Brasília (DF) - De um lado, metas ambiciosas de neutralizar as emissões até 2050 e a pressão por produtos sustentáveis e livres de desmatamento. Do outro, uma nação com uma classe média de 500 milhões de pessoas onde o consumo cresce paralelamente com a preocupação com a sustentabilidade.

Mercado que consome ainda 8,5 quilos de carne por habitante por ano, abaixo da média global de 10 quilos anuais per capita, a China tem no Brasil o maior fornecedor externo, com 50% de todas as importações da proteína, um volume anual de 1,3 milhão de toneladas.

E o Brasil tem no país oriental seu principal cliente, com 30% das exportações, o que nos obriga a investir cada vez mais em certificação do produto caso queira manter essa relação comercial.

No meio do caminho, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) lançou em Brasília (DF), nesta terça-feira, 21 de outubro, a Beef on Track (BoT), primeira certificação de carne livre de desmatamento do mundo.

A iniciativa nasce a partir de uma demanda do mercado chinês. Segundo Marina Guyot, gerente de Políticas Públicas do Imaflora, o BoT surgiu após demanda dos importadores que cobraram algo simples, um selo que traduzisse todos os níveis das etapas de comércio bilateral de carne bovina.

“É improvável que a China crie um mecanismo (de barrar importações por questões ambientais) por causa das boas relações diplomáticas com o Brasil, mas ouvimos que as certificações serão bem-vindas e a partir do desmatamento zero”, disse Marina Guyot durante o congresso “Comércio Sino-Brasileiro de Carne Bovina”, organizado pelo Imaflora na capital federal.

O selo BoT terá quatro níveis de certificação de acordo com a conformidade socioambiental na pecuária de corte. Bronze e prata serão concedidos ao frigorificio que monitora desmantamento ilegal, fiscaliza condições analogas escravo e sobreposições de áreas de fornecedores diretos e ouro e platinum ao que também monitora a conformidade em toda a cadeia, incluindo os indiretos.

Um projeto-piloto será iniciado em 2026 com a Taijin Meat Association. A associação de importadores chineses se comprometeu a adquirir 50 mil toneladas já certificadas BoT até meados do ano que vem , um volume que representa 4% da demanda chinesa e cerca de 20% das importações da associação parceira no projeto inicial.

Segundo Marina Guyot, 70% dos abates em frigoríficos na Amazônia Legal já estariam em conformidade com o nível bronze atualmente. Segundo ela, o Imaflora vai capacitar e acreditar as empresas de auditoria e cada frigorífico terá a capacidade de classificar cada nível do selo BoT por cortes e volumes

Já a diretora-executiva do Imaflora, Marina Piatto, contou que o instituto fará um road show pela China e também na União Europeia no começo de 2026 para detalhar como funcionará a certificação e também para tentar uma equivalência no mercado europeu.

No entanto, apesar da demanda dos chineses, a resistência ainda está segundo ela, na Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), entidade que reúne as grandes empresas exportadoras do setor e que não enviou representantes ao evento.

“Acho que eles têm uma visão um pouco distorcida de ONGs, de que vamos ganhar dinheiro com isso, enquanto não vamos nem fazer a certificação. Talvez eles estão achando que estamos criando uma demanda para a China e que vão ter mais trabalho. Mas eles sabem que essa é a demanda”, disse a diretora-executiva do Imaflora.

“Gostaríamos muito que vocês ligassem para o Perosa e perguntassem sobre essa resistência”, completou Marina Piatto, referindo-se ao presidente-executivo da Abiec, Roberto Perosa. Curiosamente, Perosa está na China negociando a ampliação daquele mercado para a carne bovina brasileira.

Um dos defensores do selo e de certificações para a pecuária brasileira é Carlos Ernesto Augustin, assessor especial do Ministério da Agricultura. Na abertura do evento, ele afirmou que a crescente demanda chinesa é capaz de fomentar um crescimento de 100% na produção pecuária brasileira.

“Mas temos que conseguir isso com um alto grau de sustentabilidade. Privilegiar selos e colocar produtos no mercado. Os Estados Unidos estão tirando o pé de ser o xerife ambiental do mundo, se é que um dia foi, e a China está disposta a fazer isso”, afirmou.

“Eu vi uma preocupação muito grande com a questão ambiental na China e, quem sabe, no futuro, tenhamos esse selo internacional de carne. Não adianta ter o melhor Código Florestal. Temos de ter a prova”, afirmou.

Para Bruno Leite, coordenador-geral de Produção Animal do Ministério da Agricultura, o Brasil conquistou a confiança dos chineses durante as negociações comerciais de décadas para a abertura dos mercados agropecuários ao acatar e cumprir as garantias sanitárias.

“É o nosso principal mercado e nós nos mostramos como parceiros confiáveis. O outro patamar da relação agora é na sustentabilidade que é feita no âmbito privado”, afirmou Leite.

Já Livia Zhao, representante do Departamento Internacional da China Meat Association, lembrou que há falta de carne naquele país devido ao aumento do consumo e que Brasil e Argentina podem ser grandes fornecedores para suprir o déficit com proteína de alta qualidade. No entanto, a certificação é cada vez mais fundamental e o Brasil sai na frente.

“Sabemos que o Brasil está trabalhando bastante no conceito de carne com sustentabilidade. Não podemos estragar o terreno com o desmatamento e vamos sempre promover as boas práticas no alimento”, concluiu.

Resumo

  • Imaflora cria o selo Beef on Track (BoT), a primeira certificação global para carne bovina livre de desmatamento, focada no mercado chinês
  • Certificação terá quatro níveis, incluindo verificação de fornecedores indiretos; projeto-piloto começa em 2026 com importadores da China
  • Abiec não compareceu a evento de lançamento e instituto afirma que ainda há resistência da indústria exportadora