"Talvez eu nunca tenha mais a oportunidade de uma COP no meu estado na minha vida. E oportunidade, já dizia meu pai, você agarra pelo chifre, porque depois, se ela passar, não tem rabo mais pra você pegar por trás.”
É assim que Mauro Lucio Costa, pecuarista do Pará conhecido pela defesa da produção regenerativa, resume sua percepção sobre a realização da COP 30, conferência do clima que será realizada em Belém (PA) daqui a menos de um mês.
Oportunidade é, de fato, a palavra que melhor define o sentimento entre os produtores do Pará. Isso porque a conferência será a primeira da história realizada na Amazônia e, além de líderes globais e negociadores climáticos, deve também atrair um público de investidores, executivos e jornalistas.
Com uma plateia mais que qualificada, os produtores rurais querem demonstrar aos visitantes que é possível produzir de forma sustentável em meio à Floresta Amazônica e, com isso, fechar bons negócios.
O discurso foi abraçado inclusive pela CEO da COP 30 e ex-secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni. Ela tem repetido há meses que os produtores rurais serão bem-vindos à conferência e que os negociadores climáticos brasileiros vão defender que a forma de se produzir alimentos no Brasil é sustentável.
“Na COP, podemos mudar essa página do reconhecimento das especificidades da agricultura tropical, isso é muito importante para o Brasil”, disse Toni em um evento paralelo à Conferência de Bonn, um dos eventos da ONU que antecede a COP, realizado em junho.
“Não gastamos tempo suficiente para olhar a agricultura como solução nos eventos passados. (...) Estamos fazendo isso no Brasil, temos que escalar essas soluções e acelerar”, acrescentou ela.
Para o pecuarista Hildegardo Nunes, presidente do Sindicato Rural de Soure, cidade localizada na Ilha do Marajó, e consultor da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa) para a COP 30, o Brasil e os produtores do Pará têm muito a mostrar aos outros países.
“Somos o único país no mundo que tem um acervo de tecnologias sustentáveis para mostrar aquilo que já vem sendo feito – e não a promessa do que vai fazer”
Nunes lembra que o país é referência em práticas como o plantio direto, o plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC+) e a integração lavoura-pecuária-floresta, além de possuir uma das legislações ambientais mais rigorosas do planeta.
“Na Amazônia, só podemos usar 20% da área para produzir. O restante tem de ser mantido como reserva legal. É como se você tivesse um apartamento de quatro quartos e só pudesse usar um – e ainda tivesse que cuidar dos outros três”, compara.
Para ele, um dos pontos mais urgentes é o reconhecimento internacional das metodologias de mensuração de emissões e sequestro de carbono desenvolvidas no Brasil, que ainda não são aceitas oficialmente pela ONU.
“Todos os parâmetros, seja de emissão, seja de sequestro, adotados pela ONU e pelos demais órgãos, são metodologias desenvolvidas em países temperados, com clima totalmente diferente do Brasil e de outros países tropicais”, afirma Nunes.
O consultor da Faepa traz um exemplo concreto que ilustra um pouco das diferenças. “Um eucalipto na Finlândia leva 25 anos para ser cortado e, no Brasil, sete. Eu não posso medir, por exemplo, a minha capacidade de sequestro de carbono de uma área de reflorestamento usando uma metodologia da Finândia”, defende.
É por essa razão que Nunes vê a conferência como uma oportunidade não só de diálogo, mas de afirmação do agro brasileiro e paraense.
“O produtor rural hoje, e eu não tenho dúvida de afirmar isso, é quem mais está contribuindo para a mitigação desses efeitos climáticos através da preservação das suas áreas de APP e reserva legal”, diz o consultor da Faepa.
“A COP traz uma oportunidade para que o mundo conheça a nossa realidade e não aquilo que muitas vezes, por outros interesses, é vendido lá fora. É importante que venham aqui conhecer e ver que quando a gente fala de agropecuária brasileira, você não está falando de desmatamento, de fogo, isso é a exceção à regra.”
Há quase 20 anos, o Pará é o estado com as maiores taxas de desmatamento da Amazônia Legal, ao mesmo tempo que a pecuária segue avançando no estado.
Ainda assim, a quantidade de áreas desmatadas no Pará vem caindo nos últimos anos. Depois de ter atingido um pico de 5.238 km² em 2021, a área total desmatadas a passou a 2.395 km² no ano passado. Os dados são do Projeto de Monitoramento do Desmatamento por Satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), órgão do governo federal.
Neste ano, segundo informações preliminares de uma análise do governo do Pará que compilou dados registrados entre agosto de 2024 e julho de 2025, o estado teria registrado 1.325 km² de áreas desmatadas, deixando de ser a unidade da Amazônia Legal que mais desmatou no período.
Enquanto isso, a atividade pecuária cresce no Pará, que hoje tem o quarto maior rebanho bovino do Brasil, com 21,5 milhões de cabeças de gado, segundo informações da Faepa.
Historicamente, boa parte das áreas que hoje são de pasto no estado foram desmatadas no passado, processo que se iniciou há mais de 50 anos e persiste ainda hoje.
“[O desmatamento] acontece e a gente não pode negar, mas isso não é a regra, isso é a exceção. A regra é uma agropecuária feita em bases sustentáveis e que vem avançando e evoluindo na adoção dessas práticas sustentáveis de forma muito acelerada. Não quero aqui me aventurar a citar nomes, mas eu diria que a grande maioria já adotando práticas sustentáveis”, afirma Hildegardo Nunes, da Faepa.
Expectativa de bons negócios
Em diferentes regiões do Pará, produtores rurais alimentam a expectativa de sair da conferência com bons negócios fechados, após apresentarem ao vivo os resultados de suas boas práticas no campo.
Um importante ponto de encontro estará a apenas dois quilômetros do Parque da Cidade, em Belém, onde vai funcionar a AgriZone, espaço coordenado pela Embrapa Amazônia Oriental, que terá o objetivo de oferecer um ambiente de imersão no agro para diferentes públicos – autoridades, negociadores internacionais, organizações não governamentais, pesquisadores, agricultores familiares e também a população em geral.
“A AgriZone será um espaço imersivo e inclusivo, que mostrará de que forma a ciência brasileira tem contribuído, nos últimos 50 anos, não apenas para a produção de alimentos de qualidade, mas também para a sustentabilidade e a transição climática”, afirmou Walkymario de Paulo Lemos, chefe-geral da Embrapa Amazônia Oriental, em entrevista recente ao AgFeed.
As chamadas “vitrines vivas” prometem ser o grande diferencial do espaço. Os visitantes poderão percorrer trilhas em fragmentos de matas de 60 anos, conhecer sistemas agroflorestais com cacau, açaí e café robusta, visitar um meliponário com abelhas nativas sem ferrão e explorar uma fazenda-modelo nas instalações da Embrapa, convertida em laboratório a céu aberto.
No local, serão apresentadas práticas de recuperação de áreas degradadas, cultivos de soja, milho e trigo carbono neutro, além de 45 materiais genéticos desenvolvidos pela Embrapa.
Em Tomé-Açú, município que está a 180 km de Belém e abriga uma das maiores colônias japonesas do Brasil, a Cooperativa Mista de Produtores Rurais de Tomé-Açú (Camta), se prepara para apresentar aos visitantes sua produção, referência de utilização do modelo de agroflorestas e também fechar novos negócios.
A Camta foi criada há quase 100 anos, em 1929, por imigrantes japoneses que aportaram no Pará, e especializou-se na produção de pimenta-do-reino durante décadas.
Mas, no fim dos anos 1960, uma doença arrasou as plantações de pimenta e fez com que os associados da Camta buscassem alternativas para manter a cooperativa funcionando.
Na sequência, já nos anos 1970, eles encontraram nos sistemas agroflorestais, modelo de produção que combina árvores, frutas e culturas agrícolas, uma forma de reequilibrar as contas e produzir de forma mais sustentável – numa época em que “sustentabilidade” não era uma palavra conhecida, tampouco esse sistema de produção.
“Vamos mostrar na COP o que a gente faz há décadas. Estamos trabalhando de forma econômica, social e ambiental, fazendo com que tenhamos condições de manter a floresta em pé por 30 anos e condições de manter também o homem no campo com uma forma digna de sobrevivência”, avalia Alberto Oppata, diretor-presidente da Camta.
Hoje, a cooperativa reúne cerca de 170 cooperados, sendo 10% japoneses, 50% descendentes e o restante brasileiros de outras origens. Os associados da Camta produzem principalmente açaí, cacau, pimenta-do-reino, cupuaçu e outras frutas nativas, além de óleos de andrioba, maracaujá e murumuru, que são comprados exclusivamente pela companhia de cosméticos Natura.
Frutas como açaí, acerola, cupuaçu, abacaxi, goiaba e taperebá viram polpas industrializadas pela própria cooperativa. O carro-chefe são as polpas de açaí, com produção anual de cerca de 5 mil toneladas por ano, das quais mais da metade são enviadas para o Japão.
Em 2024, a Camta faturou R$ 120 milhões. Já para este ano, com a desvalorização do cacau no mercado – que, no momento, estão com os preços mais baixos em dois anos, cotados abaixo de US$ 5 mil a tonelada, cifra bem menor que os US$ 12 mil por tonelada registrados no fim do ano passado –, Oppata prevê queda de receita.
Durante a COP, o presidente da Camta vai participar de um painel promovido pela Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica) e receber uma comitiva de cem pessoas de diferentes partes do mundo, que vão viajar à Tomé-Açu para conhecer o sistema agroflorestal in loco.
“A gente quer que quem venha pra cá veja com os próprios olhos o que fazemos, se se nós estamos fazendo desmatamento, fazendo queimadas. O que desejamos é que essa visita sensibilize e se transforme em negócio, em parceria, em reconhecimento de um trabalho sério e produto de cooperativismo. Não somos artistas para apenas mostrar nossos produtos, vivemos de compra e venda”, afirma Opatta.
Na capital paraense, a publicitária e pesquisadora Joanna Martins, criadora e CEO da Manioca, uma foodtech que virou referência local na última década ao transformar ingredientes regionais, como tucupi, jambu e castanha, em produtos industrializados vendidos em todo o Brasil como o “shoyu amazônico” e outros caldos de tucupi, também espera que a COP seja uma oportunidade de demonstrar a força do produto amazônico e de firmar acordos comerciais.
“Sou otimista em relação ao futuro. Tenho a expectativa de que a partir da realização da COP, esse mercado se amplie e outras conexões aconteçam, que os investidores entendam o potencial que o território tem. Não queremos ser apenas fornecedores de matéria-prima, mas também de produto final”, afirma Martins.
Martins criou a Manioca em 2014, com o objetivo de transformar ingredientes da culinária paraense em produtos de maior valor agregado, valorizando também os pequenos agricultores locais.
A rede de fornecedores da Manioca hoje contempla pelo menos 36 famílias que produzem ingredientes como mandioca e cumaru em 13 municípios do Pará. A Manioca compra 120 toneladas por ano de matérias-primas.
A proposta da Manioca chamou a atenção de investidores como a aceleradora de impacto Amaz e do Fundo de Biodiversidade da Amazônia (ABF, na sigla em inglês), da gestora inglesa Impact Earth, que aportaram recursos na startup.
Há quase dois anos, no fim de 2023, a foodtech recebeu um investimento da japonesa Ajinomoto, gigante indústria de alimentos, dona de marcas de temperos e sopas como Sazón, Vono e Sabor a Mi, em valores não divulgados.
De lá para cá, a Manioca deu um salto importante. A foodtech passou por um processo de rebranding de sua marca e de alguns produtos, passou a vender seus produtos também em lojas do Carrefour – a marca também está presente no Pão de Açúcar, do GPA – e agregou novos itens ao seu portfólio.
Uma nova rodada de investimentos deve acontecer em 2026, ainda com o valor final a ser fechado.
Durante a COP, entre outras atividades, Martins conta que a foodtech vai participar de um roteiro turístico com apoio da Associação de Negócios da Socioeconomia (Assobio), que reúne empresas locais, para que os visitantes possam conhecer um pouco da operação.
“A ideia é promover turismo de negócios, para que os visitantes possam conhecer operações, um pouco da história, e entender mais o modelo de negócio. Isso é importante porque os modelos de negócio também são diferentes. Em sua maioria, são negócios de impacto socioambiental, não visando apenas o lucro pelo lucro”, explica Martins.
Sem impacto social e contribuição do setor privado, não há como os países conseguirem efetivar os planos de redução de emissões que os governos se comprometem a cumprir durante as edições da conferência, avalia Martins.
“Não basta um governo decidir que ele vai reduzir as suas emissões, se a iniciativa privada não fizer junto.”
Exemplos de produção sustentável pululam por todo o estado. Na fronteira do Pará com o Tocantins, o pecuarista Mauro Lucio Costa vem desenvolvendo há duas décadas o que chama de “pecuária sob princípios”, que resume-se a produzir mais utilizando menos recursos naturais e, de quebra, preservando a floresta nativa, sem derrubá-la.
Agora, Costa deve apresentar um pouco de seu trabalho e experiência a representantes do governo da Noruega, que estarão presentes na conferência e querem conhecer mais detalhes sobre como funciona o manejo sustentável da pecuária.
Se for possível – as distâncias dificultam a logística e ainda não está certo se os noruegueses de fato conseguiram ir à fazenda – Costa diz que terá “o maior prazer” de apresentar aos visitantes estrangeiros a sua propriedade localizada em Paragominas (PA), uma das principais cidades produtoras de gado do país.
A Fazenda Marupiara soma 4.356 hectares, e adota o modelo ILPF (sigla para integração lavoura-pecuária-floresta). Assim, dos mais de 4 mil hectares, a maior parte – 3.840 hectares – é ocupada por áreas de florestas, seguindo a legislação do Código Florestal. Os 880 hectares são destinados à produção, sendo 520 hectares voltados à pecuária e 360 hectares ao cultivo de soja e milho
Nem sempre a produção de Costa foi assim. No passado, a propriedade seguia o estilo convencional da pecuária até que o produtor notou, ainda no início dos anos 2000, que a fazenda começou a perder produtividade e resolveu mudar tudo.
“O comum era desmatar de novo. Mas eu pensei: ou consigo trabalhar sem depender dessa lógica de degradação, ou paro com a pecuária”, contou ao AgFeed, em junho passado.
A conferência será um momento único para os pecuaristas paraenses que adotam boas práticas de manejo apresentarem seu trabalho, avalia Costa. “Temos oportunidades de mostrar muitas coisas boas para o mundo. E oportunidades de networking”, diz.
“A COP também é importante porque hoje há muita informação circulando em relação às coisas ruins. Não tem informação das coisas boas. Mas também podemos esconder o que tem de ruim, mentindo, falando que não existe. E é por isso que eu acredito muito na COP, porque vai ter uma chance realmente de mostrar o que nós temos de bom, sem ocultar, mentir, ou omitir os erros que nós tivemos.”
Resumo
- Produtores rurais do Pará querem usar a COP 30 para provar que é possível produzir com sustentabilidade na Amazônia e atrair investidores
- A Embrapa e cooperativas locais, como a Camta, apresentarão práticas sustentáveis e agroflorestais a visitantes e parceiros globais
- O evento é visto como vitrine do agro amazônico moderno, unindo negócios, inovação e conservação ambiental no Pará