No carbono, a Minerva Foods está encontrando uma nova frente de negócios que, à primeira vista, parece distante da pecuária – mas nasce justamente dela.

É que, há alguns anos, o CFO da companhia, Edison Ticle, precisava encontrar um tema para seu trabalho de conclusão de curso de uma pós-graduação em Harvard.

Começou, então, a revisitar algumas conversas que teve com membros do Conselho de Administração da companhia sobre sustentabilidade e resolveu montar um plano de negócios do que poderia ser uma trading de carbono.

Ao voltar dos Estados Unidos, apresentou a ideia, que acabou sendo aprovada pela companhia. E, assim, em 2021, nasceu a MyCarbon, subsidiária da Minerva - que foi além do plano original de Ticle e se prepara para emitir seus primeiros créditos de carbono já no ano que vem, se tudo der certo.

“Devemos ter nossas primeiras emissões de crédito de carbono na Verra em 2026”, explica Marta Giannichi, diretora de sustentabilidade da Minerva e CEO da MyCarbon, que conversou com o AgFeed durante a COP 30, em Belém.

A atuação da subsidiária da Minerva começou primeiro no trading de créditos de carbono. Em 2022, por exemplo, a MyCarbon participou de um leilão de mercado voluntário de carbono promovido pelo Salic, o fundo soberano da Arábia Saudita que tem participação acionária na Minerva, comercializando 280 mil toneladas de créditos de carbono para empresas locais.

Mas a Minerva entendeu que a MyCarbon poderia ir além, sendo mais que uma comercializadora de créditos de terceiros, mas também gerando créditos de carbono próprios.

"Ao longo do tempo, a gente foi percebendo que, além de comercializar, estávamos muito bem posicionados para ser o originador desses projetos de carbono em áreas de agropecuária, porque a gente tem a matéria-prima na mão", diz Giannichi.

Hoje, a empresa trabalha em três frentes: na originação, gerando créditos de carbono a partir de projetos agropecuários; no trading, fazendo a comercialização de créditos que são oriundos de projetos externos, adquiridos pela MyCarbon e revendidos a outros clientes; e em projetos internos da própria Minerva, contribuindo para ao desenvolvimento de produtos com pegada de carbono calculada, por exemplo.

Na originação, a MyCarbon tem fechado acordos com outras empresas como Yara, SLC Agrícola e Brandt para gerar e comercializar créditos de carbono oriundos de projetos de agricultura regenerativa.

Ao todo, a MyCarbon já tem mais de 35 mil hectares contratados para desenvolvimento de projetos de carbono no solo, segundo Giannichi. A maior parte dos hectares corresponde à agricultura (32,5 mil) e o restante (2,5 mil) à pecuária.

Agora, a ideia da Minerva é fazer uma emissão inicial entre 1,2 mil a 1,5 mil créditos de carbono que foram originados por projetos da MyCarbon e que já estão inclusive comercializados – a CEO da subsidiária não revela quem são os compradores.

Na prática, como 1 crédito de carbono equivale a 1 tonelada de CO2 equivalente (CO2e) reduzida ou removida, fazendo as contas, os projetos podem remover ou reduzir entre 1,2 mil a 1,5 mil toneladas de CO2e.

Os créditos são oriundos de dois projetos da MyCarbon - um de agricultura e outro de pecuária regenerativa - que estão ainda sob análise da americana Verra, a principal certificadora de créditos de carbono do mundo.

O projeto de agricultura chama-se BRA-3C e tem potencial de gerar já em seu primeiro ano entre 500 a 700 créditos de carbono em 1.194 hectares iniciais. Já o projeto de pecuária regenerativa é o Renove ALM Brasil e deve gerar entre 600 a 900 créditos de carbono em 1.450 hectares num primeiro momento.

A originação de créditos ainda está no início, mas a pretensão da Minerva com os negócios de sua subsidiária é grande: chegar a quase 3 milhões de créditos de carbono sendo gerados e comercializados ao longo dos próximos dez anos, sendo cerca de 1,5 milhão no projeto da agricultura e 800 mil toneladas no de pecuária.

Assim, os projetos devem alcançar 650 mil hectares de áreas recuperadas, considerando projetos de agricultura (500 mil hectares) e pecuária regenerativa (150 mil hectares).

Os projetos estão concentrados no Cerrado, principalmente entre Goiás e a região agrícola Matopiba, formada pelos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, afirma Giannichi.

Para a geração dos créditos, a MyCarbon utiliza um conceito chamado ALM (sigla em inglês para Agricultural Land Management), na qual o crédito de carbono é gerado a partir da gestão de terras agrícolas, com adoção de boas práticas, manejo de pastagens, integração lavoura-pecuária e manejo da pecuária para menor emissão de metano.

A metodologia usada nos projetos é a VM0042, e na pecuária, é acrescida da VM0041, que envolve as emissões de metano.

Assim, a MyCarbon consegue estimar o percentual de carbono estocado no solo e também o que deixou de ser emitido com a diminuição de ruminação dos animais.

"A gente desenha a linha de base, mede o carbono no solo no dia 1 em que o produtor decidiu aderir ao projeto, faz a coleta, envia para o laboratório para ver o quanto tem de carbono. O produtor assina o contrato com a gente e começa a executar as práticas", explica Giannichi.

A saúde do solo e a captura de carbono, diz a executiva, vão sendo mensurados ano a ano até gerar um “delta”, que depois é apresentado aos auditores justificando que ali existe, de fato, uma remoção de CO2. “Esse delta é o que gera o crédito de carbono”, afirma Giannichi.

Para participar dos projetos, não necessariamente o pecuarista deve ser fornecedor da Minerva. “Mas, coincidentemente, todos os pecuaristas que a gente engajou nessa primeira leva de projetos são fornecedores. É o nosso low hanging fruit”, diz.

A CEO da MyCarbon ressalta que, para convencer os produtores e pecuaristas a participarem do projeto, a discussão não fica apenas na rentabilidade que a geração de créditos de carbono pode trazer.

“Demonstramos ao produtor que isso vai ser rentável para ele, não só do ponto de vista de geração de receita adicional, com o carbono, mas também com relação ao ganho de produtividade que ele vai ter ao recuperar uma pastagem ou ao fazer um sistema de rotação de soja e milho. Esse é o nosso pitch com o produtor”, diz.

Por enquanto, a Minerva pretende manter a operação da MyCarbon apenas no Brasil. Mas, como a companhia tem atuação global, com presença em diferentes países, a empresa não descarta levar a subsidiária para o exterior em algum momento, segundo Giannichi.

“A gente tem essa ideia, mas não deve acontecer imediatamente, nos próximos um ou dois anos”, afirma.

Rastreabilidade

Enquanto escala sua operação de carbono, a Minerva corre em paralelo para resolver um grande desafio do setor: o monitoramento de fornecedores.

A companhia impôs a si própria uma meta de, até 2030, rastrear todos os fornecedores diretos em todos os países em que atua na América do Sul e também implementar um sistema completo para monitorar os fornecedores indiretos.

A Minerva informa, em seu site, que já faz o monitoramento de 100% dos fornecedores diretos no Brasil, Colômbia, Argentina e Paraguai, e de 90% no Uruguai.

Já nos fornecedores indiretos, o desafio é maior. Isso porque há uma grande quantidade de atores envolvidos na cadeia que vai da cria ao abate final do frigorífico e desatar esse nó é uma dificuldade não só da Minerva, mas dos frigoríficos como um todo.

Giannichi diz que a Minerva estruturou diferentes caminhos para avançar no rastreamento dos indiretos. Um deles, segundo ela, é o rastreamento do “Tier 1”, que exige que o fornecedor direto da Minerva monitore o seu próprio fornecedor.

Para isso, a empresa fornece gratuitamente uma ferramenta, o SMGeo Prospec, que replica a mesma checagem que a própria Minerva realiza.

Com o rastreio do Tier 1, Giannichi afirma que a companhia está conseguindo atender à normativa SARB 026, criado pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) há dois anos e que exige que frigoríficos e abatedouros comprovem a rastreabilidade da sua cadeia de fornecimento para obter financiamento nos bancos.

A adesão das instituições financeiras é voluntária, mas as empresas da pecuária têm procurado se adaptar, em maior ou menor grau, ao que pede o normativo.

No ano passado, a Minerva relatou, em relatório atendendo à normativa da Febraban, que já tinha conseguido rastrear e monitorar 54,75% das cabeças de gado até os fornecedores indiretos.

A Minerva também tem um outro protocolo, de rastreabilidade do ciclo completo do gado, do nascimento ao abate, o full traceable. A companiha já fez uma identificação inicial de quem faz o ciclo completo e agora vai entrar numa fase de confirmação, checagem, certificação, auditoria desses ciclos, segundo Giannichi.

Ela conta que, ao fazer o levantamento do mapeamento de ciclos dentro da nossa cadeia de fornecimento, a companhia percebeu que a cadeia está ficando menos fragmentada – o que facilita todo o processo de identificação dos animais.

“Entre 50% e 51% da nossa cadeia se encontra em ciclo completo, é aquele fornecedor que faz todas as fases do animal na mesma fazenda. Para a gente, é muito interessante você ter as três fases dentro da mesma propriedade”, diz.

Resumo

  • Minerva Foods avança com operações de sua subsidiária, a MyCarbon, que se prepara para emitir entre 1,2 mil e 1,5 mil créditos próprios em 2026
  • Subsidiária mira a geração de mais de 2,5 milhões de créditos ao longo dos próximos dez anos, com expansão para 650 mil hectares no Cerrado
  • Enquanto escala a operação de carbono, a Minerva acelera a rastreabilidade e diz já monitorar 100% dos fornecedores diretos no Brasil, Colômbia, Argentina e Paraguai