O agronegócio brasileiro já entendeu que sua missão vai além de produzir alimentos, fibras e energia para o mundo. Com o agro sendo cada vez mais pressionado em reduzir sua pegada de carbono, aproveitar ao máximo cada recurso se tornou uma estratégia essencial.

É nesse sentido que a economia circular desponta no campo. Práticas como a compostagem de resíduos vegetais, o uso de dejetos animais para geração de biogás ou a transformação de resíduos da agroindústria em fertilizantes estão cada vez mais comuns porque, além de ganhos ambientais, também fazem sentido econômico: no fim do dia, o produtor reduz custos e aumenta sua produtividade.

Um fato interessante é que a circularidade que chega à lavoura não é uma pauta restrita ao universo agro. Indústrias de setores aparentemente distantes do campo, como a siderurgia e a celulose, também estão entrando nessa engrenagem.

Empresas destes segmentos têm desenvolvido soluções para transformar resíduos orgânicos e inorgânicos em produtos voltados ao campo, como fertilizantes e corretivos de solo. Dessa forma, o que era um passivo ambiental passa a ser comercializado como insumo de alto valor para a agricultura.

Um paper publicado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em 2022 indicou que há a necessidade de três mudanças para que os sistemas agropecuários sejam circulares e sustentáveis.

A primeira transformação necessária é a substituição de um modelo linear por um modelo circular de produção.

A segunda envolve uma mudança no perfil dos profissionais: do especialista técnico para aquele com uma visão mais ampla e sistêmica, capaz de compreender os diversos fatores que impactam sua área de atuação.

Por fim, a terceira transformação exige a superação de políticas e programas pontuais, dando lugar a estratégias de longo prazo que promovam a integração entre todos os agentes dos sistemas agropecuários.

Três anos após a publicação desse diagnóstico, é possível dizer que o agronegócio brasileiro ainda está no primeiro estágio dessa transição. O AgFeed reuniu três exemplos de profissionais e empresas, tanto do setor, quanto de fora dele, que vêm contribuindo, de forma concreta, para impulsionar a circularidade no campo.

A fertilidade da nanotecnologia

Há quase dez anos, o professor Ailton Terezo, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), estava fazendo um suco de acerola em casa quando teve uma ideia. "Resolvi bater a acerola, rica em vitamina C, ácido ascórbico, ácido orgânico folifuncional. Sobrou o bagaço, guardei e disse: 'Vou congelar isso aqui e depois vou testar'"

O interesse veio do fato de que Terezo já vinha estudando, na literatura científica, a temática das nanopartículas de carbono - que são estruturas minúsculas, com pontos quânticos de carbono, estruturas capazes de acelerar o processo de fotossíntese nas plantas.

"Muitos autores da literatura vinham mostrando que você poderia usar ácidos polifuncionais para construir nanoestruturas de carbono. Resolvi testar com a acerola", diz.

A ideia deu certo. Os resultados foram promissores e resultaram num artigo acadêmico publicado anos depois.

A partir daí, Terezo e outros pesquisadores da universidade passaram a experimentar diferentes tipos de resíduos: do lodo de esgoto de um hotel em Cuiabá à vinhaça da cana-de-açúcar, de dejetos da suinocultura à água residual da lavagem de pulverizadores, nesse caso em uma parceria com a Amaggi. Até mesmo sobras da produção de gelatina entraram na lista de insumos.

Tudo isso para a fabricação de um fertilizante foliar cheio de nanopartículas – trata-se de um líquido com coloração marrom, semelhante à de café – que foi batizado de Nanocarbono 480, em referência ao comprimento de onda da luz azul que ele emite.

O fertilizante com nanopartículas atua como uma espécie de “acelerador de fotossíntese”, fazendo com que as plantas cresçam mais e sejam mais produtivas.

As nanopartículas ajudam no processo fazendo a conversão de ondas de luz que a planta não consegue absorver, melhorando o aproveitamento de luz. “Isso é, por exemplo, pegar o ultravioleta que a planta não aproveita para a fotossíntese e jogar para a região azul, que a planta aproveita para a fotossíntese”, explica Terezo.

Testes de avaliação do comportamento do fertilizante têm sido feitos em ambientes controlados, inicialmente com a parceria de um pesquisador da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná, e, mais recentemente, em Mato Grosso.

Terezo e outros pesquisadores da UFMT se juntaram também ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para Agricultura Sustentável, que reúne instituições e acadêmicos com foco em nanotecnologia aplicada à agricultura sustentável.

Os estudos até aqui foram feitos com diferentes culturas. Na alface, houve ganhos de 15%. Na soja, Terezo diz que houve um ganho de 40% de massa seca em comparação com as sementes que não receberam o produto. Na braquiária, utilizada no plantio de cobertura, o ganho de massa seca foi de 50%. No algodão, chegou a 140%.

A maior parte dos testes ainda foram feitos em ambiente laboratorial controlado, mas algumas análises começam a ser feitas em campo, caso de teste que está sendo feito no momento em uma plantação de algodão em Desiolândia (MT).

Terezo também negocia testes em uma lavoura de soja em Rio Verde (GO), que começaria em setembro.

A ideia do professor da UFMT é também de fazer testes com cana-de-açúcar e milho e continuar com as pesquisas feitas com soja, braquiária e algodão.

O desafio de continuar o trabalho de pesquisa e validação do produto é financeiro. "Para um ano de trabalho, com vários experimentos, estamos falando de algo em torno de R$ 700 mil", estima Terezo.

Por isso, no começo deste ano, Terezo e outros três pesquisadores da UFMT se juntaram para criar uma startup, a NanoGrow. "Podemos dizer que é um spin-off da UFMT, ligado ao Instituto de Química da universidade", diz o professor.

O professor diz que já conversou com parceiros e recebeu propostas, mas ainda está analisando o que fazer. Terezo afirmou também que, no mês passado, começou um projeto com a Saciatta, empresa de pisicultura do Grupo Natter.

A ideia é desenvolver a obtenção de nanocarbonos a partir da carcaça da tilápia, resíduo do processo produtivo.

"Quando você pega o resíduo da tilápia, você hidrolisa e quebra as proteínas. Na hora que você faz essa quebra, peptídeos são liberados. E, dependendo da eficiência dessa quebra, libera aminoácidos, que é um ácido orgânico polifuncional e pode ser reconstruído em nanocarbonos."

No futuro, Terezo quer trabalhar ainda com a utilização de silício na forma de nanopartículas, mas o projeto é mais incipiente.

“A gente ainda está fazendo alguns testes, nós ainda não temos um bom resultado para mostrar. Daqui a um ano podemos voltar a conversar”, brinca.

Para além do desenvolvimento do produto em si, um desafio adicional é gerenciar uma startup: "Nos últimos 20 anos, eu trabalhei como professor e vou continuar sendo professor. Não sei atuar como empresário. Mas o aprendizado está sendo legal", diz Terezo.

E, claro, explicar os termos complexos do mundo da nanotecnologia para empresas, engenheiros agrônomos e produtores rurais. "Quando eu falava de pontos quânticos de carbono, por exemplo, o pessoal segurava até a risada.”

A casca de eucalipto que vira fertilizante

Na fábrica da Veracel Celulose, em Eunápolis (BA), até o resíduo da produção ganha novo destino. Casca de eucalipto, cinzas do processo industrial e lodo de esgoto da planta são reciclados para se tornarem fertilizantes que voltam às florestas de eucaliptos e lavouras do Sul da Bahia.

Esse processo de transformação dos resíduos da produção de celulose em produtos agrícolas já vem de duas décadas. É que a fábrica, joint-venture da brasileira Suzano com a finlandesa Stora Enso, já nasceu, em 2005, com a ideia de circularidade.

"No processo de fabricação de celulose, temos uma geração alta de resíduos. Por isso, desde a instalação da fábrica, o conceito foi de priorizar a reciclagem de resíduos", afirma Tarciso Matos, coordenador de meio ambiente da empresa.

Hoje, 99,5% dos resíduos gerados pela fábrica são reciclados. No ano passado, foram quase 50 mil toneladas recicladas em um planta com capacidade de produção de 1,1 milhão de toneladas de celulose por ano.

Das cerca de 50 mil toneladas recicladas, 70% tem características agronômicas - e é por isso que veio a ideia de transformá-las em produtos agrícolas. "Seria um grande desperdício para a empresa colocar tudo isso em um aterro industrial", avalia Matos.

Os resíduos utilizados são orgânicos e inorgânicos, explica o executivo da Veracel. No caso dos orgânicos, trata-se da casca de eucalipto, após a madeira ser descascada no campo, e o lodo biológico da estação de tratamento de efluentes da companhia.

Já os resíduos inorgânicos são provenientes do processo produtivo industrial como dregs e krits, gerados a partir do processo de purificação do licor - etapa da produção que contribui para a qualidade da celulose final e para a eficiência do processo de branqueamento.

"É basicamente carbonato de cálcio, que é a mesma composição do calcário que é utilizado para a correção de acidez de solo", diz Matos.

Também são utilizadas a lama de cal, resíduo orgânico gerado no tratamento do licor e também rico em carbonato de cálcio, e as cinzas da caldeira de biomassa, geradas após a queima da casca de eucaliptos para a fabricação de celulose.

Esses resíduos são encaminhados para a empresa Vida, de Porto Alegre (RS), que os transforma em 2,5 mil toneladas por mês de produtos agrícolas como fertilizante orgânico, corretivo de acidez de solo e substrato papilântrico (que também é um fertilizante).

A Vida foi criada nos anos 1970 pelo ambientalista gaúcho José Lutzenberger, famoso pela defesa ambiental, e ainda hoje é comandada por seus herdeiros.

"A Vida é especializada em fazer essa conversão, um know-how que a Veracel não tem. O que fazemos é a gestão de resíduos e o tratamento desses resíduos também. A Vida comercializa esses produtos", explica.

O fertilizante orgânico é formado a partir do lodo biológico da estação de tratamento de efluentes da Veracel. Primeiro, o material passa por um processo de fermentação anaeróbica (sem oxigênio). Após cerca de quatro meses, ele é disposto temporariamente em um leito de secagem em estufas agrícolas.

Quando o material chega a uma consistência ideal, é submetido a um processo de polimento e secagem, resultando no fertilizante orgânico, rico em matéria orgânica, fósforo e nitrogênio, ideais para adubação do solo.

“Como resultado, você tem num fertilizante desses, um produto riquíssimo em matéria orgânica, em fósforo e em nitrogênio”, diz Tarciso Matos.

Já o corretivo de acidez do solo aproveita os resíduos calcários gerados na fabricação de celulose, que resíduos passam por um processo de secagem ao sol, e depois são misturados com a cinza da caldeira e peneirados. Além de corrigir a acidez, o produto também fornece cálcio e magnésio ao solo.

Os produtos são utilizados pela própria Veracel em suas plantações de eucaliptos, como também por produtores rurais da região de Eunápolis, somando, ao todo, cerca de 400 clientes ativos.

"Dessas 2,5 mil toneladas, 1,5 mil toneladas vão para a gente fazer a correção de solo dos nossos plantios de eucalipto e as outras mil toneladas a gente vende para os produtores", explica Matos. “O fertilizante, por exemplo, é um produto que tem fila de espera de produtores agrícolas da região para comprar”, diz.

Os produtos da Veracel têm vantagem sobre outros que estão no mercado por utilizar insumos oriundos do processo industrial. "Nosso corretivo, por exemplo, tem a cinza da caldeira que agrega fósforo e potássio. De cada tonelada de corretivo, 10 quilos são de potássio e 5 quilos são de fósforo.”

Da escória do aço à lavoura

Quem passa perto de siderúrgicas costuma ver grandes montanhas cinzentas e, à primeira vista, pode confundi-las com lixo. No passado, essa era justamente a percepção comum. Mas esse material, na verdade, é a escória siderúrgica, um subproduto da produção de aço inoxidável, rico em substâncias como silicato de cálcio e magnésio.

De olho nas possibilidades que essas substâncias podem trazer à produção agrícola, a multinacional americana Harsco Environmental, que presta serviços de gestão ambiental como o tratamento de rejeitos da produção siderúrgica, viu na escória, primeiro nos Estados Unidos e depois no Brasil, uma oportunidade de fazer negócios e, ao mesmo tempo, promover circularidade.

A empresa começou a trabalhar no Brasil há cerca de 20 anos com produtos para agricultura e, ao longo da última década, resolveu firmar um acordo com a Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa) para aprimorar e desenvolver novos produtos.

Hoje, entre corretivo e fertilizantes minerais, são quatro produtos, que levam a marca AgroSilício e são derivados da escória, ricos em silicato de cálcio e magnésio, que podem substituir o calcário nas lavouras, trazendo também componentes como magnésio e enxofre.

O ganho para os produtores está no custo e também é ambiental, afirma Wender Alves, presidente da Harsco para América Latina. Ele diz que o AgroSilício emite 95% a menos carbono em comparação com o calcário tradicional, com base em análise feita pela Bureau Veritas.

No ano passado, a companhia concluiu um investimento de R$ 120 milhões para ampliar a capacidade de produção de sua unidade em Timóteo (MG), que fica junto à planta da Aperam, de 300 mil toneladas para 400 mil toneladas.

Ainda há a possibilidade de um investimento adicional de R$ 100 milhões em uma planta localizada em Ipatinga (MG), junto à unidade da Usiminas na cidade, onde a Harsco mantém operação. Alves diz que a companhia negocia uma renovação contratual com a siderúrgica no momento, já em fase final de tratativas.

"Estamos terminando de maneira positiva e a gente tem muita esperança que assim seja. A gente implementa essa nova fábrica junto com o novo ciclo contratual", afirma Alves. Juntas, as unidades de Timóteo e Ipatinga terão capacidade de produzir 500 mil toneladas de fertilizante.

No ano passado, o volume comercializado foi de 288 mil toneladas. Neste ano, a ideia é ultrapassar a marca de 300 mil toneladas vendidas, chegando ao patamar entre 310 e 330 mil toneladas de Agrosilício comercializado", diz.

Somente no ano passado, o produto foi aplicado em 145 mil hectares e é utilizado em diferentes culturas como florestas de eucalipto, pastagens, café, milho e cana, sendo comercializado principalmente em Minas Gerais e também nas principais regiões produtivas do país, segundo Alves.

Quando conversou com o AgFeed, o vice-presidente da Harso para a América Latina estava no México para tratar, entre outros assuntos, do projeto de implementação do AgroSilício naquele país.

A ideia é levar o know-how obtido no Brasil para lá, aproveitando também o fato de que os dois países têm características agrícolas e de solo semelhantes.

"Como o Brasil é, de longe, o país que mais produz corretivo de solo e fertilizante a parte de escória siderúrgica na Harsco, naturalmente começamos a ter um domínio muito grande dessa tecnologia e passamos a ser base de exportação de conhecimento", explica Alves.

Ao todo, a Harsco presta serviços a seis usinas siderúrgicas do México, fatia correspondente a 50% do mercado local. Testes de produção com o reuso da escória para a produção de fertilizantes já foram feitos em três das seis plantas, todos eles com sucesso.

"A gente ainda está em discussão sobre qual vai ser a melhor escolha para uma primeira unidade no México", diz. A ideia é produzir cerca de 80 mil toneladas de produto por ano no país, independentemente da siderúrgica escolhida, segundo Alves.

A Harsco possui ainda operações em outros países da América Latina, como Chile e Argentina. Alves não descarta a possibilidade de produzir o AgroSilício também neste países, mas salienta que a introdução do produto em novos mercados depende de alguns fatores.

"Tem fontes de escória que se prestam ao AgroSilício outras que não se prestam. Precisamos entender e estudar muito bem a natureza do resíduo. Outro ponto é entender se o agronegócio daquele país é dinâmico o suficiente para ter um produto desse tipo. E, por fim, a característica do solo", afirma

"Se eu tiver disponibilidade de matéria-prima, dinamismo no negócio agrícola, e a característica do solo que necessita da correção e da incorporação do silício solúvel, aí você tem o conjunto de interseção necessário”, emenda.

Resumo

  • Iniciativas de economia circular no agro têm avançado com o reaproveitamento de resíduos orgânicos e industriais para a produção de fertilizantes, corretivos de solo e insumos biotecnológicos
  • Startups e empresas tradicionais, como a NanoGrow, a Veracel Celulose e a Harsco Environmental, desenvolvem soluções que transformam sobras da agroindústria, da celulose e da siderurgia em produtos aplicáveis ao campo

Ailton Terezo (ao centro, de chapéu), em visita à fazenda Tucunaré, da Amaggi, juntamente com Blairo Maggi e Pedro Valente, presidente da companhia agrícola

Resíduos para tratamento em unidade da Veracel na Bahia

Aplicação do fertilizante AgroSilício em pastagem