Um dos principais saldos do Plano Clima, construído com a contribuição de diversos setores dentro e fora do governo para propor soluções possíveis e eficazes à emergência climática, é seu caráter plural: distribui responsabilidades rumo às emissões líquidas zero até 2050 e projeta um cenário de crescimento sustentável que favoreça todos os setores sociais e econômicos do País.
O Plano, que será consolidado em poucas semanas após dois anos de intensa articulação intersetorial, é o instrumento para garantir as metas de redução dos gases de efeito estufa (GEE) e de aumento da resiliência assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris e reafirmadas em 2024.
Acima de tudo, é democrático, inclusivo e orientado pela justiça climática, valorizando o contraditório, estimulando a participação ampla e incorporado ajustes de rota sempre que necessários – como ocorre agora em sua fase final de definição.
Os números comprovam a participação: na sua primeira etapa de consulta pública (entre julho e setembro de 2024), o Plano Clima contou com a participação de 24.088 pessoas, que contribuíram com 47.016 votos, 2.410 sugestões e contribuições e 1.292 propostas para as Estratégias Nacionais de Mitigação e de Adaptação.
Na segunda e na terceira fases (2024 e 2025), a adaptação e seus 16 planos setoriais somaram 3.684 comentários com sugestões e propostas. E, em agosto passado, quando se encerrou a fase de consulta aos sete planos setoriais de mitigação, foram 1.989 sugestões e contribuições de aperfeiçoamento.
Ser democrático e inclusivo não é apenas uma característica do Plano Clima, mas um compromisso de governo que, desde janeiro de 2023, vem recuperando as políticas públicas ambientais e climáticas fragilizadas na gestão federal anterior e contribuindo para os esforços globais de preservar biomas, reduzir emissões, promover uma transição energética justa e enfrentar a emergência climático.
A nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil, apresentada em novembro de 2024, estabeleceu a meta de reduzir entre 59% e 67% as emissões líquidas de GEE em relação a 2005.
Essa atualização dá sequência às metas já assumidas para 2025, 2030 e 2050, evidenciando a continuidade e o aprofundamento do compromisso brasileiro com a trajetória de descarbonização de longo prazo.
É uma meta ambiciosa, mas factível, e não se trata de uma imposição aleatória. Trata-se de uma necessidade urgente: cumprir o Acordo de Paris e manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5 ºC até 2050 é condição para a segurança climática, econômica e social do Brasil e do mundo.
O não cumprimento desses compromissos teria impactos severos sobre a economia brasileira e poderia desestruturar a produção nacional, comprometendo nosso desenvolvimento.
É nesse propósito que o Plano Clima está sendo estruturado: um compromisso coletivo com a transição para uma economia de baixo carbono no curto prazo e de emissões líquidas zero em pouco mais de duas décadas. Esse esforço envolve, necessariamente, a contribuição de toda a economia.
Para tanto, o Plano Clima detalha as metas da NDC e estabelece limites de emissões para sete setores até 2035: agricultura e pecuária; conservação da natureza, energia; indústria; transportes; cidades e resíduos sólidos e efluentes domésticos.
Esses limites foram definidos em coordenação com os ministérios setoriais responsáveis, de forma a construir um caminho que viabilize atingir as metas de redução, sem penalizar o desenvolvimento de cada um deles.
A quantificação dos volumes históricos e atuais de emissões de cada setor, base para o planejamento da trajetória de reduções, advém do Inventário Nacional de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, produzido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), validado internacionalmente, conforme a metodologia do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), que acompanha o comportamento das emissões brasileiras de GEE há mais de três décadas.
Esses resultados também embasam a adoção do modelo BLUES (Modelo Brasileiro de Uso da Terra e Energia), desenvolvido ao longo de duas décadas pelo laboratório Cenergia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), capaz de refletir as especificidades tecnológicas e econômicas do Brasil.
Suas premissas foram definidas em conjunto pelos ministérios e órgãos federais envolvidos no Plano Clima. Esses parâmetros, amplamente utilizados por consórcios internacionais de pesquisa e pelo IPCC, foram apresentados e discutidos em diversas ocasiões com representantes do setor privado, academia e sociedade.
Conforme informado pelo Inventário Nacional, o eixo Mudança do Uso da Terra e Florestas – que mede emissões e remoções ligadas à agricultura, pecuária, urbanização e degradação florestal – lidera as estatísticas, com grande impacto no resultado total. Trata-se, sobretudo, das emissões resultantes do desmatamento nas áreas florestais dos seis biomas brasileiros.
A agropecuária vem em seguida, com peso relevante devido à fermentação entérica do rebanho bovino (que libera metano), ao uso de fertilizantes à base de nitrogênio e aos resíduos das plantações. Esses impactos decorrem de propriedades de diferentes portes e características, incluindo grandes produtores, mas também agricultura familiar e assentamentos.
Em 2022, último dado disponível no Inventário Nacional, mudanças no uso da terra e agropecuária somaram 70% das emissões brasileiras de GEE, sendo 40% provenientes da alteração da cobertura vegetal nativa em áreas públicas e propriedades rurais e 30% das atividades produtivas no campo.
Não se trata de interpretação, mas de dados científicos do Sistema de Registro Nacional de Emissões (SIRENE/MCTI), que orientam políticas, planos e projetos na área de mudança do clima.
Com base nos dados oficiais do Inventário Nacional e os cenários obtidos por meio do modelo BLUES, os ministérios do Meio Ambiente, Agricultura e Pecuária e Desenvolvimento Agrário coordenaram a elaboração do Plano Setorial da Agropecuária, com a previsão de que as emissões por atividades produtivas permaneçam relativamente estáveis nos próximos dez anos, mesmo com crescimento da produção.
Isso será possível graças à ampliação do uso de novas tecnologias e práticas sustentáveis já adotadas pelo setor no Brasil, que é referência em recuperação de pastagens, plantio direto e sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta (conhecido pela sigla ILPF), que permitem crescimento econômico com menor intensidade de emissões.
O grande desafio desse importante setor da economia será reduzir significativamente o desmatamento ilegal e legal que ocorre nas propriedades rurais.
O Plano Setorial Conservação da Natureza, sob responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), estabelece que o desmatamento ilegal em áreas públicas – incluindo unidades de conservação, terras indígenas, áreas não destinadas e vazios fundiários – seja eliminado nos próximos cinco anos, até 2030.
É um cenário desafiador, mas que evidencia uma responsabilidade amplamente compartilhada entre os diferentes atores envolvidos no eixo de uso da terra.
Com base nas contribuições recebidas nos diálogos e consultas públicas, seminários, workshops, oficinas, reuniões com a academia, setores produtivos e sociedade, fartamente documentadas, o governo federal seguirá aprimorando o Plano Clima, inclusive nos critérios de alocação das emissões e remoções de carbono e em suas formas de monitoramento.
Enfrentar a mudança do clima é a base para a competitividade econômica e o desenvolvimento sustentável com justiça climática. Esse é o nosso compromisso.
João Paulo Ribeiro Capobianco é secretário executivo do Ministério do meio Ambiente e Mudança do Clima.
Aloisio Lopes Pereira de Melo é secretário nacional de Mudança do Clima do MMA