Belém (PA) - Na engrenagem dos financiamentos climáticos, a ausência da contratação de seguros ajuda a travar investimentos em projetos de reflorestamento.

É justamente nessa interseção entre risco e crédito que a seguradora espanhola Mapfre decidiu dar um passo além, segurando a floresta em pé e contribuindo para que projetos de crédito de carbono continuem existindo.

Assim, a companhia aproveita a realização da COP 30, a conferência do clima da ONU, para lançar nesta terça-feira, 18 de novembro, um seguro ambiental, que está chamando de "Biosseguro", criado para segurar projetos de restauração florestal e garantir a estabilidade de programas de crédito de carbono.

Com esse produto, a Mapfre pretende oferecer segurança financeira para projetos de reflorestamento e regeneração de florestas, preservando a capacidade de sequestro de carbono desses projetos mesmo diante de eventos como incêndios, cobrindo desde custos de replantio até a recuperação da função ecológica da área.

“Se o investidor quer entrar num mercado de incertezas, volatilidade, tem o seguro aqui”, afirma Ivo Kanashiro, superintendente de sustentabilidade da Mapfre, em entrevista ao AgFeed. “Estamos incentivando esse mercado a crescer, com mais créditos, créditos de qualidade, mais projetos e uma absorção de carbono gigante.”

O novo seguro nasceu ao longo do último ano, dentro de um programa interno de inovação chamado Tubarões, e motivado por conversas com instituições financeiras que operam no nascente mercado de carbono.

Isso porque, na avaliação do gerente técnico Pablo Emanuel Haack, faltava justamente um instrumento que reduzisse risco e desse previsibilidade a projetos de longo prazo.

O produto foi estruturado para acompanhar todo o ciclo de desenvolvimento da floresta, segundo Haack.

Nos primeiros cinco anos, por exemplo, quando as árvores ainda estão em formação, a cobertura se concentra no replantio em caso de incêndio, e permanece por todo o período, independentemente do estágio da floresta.

“Ele vai receber o dinheiro para fazer para aquela área afetada, seja ela parte ou total, o desenvolvimento do projeto”, afirma. “Configuramos o produto com o replantio como cobertura básica. Ela estará sempre à disposição, independentemente do ano de desenvolvimento da floresta”, afirma.

Ao detalhar o funcionamento do Biosseguro, Haack explica que a estrutura do produto foi pensada para funcionar como uma garantia financeira dos projetos de reflorestamento.

“Entendendo o modelo, vimos que o produto se encaixa perfeitamente como garantia para essa operação”, afirma.

O desenho parte de um projeto técnico completo, que leva em conta as características do bioma, o tipo de plantio, as mudas utilizadas e o manejo previsto. “Com a base técnica adequada, eu consigo, diante de um incêndio, fazer esse replantio”, diz.

Segundo Haack, a lógica é preservar o valor econômico da floresta e a previsibilidade dos projetos de reflorestamento.

A Mapfre estruturou o seguro em diálogo com uma instituição financeira especializada em financiar projetos de carbono – a principal do setor, despista Haack, sem identificar qual é esse banco.

Após entender o modelo, a seguradora percebeu que o produto conseguia funcionar como garantia financeira das operações, especialmente em casos de perda parcial ou total da área prevista para gerar créditos.

A companhia também deve aproveitar a experiência acumulada em mais de uma década trabalhando seguros de florestas comerciais – nicho hoje dominado pela seguradora de origem espanhola e pela Brasilseg, empresa da BB Seguros, holding que concentra os negócios de seguros do Banco do Brasil.

“Temos, regionalmente, muito insumo em relação a históricos de incêndio, por exemplo, que hoje é o nosso intuito de cobertura”, explica Haack.

A solução já foi aprovada pela Susep e será oferecida de forma customizada, não estando presente no portfólio de massa. A ideia é alcançar empresas e proprietários rurais com projetos ambientais estruturados e inventário de carbono.

“Esse produto não vai ser massificado inicialmente. A nossa ideia é customização mesmo de oferta. Cada projeto vamos avaliar ponderadamente como vai funcionar, seja um único projeto ou uma junção de projetos”, afirma Haack. Dessa forma, a seguradora pretende operar em projetos de todos os biomas brasileiros, sem foco exclusivo na Amazônia.

“Não precisávamos fazer nada disso. Poderíamos continuar tocando o barco porque íamos dar lucro e continuar performando bem. A virada de chave foi querer ir além. Com esse projeto, materializamos nosso propósito e mostramos que ele é real”, diz Ivo Kanashiro.

Seguro rural

Há um ano, o diretor de seguro rural da Mapfre, Fábio Damasceno, disse ao AgFeed que a companhia estudava avançar no seguro paramétrico.

A intenção permanece, mas o produto ainda não chegou ao mercado. “A gente está buscando e trabalhando para ter esse produto. Hoje eu não tenho disponível, mas pretendemos lançar num futuro não tão distante”, afirma Haack. “Está para acontecer. Quando for, você saberá”, despista.

Enquanto isso, a seguradora reforça outras frentes no campo do seguro rural. O seguro pecuário, por exemplo, continua sendo uma das maiores oportunidades do segmento. “É um produto com um oceano de oportunidades”, afirma.

O executivo lembra que, em termos de mercado, cerca de 20% da área de soja possui alguma cobertura, mas que, na pecuária, esse índice despenca. “A oportunidade é ainda maior, e 2025 confirmou essa nossa estratégia.”

A Mapfre vem revisando tecnicamente o produto para aumentar sua aderência regional.

“O Brasil é continental. A realidade do produtor no Sul é completamente diferente da do Norte. O desafio é construir produtos que façam sentido para cada região”, diz.

A revisão, que deve ganhar tração em 2026, busca adaptar preços, coberturas e metodologias às especificidades climáticas e produtivas de cada bioma.

A diversificação é essencial em um ano desafiador para o seguro rural, lembra Haack, uma vez que o crédito mais caro e menos subsidiado tem pressionado a contratação de apólices.

“Estamos passando por uma mudança muito significativa. Aquele recurso subsidiado, três vezes mais barato que o crédito privado, praticamente não existe mais”, explica o gerente.

A retração do mercado confirma o cenário. “Se pegar o dado da Susep de agosto, o mercado vem caindo quase 11%”, afirma.

No agrícola em específico, o quadro é ainda mais duro, ainda que Haack não especifique números. “O mercado inteiro está sofrendo. O crédito caro e a margem apertada deixam o produtor reticente em contratar seguro ou trocar maquinário”, diz.

A redução da subvenção federal agrava o problema. Neste ano, o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) tinha orçamento previsto de R$ 1,06 bilhão, mas, devido às restrições fiscais do governo, o Executivo bloqueou R$ 354,6 milhões do volume total, fragilizando o mercado segurador.

“A subvenção é fundamental para a carteira prosperar. Sem ela, todo mundo tenta buscar alternativas, e nós também.”

Resumo

  • Mapfre lança o Biosseguro, com cobertura inédita que protege projetos de reflorestamento contra incêndios e perdas de sequestro de carbono
  • Produto funciona como garantia financeira, é customizado por projeto e pode operar em todos os biomas
  • Seguradora também reforça o seguro rural, com foco em pecuária e adaptação regional