergências, não são muitas, avançamos bastante, é fato, mas não tem necessidade de ter um açodamento no anúncio. A gente defende que tenha um pouco mais de diálogo.”
Segundo informações do jornal Folha de S.Paulo, um plano teria sido enviado ao Ministério do Meio Ambiente no último dia 12 de outubro, sem que houvesse resposta da Agricultura e Pecuária.
Nessa versão, ainda segundo a Folha, o setor ficaria responsável exclusivamente por 31% das emissões nacionais de CO2, cálculo que leva em conta apenas as atividades agrícolas e pecuária.
O desmatamento feito em áreas privadas ficaria em um outro plano setorial, à parte, com responsabilidade da Agricultura e do Meio Ambiente.
Também teriam sido retiradas do plano do agro a emissão de CO2 decorrente de assentamentos rurais ou terras quilombolas, que passaram para a diretriz de "terras públicas", junto com terras indígenas e áreas não destinadas.
Originalmente, o plano setorial da agricultura e pecuária previa que o setor precisaria, já em 2030, reduzir de forma significativa suas emissões líquidas de carbono, passando de 1,393 bilhão de toneladas de CO2 em 2022 para 891 milhões de toneladas, queda de 36%.
O montante de emissões a serem cortadas no plano original crescia ainda mais considerando uma perspectiva para a próxima década, com uma redução de 50% a 54% no total de emissões em relação a números de 2022.
Incisiva, uma fonte vinculada ao setor produtivo atribuiu a demora na definição sobre o Plano Clima exclusivamente à Fávaro: “O Plano Clima não foi aprovado por ausência de liderança do Mapa. O Fávaro é o responsável. Articulamos tudo, a Marina Silva reconheceu essas demandas, mas a coisa não andou porque ele não atuou.”
Resumo
- Às véspera do fim da COP 30, sensação geral é de que conferência foi relevante para o agro trazer seus pontos de vista sobre relação com o clima e potencializar mecanismos financeiros
- Segundo fontes, agenda do agro acabou sendo puxada principalmente pela AgriZone, o espaço paralelo montado pela Embrapa, e pelo setor produtivo e suas entidades representativas
- Já o Ministério da Agricultura e Pecuária teve uma atuação apagada, com a chegada do ministro Carlos Fávaro somente na segunda semana de discussões, o que foi alvo de críticas