Belém foi, para muitos, uma experiência transformadora. Acho que em poucas ocasiões uma COP trouxe um choque de realidade tão grande aos participantes, com uma efervescente participação social e a experiencia pulsante de estar na floresta, num aglomerado urbano de um país em desenvolvimento, entre enxurradas e um calor mais do que tropical.

Muito já se falou de COP, mas deixo aqui minha contribuição.

Em primeiro lugar vale destacar a atuação da presidência brasileira da COP e o que ela trouxe de inovação. Mostrou que o Acordo de Paris e o multilateralismo estão vivos, apesar da política externa baseada em intimidação promovida pelos Estados Unidos.

Mas além de mostrar o que já conseguimos de avanços como por exemplo o crescimento de energias limpas, a presidência também destacou a importância da Agenda de Ação e do Mutirão como uma forma de engajar a todos na luta contra a crise climática.

Suas cartas tiveram um papel essencial na mobilização e a figura dos Enviados Especiais, uma importância muito grande na interlocução de setores da sociedade com a burocracia da UNFCCC.

Nas negociações, conseguiram botar dois elefantes na sala, os combustíveis fósseis e a adaptação.

Está claro que não dá para disfarçar mais: só uma transição energética acelerada conseguirá segurar a crise, que já é sentida principalmente em regiões mais vulneráveis. Por isso também a necessidade da adaptação, tornada cada vez mais palpável tendo em vista o aumento da frequência de desastres e tragédias em todo o mundo.

Na Agenda de Ação, o Brasil propôs e teve adesão em iniciativas promissoras, como o Tropical Forest Forever Facility (TFFF), destinado à financiar a proteção de florestas tropicais, o Raiz, para a recuperação de áreas degradadas, e o mercado integrado de carbono, que busca interoperabilidade entre países com mercado regulado.

E a agricultura nisso tudo?

As menções à agricultura nos textos finais da COP ainda são esparsas. Mas a realidade é que tudo que está sendo tratado na COP interessa à agricultura e ao Brasil. Não existe um trilho de negociação separado para a agricultura.

Combustíveis fósseis são responsáveis por quase dois terços das emissões globais. Países desenvolvido têm emissões históricas mais importantes do que países em desenvolvimento e por isso a transição energética – e uma transição justa – é o principal ponto de negociação.

E cada COP é apenas um tijolinho colocado nessa construção, cujo sucesso depende de muita vontade política. A transição é possível e necessária.

Já na agricultura a discussão é outra. Depois de combustíveis fósseis e processos industriais (como fabricação de cimento), o setor de uso da terra responde por grande parte das emissões, principalmente por mudança de uso da terra ou desmatamento.

Mas enquanto existem alternativas para energias limpas, ainda não existem alternativas para produzir comida que dispensem a agricultura.

Por isso também a proposta da presidência da COP em construir dois mapas do caminho, um para acabar com combustíveis fósseis, outro para acabar com desmatamento.

Em paralelo às negociações oficiais e à Agenda de Ação, Belém fervilhava em discussões de todo tipo envolvendo setor privado, sociedade civil, financiadores e investidores e a comunidade científica e acadêmica.

Vários foram os documentos lançados na COP com propostas envolvendo o uso da terra e agricultura como parte de soluções climáticas, com destaque para o documento produzido pelo professor Roberto Rodrigues e equipe a partir de contribuições do setor produtivo, SBCOP, CEBEDS, Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura, Mesa Brasileira de Pecuária Sustentável e a Rede de Inteligência em Agricultura e Clima, entre outros.

Se eu fosse resumir as três principais mensagens-chave que saltam aos olhos desse conjunto de informações, diria o seguinte:

A agricultura tropical regenerativa é um modelo de produção que nos permitirá garantir segurança alimentar e climática, além de contribuir em parte para segurança energética. E inovação tecnológica é a base sobre a qual a agricultura precisa continuar se desenvolvendo.

Precisamos desenvolver, aprimorar e harmonizar métricas que permitam a comparação correta entre modelos de produção em relação ao seu balanço de emissões e o reporte de progresso.

São necessários investimentos além de mecanismos e instrumentos financeiros que garantam a transição da agropecuária em larga escala para modelos sustentáveis e sem desmatamento.

A Nova Meta Coletiva Quantificada para o Financiamento Climático (NCQG), definida em Baku, estabeleceu uma ambiciosa meta de pelo menos US$ 300 bilhões anuais até 2035, com perspectiva de mobilizar até US$ 1,3 trilhão.

A COP30 não pretendia redefinir valores mas sim a operacionalização do NCQG com mecanismos para garantir transparência, previsibilidade, acesso facilitado e critérios de qualidade para o financiamento climático.

Isso terá implicações na forma como a agricultura é financiada no mundo todo, inclusive no Brasil.

Além desses três pontos principais, outras discussões envolvendo agricultura tomaram conta da Agrizone e dos espaços oficiais e extraoficiais da COP.

Entre os temas que me parecem bastante relevantes, além da própria discussão sobre agricultura tropical, estão pequenos produtores e seu acesso a tecnologia e financiamento, paisagens resilientes e a contribuição das florestas para produtividade agrícola, cadeias livres de desmatamento, transparência e rastreabilidade além do tópico comércio e sustentabilidade.

Sobre esse último ponto, um dos resultados da COP é a ideia de que medidas climáticas não podem se transformar em restrição disfarçada ao comércio e cria um ciclo de diálogos formais, com participação de ITC, UNCTAD e OMC sobre comércio e clima, com um evento de alto nível em 2028.

Há então muito assunto a ser desdobrado no Brasil, onde o setor deveria, como maior interessado, ser protagonista.

A agropecuária brasileira tem tudo para contribuir positivamente com a agenda do clima e, ao mesmo tempo, cavar oportunidades no comércio internacional, em financiamento e no mercado de carbono.

Para isso precisa se desvincular do desmatamento e parar de tratar a agenda ambiental como parte de polarização política.

Muito da nossa política vende a narrativa da agenda ambiental como “entrave ao desenvolvimento”, o que não é apenas uma estupidez por ser uma ideia completamente anacrônica, mas nos afasta das oportunidades que poderíamos ter.

Cabe aqui uma nota sobre uma triste façanha do Governo do Estado do Pará.

Passada uma semana da COP, o governador Helder Barbalho anunciou o adiamento para 2031 do plano para rastrear o rebanho bovino do Estado que começaria em janeiro.

Helder culpou a “falta de resposta dos mercados”.

Lembremo-nos que o Programa de Integridade da Cadeia Pecuária do Pará criou uma governança, com um Comitê Gestor, onde regras e implementação são debatidas entre governo, organizações de produtores e do setor privado e da sociedade civil.

Todos sabíamos dos desafios do Pará na implementação. Houve extensa mobilização de frigoríficos, ONGs e dos próprios órgãos do governo para apoiar o processo. Poderiam ser propostos ajustes, negociados prazos...

Ao jogar o programa para as calendas, essa governança foi atropelada. E o que o Pará fez foi dar ao mundo um gigantesco atestado de incompetência e de falta de credibilidade, que respinga no Brasil como um todo.

É como se o mundo soubesse que não dá para confiar nas promessas brasileiras nesse sentido, porque sempre na última hora o mundo político sucumbe à vanguarda do atraso que comemora o adiamento.

O “mercado” não poderia comprar algo que mal chegou a ser oferecido. E a rastreabilidade não é só um item para garantir acesso a compradores que querem minimamente saber que o produto deles não é fruto de ilegalidade e destruição de ecossistemas.

É o que permitirá também ao Pará (e ao Brasil) atrair financiamentos, monitorar políticas públicas, demonstrar o cumprimento de suas metas climáticas.

Nada tem mais poder para transformar uma cadeia produtiva e aliar produção e conservação do que vontade política aliada à força de mercado.

Os sinais de mercado podem ainda ser tímidos, mas eles existem. E, na ausência de segurança, o que o mercado faz é simplesmente mudar sua originação para regiões de menor risco.

Já a vontade política, no Brasil principalmente, está condicionada aos ganhos de curto prazo e não no benefício público duradouro. Lições aprendidas.

Fernando Sampaio é engenheiro agrônomo e cofacilitador da Coalizão Clima, Florestas e Agricultura.