Depois de duas décadas, a Moratória da Soja pode estar chegando ao fim. Em meio aos imbróglios no STF e a lei que prevê cortar benefícios fiscais no Mato Grosso, sancionada no ano passado e que deve entrar em vigor no primeiro dia de 2026, as principais tradings de soja devem abandonar o pacto.

De acordo com informações da agência Reuters, citando fontes não identificadas, companhias estão se mobilizando para romper o acordo que, firmado nos anos 2000, estabelecia que algumas empresas não comprariam soja cultivada em áreas desmatadas ilegalmente na Amazônia após julho de 2008.

As empresas que estão saindo da Moratória estão buscando se proteger justamente da lei estadual no Mato Grosso, disseram as fontes à Reuters.

O Estado do Mato Grosso tem argumentado, principalmente por meio da Aprosoja local, que a moratória é um instrumento que prejudica pequenos e médios produtores.

No ano passado, a Assembleia Legislativa local aprovou um texto (lei nº 12.709/2024) que proíbe o governo estadual de conceder incentivos fiscais e doação de terras públicas a empresas que aderiram ao acordo da moratória.

A reportagem cita que relatórios de auditores estaduais constataram que os incentivos fiscais chegaram a R$ 4,7 bilhões entre 2019 e 2024, e que a ADM e a Bunge foram os principais beneficiados dos incentivos, com R$ 1,5 bi cada.

Ainda não se sabe quais empresas sairão da Moratória, mas o Mato Grosso abriga as principais tradings globais - ADM, Bunge, Cargill e Cofco, além da brasileira Amaggi.

Questionadas sobre um posicionamento pelo AgFeed, as companhias não retornaram até a publicação dessa reportagem, com exceção da Amaggi, que afirmou que não iria se manifestar sobre o tema. Desde que essa disputa envolvendo o pacto e a lei mato-grossense, as empresas têm se posicionado coletivamente apenas por meio da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais).

A Abiove também foi procurada e não retornou o pedido de posicionamento. A publicação segue disponível para o recebimento e atualizará a reportagem prontamente se, ou quando, houver manifestações.

O desfecho apontado pela Reuters é o ápice de uma ofensiva que ganhou corpo em outubro do ano passado, quando o governo mato-grossense sancionou a lei.

Na prática, o estado deu um ultimato ao setor: ou as tradings mantinham o pacto ambiental ou mantinham os incentivos fiscais de ICMS.

O argumento central da Aprosoja-MT é que a Moratória da Soja impõe restrições que extrapolam o Código Florestal Brasileiro. Isso porque, enquanto a lei nacional permite um desmatamento legal dentro das propriedades privadas, o pacto vetaria a compra mesmo nesses casos.

O caso escalou para o Supremo Tribunal Federal (STF), que, num primeiro momento, por meio de uma decisão do ministro Flávio Dino, suspendeu a lei estadual. No entanto, depois de algumas audiências e pressão do governo do estado do Mato Grosso, revisou seu posicionamento.

O argumento de Dino é de que o estado tem direito de decidir a quem concede seus benefícios. Em novembro deste ano, no último capítulo do imbróglio, o plenário do STF estabeleceu que o primeiro dia de 2026 será a data definitiva para os cortes dos incentivos fiscais.

Dino não só deu razão à norma estadual como também determinou a suspensão de todos os processos em curso no País que contestavam a Moratória, inclusive as investigações que tramitam no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

No início deste mês, o site Capital Reset informou que, na briga entre os incentivos fiscais e o pacto, as empresas não abririam mão do resultado financeiro para seguir no arranjo.

A questão é que, independentemente de pacto ou não, países compradores seguirão uma política de só adquirir produtos sem desmatamento - seja ele legal ou não. Sem Moratória, ficará a cargo das tradings fazer toda a garantia de rastreabilidade.

A Europa é sempre citada como exemplo de comprador exigente. O continente, inclusive, está prestes a adiar mais uma vez o EUDR (sua famosa lei antidesmatamento), que estava prevista para entrar em vigor já no início de 2026.

Independente da prorrogação, a lei pretende proibir a entrada no bloco de commodities agrícolas originadas de terras desmatadas (legal ou ilegalmente) após 31 de dezembro de 2020.

Enquanto isso, a Moratória da Soja tinha uma “data limite” em julho de 2008. Como relembrou o Capital Reset, o produtor brasileiro que vende soja para clientes europeus ganha um "bônus" de 12 anos de desmatamento e, ainda assim, consegue estar em conformidade com a nova norma.

Resumo

  • Pressionadas pela lei de Mato Grosso que corta incentivos fiscais a signatárias da Moratória, grandes tradings avaliam abandonar o pacto ambiental criado em 2006, segundo a Reuters.
  • A legislação estadual pode retirar até R$ 4,7 bilhões em benefícios concedidos entre 2019 e 2024, com ADM e Bunge entre as maiores beneficiárias, e passou a valer após aval definitivo do STF.
  • Mesmo sem a Moratória, a exigência de soja livre de desmatamento deve permanecer via compradores internacionais, transferindo às tradings o custo e o risco da rastreabilidade