Se a equidade de gênero no mercado de trabalho ainda é um tema “em construção” em nossa sociedade, no agro o caminho pode ser um pouco mais longo. Se as empresas, como política institucional ou exigência do mercado, atuam para garantir mais mulheres em cargos de liderança, no campo essa realidade esbarra em questões como machismo estrutural e “cultura”.
Durante o lançamento da pesquisa inédita “Produtoras rurais e a inovação no campo”, realizada pela Quiddity, consultoria de mercado e opinião pública, em parceria com a Bayer, o tema veio à tona, às vésperas da 10ª edição do Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio (CNMA), que começa nesta quarta-feira, 20 de outubro, em São Paulo.
Os organizadores do evento, inclusive, “lutam” para que homens também participem – e não como palestrantes.
No campo, embora a influência crescente da mulher seja reconhecida por 93% dos entrevistados, 39% discordam que todos encaram com naturalidade a liderança feminina no setor.
Os pesquisadores conversaram com 90 produtores rurais na fase quantitativa da pesquisa (50/50), entre julho e agosto deste ano.
Entre os respondentes, 82% (sendo eles, 91% de mulheres e 73% de homens) concordam que a mulher é criativa, questionadora e propõe novas formas de pensar o agro.
Apesar de pontos fortes das mulheres, o perfil ainda encara resistências no meio, como conta a sócia e diretora geral da Quiddity, Rebeca Gharibian.
“Uma das entrevistadas contou que, ao assumir a gestão da propriedade familiar, propôs algumas ações e técnicas de melhoria de produtividade e sustentabilidade ao administrador, que se recusou a implementar e disse que, caso precisasse, fazer se demitiria. Ele mesmo acabou demitido,” lembrou.
Para algumas mulheres – e homens – é necessária a sinergia entre os gêneros para que as mesmas sejam cada vez mais percebidas, não apenas nas áreas de marketing (60%) e suporte administrativo e financeiro (53%), mas na liderança e tomada de decisão (6%) e na gestão da propriedade (3%).
A diretora do Negócio de Carbono da Bayer para América Latina, Marina Menin, é uma delas. Filha de produtores rurais do interior do Paraná, ela buscou espaço no setor em empresas e, na trajetória, encontrou lideranças e estrutura que a inspiraram e também a prepararam.
“Quando estive na área comercial fui líder de seis homens e, quando consegui quebrar alguns paradigmas, como em relação à diversidade sexual, a partir dos programas internos que temos, eles passaram a repensar a respeito. Então foi importante ter esse incentivo da empresa,” contou Marina.
Sustentabilidade nata e espaços “vazios”
Na fase qualitativa da pesquisa, realizada com 45 produtoras rurais de diferentes regiões, tipos de atividades e tamanhos de propriedade, práticas como rotação de culturas (89%), preservação de áreas nativas (87%), Sistema Plantio Direto (82%), uso de bioinsumos (80%) e agricultura regenerativa (80%), foram as mais adotadas.
As razões são sustentáveis – porque preserva o meio ambiente (93%) – e econômicas – porque melhora a produtividade e os resultados (82%).
Mesmo com esse olhar para a inovação e a sustentabilidade, nenhum dos entrevistados (0%), homens ou mulheres, percebe maior participação de mulheres na gestão do campo, seja nas fases de compra da semente, escolha do manejo ou mesmo nos processos de plantio.
As mulheres também procuram mais por cursos e capacitações no agronegócio. Entre os principais assuntos que despertam interesse feminino estão a sustentabilidade (76%) e a inovação e novas tecnologias (64%).
A pesquisadora Rebeca Gharibian, acredita que há mais que uma característica nata para que mulheres tenham maior interesse nestes temas.
“Há também uma lacuna, um espaço que acaba sendo deixado pelos homens, além dessa caraterística de maior cuidado com as pessoas e as relações, e com a natureza, a sociedade e o bem estar animal, que foram mais associadas às mulheres,” explicou.
Quando perguntadas sobre o que pode aumentar a participação feminina no agronegócio, 78% acreditam que dar visibilidade ao trabalho, colocar mais mulheres para liderar grupos e associações (69%) e participar nas decisões da propriedade (60%) devem ser as principais iniciativas.
O levantamento revelou ainda que 89% das produtoras rurais afirmam que eventos voltados a elas, como o CNMA, fortalecem conexões e impulsionam outras mulheres.
Narrativas femininas
Para reforçar o que acreditam 78% das mulheres entrevistadas acima, o Prêmio Mulheres do Agro, 8ª edição da parceria entre Bayer e Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), surge como iniciativa para destacar trajetórias de liderança feminina no campo.
"Nós acreditamos que a força feminina contribui para o agronegócio brasileiro, com esse olhar inovador, sustentável e próspero. Nos cabe dar visibilidade a isso, como mulheres e como empresa," afirma Daniela Barros, diretora da Comunicação da divisão agrícola da Bayer.
A cerimônia de premiação será na quarta-feira, durante o Congresso Nacional das Mulheres do Agro, em São Paulo.
Resumo
- Pesquisa Bayer/Quiditty mostra que apenas 6% dos entrevistados percebem mulheres em cargos de liderança no campo
- Mulheres atuam majoritariamente em áreas de marketing e suporte (60% e 53%), enquanto lideranças no campo são raras (3%)
- Produtoras adotam práticas sustentáveis com mais frequência e buscam capacitação, mas esbarram na falta de visibilidade e espaço decisório