Brasília (DF) - O Banco Central do Brasil recusou ou cancelou ao menos R$ 20 bilhões em operações de crédito rural nos últimos dois anos, por falta de conformidade com a legislação ambiental.

Foram quase 60 mil pedidos submetidos por instituições financeiras à autoridade monetária que não seguiam as normas de concessão de crédito entre 2024 e 2025. Os pedidos foram negados ou tiveram seus recursos recuperados posteriormente por apresentarem fraudes após a concessão.

Os dados foram apresentados por Silvio Arduini, do Departamento de Regulação, Supervisão e Operação do Crédito Rural do Banco Central, no fórum “Diálogos Boi na Linha”, organizado pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) nesta quarta-feira, 22 de outubro, em Brasília (DF).

Segundo ele, metade do volume de recusas foi de irregularidades em relação ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), documento previsto no Código Florestal Brasileiro, que todo agricultor e pecuarista precisa apresentar em pedidos de financiamento.

Foram R$ 10 bilhões nos últimos dois anos em mais de 40 mil operações, 30 mil em 2023 e 10 mil em 2024. Os dados têm uma data de corte de 30 de setembro. “O que me surpreende é como a instituição financeira ainda continuou fazendo isso e apresentando pedidos com irregularidades no CAR”, afirmou Arduini.

Segundo ele, esses dados sobre o CAR foram apresentados em audiência pública na Câmara dos Deputados e os técnicos do banco foram questionados por parlamentares se havia a necessidade de o empreendimento para o qual o crédito foi solicitado estar necessariamente localizado na propriedade. “É difícil, né?”.

Outros R$ 6 bilhões foram bloqueados pelo BC em mais de 15 mil operações de tentativa de registros de operações de contratação de crédito rural nos últimos dois anos por outras irregularidades ambientais nas propriedades. O volume deve ser maior, segundo Arduini, já que os dados estão atualizados até 31 de maio.

O BC bloqueou e retomou mais R$ 4,4 bilhões em operações de crédito já concedidas que apresentaram irregularidades no destino dos recursos. Como exemplo estão o uso dos recursos para outras operações, ou mesmo o plantio de outra cultura que não a contratada pelo produtor.

“O mais comum, no entanto, é o produtor tomar um embargo durante o período de contratação”, completou o representante do BC, que citou no evento as dezenas de normas publicadas pela autoridade monetária, com aumento das exigências ambientais desde 2013.

“Cada vez que publicamos normativas somos questionados se somos um órgão ambiental. Nossa função é preservar a sustentabilidade do sistema financeiro”, concluiu

Do lado das instituições financeiras, a gerente de sustentabilidade da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Cíntia Céspedes, avaliou, no mesmo painel do evento, que o setor “é altamente regulado” para questões de risco socioambiental na concessão de crédito desde 2008.

“Desde então, só tivemos avanços regulatórios e tivemos também a autorregulação, desde 2014, que vai um pouco além da regulação do BC, para ajudar a levantar a régua”, disse a executiva.

No caso da pecuária, Cíntia citou a normativa SARB 026, criada pela Febraban para exigir que frigoríficos e abatedouros comprovem a rastreabilidade da sua cadeia de fornecimento para obter financiamento.

Ao lado da gerente da Febraban no debate, o procurador da República no Amazonas, Rafael Rocha, avaliou que a rastreabilidade completa de cadeia pecuária é realidade distante. Segundo ele, um levantamento realizado pelo Ministério Público Federal aponta que entre os fornecedores indiretos de frigoríficos o índice de conformidade na rastreabilidade é de 38%. “É um índice muito preocupante”, disse Rocha.

Já o secretário de controle do desmatamento e ordenamento territorial ambiental do Ministério do Meio Ambiente, André Lima, criticou a pressão política sobre a questão ambiental, mesmo quando há queda por três anos consecutivos no desmatamento na Amazônia e no Cerrado, biomas mais ameaçados pela agropecuária.

“Ações como a moratória da soja sofrem pressão no Congresso, no Cade e na Justiça para serem barradas. Deputados destinam bilhões em emendas para compra de tratores e máquinas e zero para modernizar e ampliar a implantação do CARs”, exemplificou Lima.

No evento, o secretário defendeu também que seja vedado o acesso ao crédito não só para o desmate ilegal, mas que as instituições financeiras também não ofereçam subsídios aos proprietários que querem desmatar legalmente dentro dos porcentuais permitidos pelo Código Florestal.

Resumo

  • BC recusou ou cancelou quase 60 mil pedidos de financiamento rural entre 2024 e 2025, totalizando R$ 20 bilhões
  • Metade das irregularidades envolve o CAR; outras dizem respeito ao uso indevido dos recursos e embargos ambientais
  • Autoridades defendem maior rigor ambiental e rastreabilidade na agropecuária